terça-feira, 30 de julho de 2013

AFTER SHAVE

Ali não há fadas nem princesas - Começou ele, sentando-se perto dela, sem pedir licença, como se se considerasse dono do lugar. Ela olhou-o por cima da caipirinha de fim de tarde, sorriu. Sim, garanto-lhe que não há fadas nem princesas, repetiu. Ela não respondeu, olhando sempre o castelo na outra margem do rio Arade. Ele insistiu: - Mas esteve lá há pouco tempo uma princesa, a Letizia de Espanha, fugindo ao marido, ou à vida da corte, o que é quase a mesma coisa. Ela continuava calada, estranhando a prosa do desconhecido e, simultaneamente, sentindo-se presa à voz densa e quente. Olhou-o. Era um indivíduo bronzeado, polo azul, calções caqui, sapatos vela. Riu-se por dentro, de si mesma, por reparar nos pequenos nadas, por tentar adivinhar a marca do after shave que lhe sabia bem. Ele continuou a história: - As princesas de hoje são muito esquisitas, não acha? Primeiro querem viver em Palácios, viajar, ser reconhecidas; depois, buscam o isolamento, querem confundir-se com os cidadãos comuns. E não seremos todos cidadãos comuns?, perguntou ela sem o saber. Não! Claro que não! Há pessoas especiais, únicas. E ela concordou, deixando que a conversa corresse solta, estoirando na mesa da esplanada em consonância com o rebentar das ondas na praia. Acabada a caipirinha, terminou a conversa e ela partiu. Nunca chegou a saber a marca do after shave dele.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

EXPERIÊNCIAS

Com os pés pequeninos empurra a areia, estranha o toque, diferente dos tecidos a que já está habituada, e sorri. Faz força nas pernas pequeninas, estende a mão, quer experimentar aquela realidade nova como, com certeza, vai querer experimentar outras realidades que encontrará no seu crescer. Desde cedo, a criança observa, estranha, experimenta e, aos poucos, vai construindo a sua essência numa existência externa. Um dia, a criança curiosa vai para a Escola e, então, tudo vai mudar. A Escola de hoje vai limitar as descobertas individuais, vai impôr leituras escassas, vai fechar as portas do sonho. Depois, vai realizar exames e, finalmente, vai transformar a criança curiosa, a que gostava de olhar a lua e esfregar os pés na areia, num ser humano mimético, magoado e infeliz. A criança que, agora, se ri ao tocar a areia molhada da praia, será mais um jovem adulto a que o Estado Português cortou o poder de sonhar? Tudo farei para que assim não aconteça!

domingo, 28 de julho de 2013

A LUA

Da janela alta, num lugar que não é seu, vê nascer a lua enorme. Contrariando a ciência, nasce cheia de luz, ressuscitando nela  histórias de infância (lá vem a raposa a querer comer o queijo enorme reflectido na água), desperta referências da adolescência (e vem o abraço dançado ao som do touro enamorado de la luna) e acorda-a para a realidade. Aquela lua será a mesma que vêem os povos em luta, as vítimas da violência, os alvos do ódio crescente. Ela olha-a lembrando poesia, quadras que sabe de cor, e há quem a olhe tremendo a morte, a violência injusta. Sabe que é o mundo, que é a vida que os homens fazem, mas teme que, um dia, a lua nasça negra para todos e, então, não haja mais lugares onde a Poesia continue a acontecer...

sábado, 27 de julho de 2013

A Gaivota

Caminha segura, olhando com confiança o rebentar das ondas, ziguezagueando ao sabor do vento, fininho, que varre a areia. É livre, e não sabe o que é a Liberdade, é feliz, desconhecendo a Felicidade. Olho-a com uma certa inveja... Penso que as palavras, a mania (ou necessidade) de darmos nomes às coisas, as tornam frias e redutoras. Às vezes, o que sentimos, ou o que eu sinto, transborda das margens das letras, esborrata a tinta e não cabe nas linhas fininhas. A gaivota não tem esse problema, porque não tem palavras, porque, caminhando sozinha na praia ainda vazia de gente, não descodifica a palavra solidão!

sexta-feira, 26 de julho de 2013

A FELICIDADE

As férias, as caminhadas longas, as paisagens calmas e tranquilizantes, a distância do mundo real de cada um nós ajuda, creio eu,  a  renovar a fé na humanidade, a re-acreditar que a felicidade existe, ainda que, como diz Vinicius de Moraes, "só se seja feliz enquanto a felicidade durar"... Acho legítimo que as pessoas procurem a felicidade, que não se contentem com a rotina medíocre, que lutem por viver pequenos nadas de ser feliz. Com frequência oiço dizer que a felicidade não existe, que devemos contentar-nos com o possível. Muitas vezes, oiço criticar quem procura sempre, sem se render ao que corre mal, sem entregar os pontos, sem se colar a passados de doer. Dizem-me, com certezas alheias que me ficam curtas, que a geração a que pertenço é inconsequente, não se satisfaz com o que consegue da vida e, por isso, as relações eternas de 60 anos e mais já são raras. Agora, com o mar por companhia, embalando a minha Constança e contando-lhe histórias de deusas e mulheres, penso que é bom ter-se coragem para lutar por pequenas (in)significâncias de ser feliz. Lutar, acho eu, custa bem mais do que calar e aceitar, baixando os braços, aquilo que a vida (cruel) resolve ir dando a cada dia...

quinta-feira, 25 de julho de 2013

FADISTA


No cais, fadista espera a hora de partir. De pé, olhando-o vigilante, o jovem pescador trabalha as redes preparando a noite. Usa umas calças enormes, de borracha verde, tem o rosto já marcado por muitas marés, por muitos sóis e ventos agrestes. Começou criança, às ordens do avô, saindo de casa acompanhado pelas orações da mãe, pelas lágrimas duras da avó. Hoje, compreende as orações que, em criança, lhe pareciam ineficazes por não terem salvo o pai de uma noite de naufrágio. Tantos anos ligado ao mar, tantas noites vividas num inferno líquido e sempre viva aquela vontade estranha: - Cantar! Cantar como o Camané, um jovem que o espantava pela força do fado alegre. Sabia de cor muitos fados, cantava-os no mar, tendo por público a lua, as ondas e as estrelas. Às vezes, quando a disposição era boa, animava as noites no Café da terra. Mas  a mãe não gostava e garantia sempre, carregando na voz o eterno luto, que as cantorias não enchem a barriga de ninguém. Ele não deixava o sonho naufragar e, pelo menos na faina, fadista era a sua identidade

quarta-feira, 24 de julho de 2013

FORÇA

Sempre tentara ser forte, sempre lutara contra as marés que, ao longo da vida, se tinham sucedido, ora cheias, ora  vazias, a uma velocidade vertiginosa. Nascera mulher e disso fizera força, segurança e resistência.
As lágrimas chorava-as sozinhas, à sociedade crítica votava desprezo, ao medo virava as costas. Conhecia bem a dureza dos caminhos, a dor das desilusões, o pavor dos mil anoiteceres abraçada à solidão, mas sempre fora forte, sempre continuara sorrindo e acreditando que o sol nasce sempre outra vez.
Agora, rendia-se. Baixava a guarda, entregava os pontos, deixava que a cratera da alma se lhe enchesse de angústias líquidas, incapazes de continuar seguras nas rochas que erguera no seu oceano de emoções

terça-feira, 23 de julho de 2013

O Principezinho

Se bem que o Principezinho, de Saint-Exupéry, me tenha definitivamente marcado, hoje é de um novo príncipe que falo. Nasceu o filho de William e Kate, ontem, movimentando o mundo inteiro. Eu assisti à tragédia de Diana, acompanhei com curiosidade, e admito que com alguma admiração, o seu percurso, dando-se a coincidência, ainda por cima, de ela ter casado no mesmo ano que eu, e de William ter nascido pouco antes da minha filha mais velha. Confesso que chorei quando ela morreu, sentindo-me próxima dela e compreendendo as suas angústias.
Eu, que sou uma republicana convicta, tenho um carinho inexplicável, estúpido talvez, pela familia real inglesa! Ontem, vibrei com o nascimento e, hoje, comovi-me quando vi o bebé ao colo do pai. Neste mundo louco, o nascimento de uma criança é, sempre, algo que me emociona. Este bebé, rei de roca e de fraldas, carrega já uma enorme responsabilidade. Que Deus o ajude!

ROCHEDO

O Tempo dá voltas e voltas e a vida cumpre-se em repetições, em ciclos que, para mim, se tecem de ternuras, de sentires, de mágoas e saudade também. Há vinte  anos chegava à praia bem cedo, a causa era, dizia, as minhas filhas pequenas, o cuidado em protegê-las do sol, a necessidade de aproveitar a maré vazia para poder brincar à beira-mar, nas piscinas das rochas, fazendo construções e pescas curiosas. Foi numa dessas manhãs que uma das minhas meninas descobriu, com indignação, que os caranguejos não andavam para trás, como lhe tinham sempre dito, mas de lado! Creio que foi a sua primeira experiência com o relativismo dos factos que fazem a vida...
Agora, volto à praia à hora ideal, bem cedo, quando o areal ainda está apenas marcado pelas patinhas das gaivotas. Cresceram as filhas, vieram os netos, e a pequena Constança impõe horários sensatos. Assim, a minha caminhada faz-se com o mar inteiro e livre, sem gente, sem ruído. Perto, porque a maré baixa torna o longe perto, o rochedo em forma de barco desafia-me. As gaivotas enchem-no de ninhos e ele parece agradecer a escolha como maternidade. Gosto do rochedo, penso que tem muita sorte porque, dizem os livros, as pedras, ainda que imensas, não sentem nem sofrem...

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Prata

Do alto da minha insónia vejo a lua chover prata. O mar, calmo e imenso, cobre-se de reflexos brilhantes, tentadores, ilusórios decerto. Imagino sereias felizes, brincando agora que o mar é só delas, livre de corpos humanos, sempre abusadores, vazio de velocidades vertiginosas das motos de água que enchem os dias. À memória surgem-me poemas, muitos, e lembro o perigo que se associa ao canto das sereias "Tem cuidado, ó pescador, não se enrede a rede nela". Garrett a alertar para o perigo do amor. E eu, que conheço por dentro os riscos de amar, tenho vontade de gritar que, ainda assim, pese embora toda a dor que o Amor acarreta, não fará sentido viver sem a sua presença!

domingo, 21 de julho de 2013

DESACORDO

Não se entenderam. Outra coisa não seria de esperar... O que terá pensado o Presidente ao propor o ideal que todos sabiam ser absurdo?! Seria de facto perfeito que todos os partidos, todos!, compreendessem que a principal prioridade é o país e, consequentemente, as pessoas. Mas isso seria acreditar que, pelo menos em Portugal, a democracia funciona. Ora, sabemos bem que o que temos é uma partidarite doentia e, muitas vezes, acéfala! Os partidos funcionam como clubes desportivos de província, onde a camisola se herda com o nome de família e pelo qual se sacrificam tardes de domingo em torno de "mines". Se se fizesse um estudo estatístico, aposto que se verificaria que oitenta e muitos por cento dos militantes partidários estão num determinado partido, não interessa qual, porque sim. Porque calhou, porque o amigo sugeriu, porque se devem favores, porque se simpatiza (ou simpatizou) com o leader. A nossa democracia joga-se a feijões, nos corredores de São Bento, com visitas a feiras e mercados, com discursos ocos de velhos dirigentes que não vêem o Tempo passar...
O desacordo não me surpreendeu. O Tó Zé ia lá ser capaz de contrariar o chefe Mário, ou o Poeta Alegre! Sinceramente, nem estou interessada no que o Presidente vai dizer logo à noite, antes da abertura dos mercados financeiros na 2ª feira. Não acredito nos nossos políticos, não me revejo nesta democracia de trazer por casa e só queria poder sobreviver a este Tsunami de barbaridades que têm sido as últimas semanas na política nacional. Acho mesmo que, a bem da Nação, os políticos deviam ir a banhos e deixarem-nos em paz! Ou fazerem todos um longo cruzeiro, de preferência num barco sem fundo!

Com creme e não só

Quando eu era miúda, os meus pais arrendavam uma casa de férias em Albufeira, pertinho da FNAT (hoje INATEL) e com uma varanda corrida sobre a praia. Da varanda, preso por uma corda, a minha mãe lançava um cesto com comida que nos  entretinha na praia o dia todo. Nós, miúdos, ocupavamos os dias entre mergulhos e construções nas areias. Os adultos conversavam, jogavam connosco e, por vezes, os homens iam à pesca. Lembro-me do sossego da praia, dos desafios de futebol do meu irmão à beira-mar, do prazer que eu experimentava quando, talvez uma vez por semana, iamos todos comer um gelado à FNAT, ou malaquecos a Albufeira, ali mesmo junto à praia dos Pescadores. O mês de Agosto era o tempo da praia, do descanso, dos pais por perto. Eu passava os fins de tarde a ler, no cantinho da varanda, sem que ninguém desse por mim, mas observando toda a gente. Lembro-me de jantares só de miúdos, entregues à empregada enquanto os adultos saíam para o Restaurante, com muitas tropelias à mistura. No mar, à noite, nasciam mil luzinhas e eu imaginava sereias, baleias curiosas, Melosinas ainda então desconhecidas para mim.
Na praia do Cabrita, assim lhe chamavamos por ser o nome do senhorio, passava diariamente a senhora das bolas de berlim.  Eram bolas macias, com muito creme que eu lambia gulosamente e enchia de nódoas os fatos de banho. Então, não havia ASAE, mas nunca ninguém morreu por causa das deliciosas bolas! A senhora a anunciar as bolas, vestida de branco e com um cesto de verga no braço, era o único grito da praia. Um grito gostoso!
Hoje, na praia que escolho para descansar, os gritos inoportunos são outros.
Há quem venda bolas de berlim - sem creme. Mas há, também, quem venda pulseiras, túnicas, elefantes de madeira, chinelos, gelados, pasteis de nata e até bilhetes para o circo. Além dos vendedores, há ginástica, música alta, gente que salta e se exercita  ao som de uma voz estridente acompanhada de música em altíssimo volume. Há, também, as motos de água alugadas, as bananas, as boias gigantes. Hoje, a praia já não é, pelo menos no Verão, um lugar de sossego e calma. É, sim, um lugar de ruído e nervosismo! As bolas de berlim já não têm creme mas,  acho eu, as agressões que fazem a quem tenta descansar de tempos duros e difíceis, é muito mais letal...

sábado, 20 de julho de 2013

Férias e Talvez...

Os vinte e cinco andares da torre de apartamentos criam a distância ideal. Lá em baixo o mundo parece perfeito, os corpos são mudos, esguios e velozes, as ondas certas e o mar de um azul quase provocatório.
Talvez, às vezes, seja necessário criar alguma distância das coisas, da vida real, para se poder ver a cru, sem fazer parte de nada. Talvez assim, de longe, seja mais fácil tentar compreender os desacordos, os discursos vazios, os medos anunciados, as crises que se agravam. Ou talvez não. Talvez a distância sirva apenas para nos ajudar a ver-nos a nós mesmos. Isolados, sozinhos.

Talvez...

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Já se foi

Naquele barquinho lá longe, arrumei a minha alma. Depois, sentei-me na areia, aliviada e leve, e fiquei a vê-la partir. Não lhe disse adeus, não lhe lancei a bóia de salvação e espero não vir a ter saudades dela. A  minha alma levou com ela, num saco enorme bem atado, todos os meus sentires, e deixou-me em sossego. Em breve, vou também lançar ao mar os meus pensares. Fá-lo-ei num dia de bandeira vermelha. Depois, se calhar, poderei viver em paz e ser feliz.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

AMORES DECENTES

No início da subida da Serra de Portalegre, bem perto da gare onde os namorados gostam de se recolher, está a Fonte dos Amores. Foi o meu avô, um rabujento professor de ingês e responsável pelo Turismo na cidade, quem mandou, aí por volta de 1930, fazer a estátua, e quem decidiu criar este recanto. O objectivo, reza a história, era criar um parque de merendas, um lugar onde as familias pudessem passar bons e refrescantes momentos, numa época em que não havia piscinas e os automóveis escasseavam. Ora, o meu avô conversou com um artesão e o senhor, sob a orientação do professor, e quero crer que com o apoio de algumas imagens, lá produziu os dois amores, um homem e uma mulher, bebendo água fresca pela mesma bilha. (Este facto, por si só, daria um longo post...)
Hoje, lembro a história que a minha avó contava, orgulhosa da sua intervenção (e talvez do seu poder sobre o marido) na obra artística final. De facto, os amores foram talhados e, antes de serem colocados no local, o meu avô foi dar o seu aval. Terá levado a mulher, porque nestas coisas da arte as senhoras têm mais sensibilidade (??), e ela, mal olhou as esculturas, indignou-se: - Oh António! Não vai colocar duas figuras peladas (juro que era assim que ela contava) num lugar onde vão familias honradas! É uma indecência. - O meu avô ficou atrapalhado. A verba de que dispunha não permitia refazer a obra e, acho eu, ele até gostava dos amores a nu. Então, face ao embaraço da situação, o escultor resolveu o assunto: - Oh Minha senhora, não seja por isso! Eu visto já as criaturas com um véu  de seda! - E, aliviado o meu avô, apaziguada a veia moralista da minha avó, e satisfeito o artista, lá ficaram os dois amores cobertos com um véu de seda... em pedra!
Hoje, ainda têm o véu. Só já não têm é água...

quarta-feira, 17 de julho de 2013

O CALHAU

Como é possível que uma pedra tão grande, um calhau imponente, se segure assim, no alto do monte, parecendo prestes a rebolar mas, no entanto, mantendo-se firme por anos e séculos? Para ela era um mistério.
Em miúda, bem pequena ainda, o Pai levava-a ali e mostrava-lhe o mundo: - Vês ali, ao longe, aquelas casinhas? Já é Espanha... E ali, em baixo, vês os campos? É dali que vêm as cerejas de que tanto gostas. E ela perguntava pela causa da pedra. E o Pai respondia: - Há muitos séculos, tanto tempo que ninguém consegue contar, aqui havia gelo e, por isso, estas pedras ficaram assim, lisas. Um dia, se calhar, vão cair e desaparecer. Nada é eterno. E ela segurava com força a mão que a ensinava. Se não compreendia a totalidade da explicação, sentia a força de um adeus que não queria imaginar.
Depois ela cresceu. O Pai partiu e Espanha parecia-lhe mais próximo, logo ali, sem necessidade do controlo de polícias assustadores. Agora, ela voltava à pedra gigante, sem mão para a segurar, sem palavras para explicar. De novo olhava aquela superfície lisa, larga, com surpresa e alguma inveja. É que a pedra não sabia, nunca poderia saber, que nada é eterno e que as grandes avalanches da vida acontecem quando menos se espera...

terça-feira, 16 de julho de 2013

VASCULHO

Pega na vassoura e começa a varrer o lixo da sua existência. Num montinho agrupa saudades, noutro (maior) ajeita os cacos que ficaram dos sonhos - tantos! - que se quebraram no choque com a realidade. Continua a tentar por ordem na casa da vida e varre, bem varridas, as promessas incumpridas, os projectos adiados, as esperas eternizadas em juras inconsistentes. Com a vassoura bem firme, dá uma vassourada enérgica na revolta, na raiva, na mágoa que a incompreensão faz enorme.
Vai então buscar a pá e começa a apanhar os montinhos. Quando tudo parece pronto para, definitivamente, entrar no lixo, uma rajada de vento, feita de vida vulgar, espalha de novo os destroços. Senta-se esgotada e decide que, para a próxima limpeza a fundo, irá buscar o vasculho forte. Aquele que consegue arrumar, bem arrumadinhas, as folhas que tecem tapetes no empedrado do jardim!

segunda-feira, 15 de julho de 2013

EXAMES

Estão afixados os resultados dos exames nacionais e o descalabro confirmou-se. Não são precisos muito estudos, nem profundas análises estatísticas, para se poder afirmar que a Escola está a falhar. Os alunos não aprendem ou, pelo menos, não aprendem aquilo que se avalia. 
Como professora, mas também como cidadã, penso que esta situação devia preocupar toda a sociedade. Não podemos acreditar que os resultados obtidos dependem do último ano lectivo. Não! Estes alunos, que esbarram com poetas como Ricardo Reis, esbarram também quando se lhes pede que tenham opinião, que reflictam e analisem, por exemplo, a forma como a juventude pode influenciar mudanças sociais! A escola de hoje, modelo plastificado da Escola do séc. XIX, não serve para o mundo que temos. Para mim, este é o primeiro problema: - Temos uma escola anquilosada, centrada nos conteúdos, a nivelar pela mediocridade, inventando estratégias que camuflam os erros e premeiam a ignorância, em vez de melhorarem competências e exigirem qualidade e rigor!
Outro problema prende-se com a avaliação em si mesma. Ensinar e Aprender são duas faces da mesma moeda, mas não são a mesma face!! Temos de avaliar o que se ensina, como se ensina, mas também temos de avaliar como se aprende, e o que se aprende. Os exames nacionais querem avaliar o quê? O grau de aquisição de conteúdos? O desenvolvimento de competências? O níveis de desempenho? Os perfis de execução? O trabalho dos professores? Ninguém sabe.... Sabe-se, apenas, que se avaliam os alunos para, em Setembro, se julgarem os professores com os rankings fantásticos!
Sinceramente, julgo que é possível e urgente fazer uma Escola diferente. E eu SEI como se devia fazer! Mas não acredito que seja isso o  que preocupa os pensadores da Educação! Um povo sem educação, um povo medíocre,  um povo que se nivela por mínimos, é um povo dócil e manipulável! Um povo que se ludibria com facilidade, que se rouba e explora sem receio.
À medida que escrevo, começo a sentir crescer em mim uma raiva que dói! É tempo de fazer um parágrafo e respirar fundo.
Mas... É POSSÍVEL fazer melhor e isso, ainda por cima, não tem custos.
Pobres jovens do meu Portugal! 

domingo, 14 de julho de 2013

SEM MOTIVO

Compreendes? Não. Aceitas? Não. Ficas? Sim. E a conversa segue, feita de sem sentido, cruzada pela incompreensão que domina o mundo, que condiciona os homens. Porque o outro não é eu, porque cada ferida só dói no próprio, porque a vingança cruel parece dominar tudo e todos! 
Sei lá porquê, penso na Alice no País das Maravilhas, na surpresa constante, na urgência de cumprir o que lhe impunham sem compreender, mas confiando no outro. Talvez seja necessário reinventar o mundo e tecê-lo de maior capacidade de compreensão, de aceitação também. Talvez seja necessário descobrir um forma de ver o céu, na realidade agreste e dura como rocha impenetrável.
E vem isto tudo a propósito, agora que o domingo morre, a propósito de coisa nenhuma. 

sábado, 13 de julho de 2013

COMUNHÃO DE TÍTULO

Desencontro

Só quem procura sabe como há dias
de imensa paz deserta; pelas ruas
a luz perpassa dividida em duas:
a luz que pousa nas paredes frias,
outra que oscila desenhando estrias
nos corpos ascendentes como luas
suspensas, vagas, deslizantes, nuas,
alheias, recortadas e sombrias.

E nada coexiste. Nenhum gesto
a um gesto corresponde; olhar nenhum
perfura a placidez, como de incesto,

de procurar em vão; em vão desponta
a solidão sem fim, sem nome algum -
- que mesmo o que se encontra não se encontra.


Jorge de Sena, in 'Post-Scriptum'


sexta-feira, 12 de julho de 2013

ESBARRANÇOS

Um estrondo violento na janela fez-me saltar! Que susto! Abri a vidraça e, no chão, um gaio gordo permanecia imóvel. Saí a correr, julgando-o ferido, para evitar que os cães lhe pregassem alguma partida, e estranhei a posição: - de pé (de patas...), completamente estático. Aproximei-me. Nem se mexeu. Voltei a casa, trouxe o telemóvel para o fotografar pensando enviar o registo para o meu neto. Quando me preparava para o varrer para longe, o gaio saltitou, meio zonzo, e depois abriu as asas e voou. De cima da nogueira ainda me olhou, antes de partir no céu escaldante.
O gaio deixou-se enganar pelo reflexo do sol e esbarrou com violência na vidraça da minha sala. Caíu tonto, mas recompôs-se.
E nós, portugueses, seremos capazes de recuperar dos esbarranços violentos em ilusões e mentiras?!

quinta-feira, 11 de julho de 2013

VELHOS AMORES

No meio do campo, sem ribeira nem bica de água por perto, ele continuava trabalhando. Quem vive da terra, e na terra, não conhece feriados, não respeita horário, não pica ponto, não fecha a porta. Com ele, sempre assim fora  e, agora, com 90 anos marcados na pele a rugas fundas, não se queixava. Para quê? De que servia protestar contra as tropelias do destino? Olhou o céu inclemente, escarrou para as mãos de forma a impedir que o suor fizesse escapar o cabo da enxada, e voltou à horta. Gostava do cheiro da terra assim, revolta, vermelha e húmida. A mulher, sempre mais dada às leituras, costumava dizer que o cheiro da terra molhada lhe lembrava mulher fértil. Ele ria-se, abraçava-a, e concordava, explicando que a terra é mulher também, carece de afectos, gosta que lhe mexam, dá frutos e alimenta uma humanidade inteira. Ela ficava séria, vinha a nuvem que, tantas vezes, ele via toldar-lhe o olhar e chamava-lhe Poeta. Ele brincava, garantia que a poesia era ela e que ele, quanto muito, e em dias que Deus estava de bom humor e o diabo distraído, só dava som aos poemas que ela carregava em silêncio.

Tinha saudades dela. A filha levara-a, para a tratar, dissera, mas ele sentia que a levara para que a morte se apressasse. Os jovens acham sempre que sabem tudo...Voltou a olhar o céu vermelho, raiado de sangue, parecia-lhe. Quando se amava como eles se tinham amado, 70 anos de vida lado a lado, a partida de um era o bilhete de ida do outro. A mulher não era dali, ele encontrara-a longe, junto ao mar, numas férias de estudante, quando, terminando o seu curso de engenheiro agrónomo, tinha rumado até Tavira para descansar. Ela estava lá, à beira-mar, sentada na areia e lendo poesia. Quando ele se aproximara, mal se sentara junto dela, ela dissera "há uma eternidade que te aguardo". Ele olhara-a com espanto, e ela rira - ah! o riso dela!-  apontando o poema que lia. Sophia de Mello Breyner, dissera. Ele rira também, garantindo que nas gargalhadas dela havia Vivaldi sem pauta obrigatória. Depois, num instante, tinham 90 anos e estavam afastados. No meio, 70 anos de cumplicidade, de leituras a quatro olhos, de viagens de descobertas sempre, de amanheceres com a porta trancada para que os filhos os não interrompessem. Agora, viera o fim. Ele, ali, na casa dos dois, cuidando da terra, vigiando as rosas que ela tanto protegia. Ela, lá, na cidade, em consultas médicas, procurando o impossível: - a cura para a velhice, o segredo para travar o tempo...

quarta-feira, 10 de julho de 2013

MORTE

Sem calma nenhuma, incapaz mesmo de ordenar pensamentos e coordenar acções, vestiu o vestido preto, cavado, que usava para ocasiões especiais. Esta era uma ocasião especial! As lágrimas não paravam de cair,  e ela, ignorando o rímel que lhe sulcava o rosto, escolheu as sandálias altas, colocou os óculos escuros, os mesmos que usava quando se deliciava, sentindo-se então feliz, esquiando nas montanhas, e saíu de casa. O cão estranhou-lhe o silêncio, as festas caladas, e ficou ganindo vendo-a partir. Entrou na igreja quente, o cheiro intenso de velas incomodando-a, o choro colectivo surgindo em ondas, oceano concertado, os rostos tristes, e sentou-se. As lágrimas continuavam a correr e, por isso, manteve os óculos no rosto. Os automóveis, na rua, seguiam buzinando vida, pressa. De vez em quando, a sirene louca de alguma ambulância rasgava o ar e as pessoas faziam um movimento sincronizado, indiferente e curioso, na direcção da janela. Ela continuava ali, chorando. Chorava a saudade antecipada, os não ditos, a certeza da impossibilidade do retorno, a revolta face à ausência eterna. Chorava ainda os erros que nunca tinham conseguido corrigir, os lapsos comuns, as ausências, os adiamentos que, agora, eram eternos e definitivos. Da carteira FURLA, gasta e velha, tirou um lenço de papel e, da confusão que sempre era aquele espaço, saíu um gasto bilhete de cinema.
Gostavam de cinema, os dois. Às vezes entravam mesmo sem saber bem para ver o quê e saiam a meio, ele amparando-a no escuro como não soubera ampará-la na vida. Onde estaria ele, agora, no momento que ela escolhera para enterrar as fotografias, as cartas, os sonhos?.. Onde estaria ele, agora que ela fazia o funeral de um amor que, se calhar, fora apenas dela? Ah, a morte dói sempre muito e, por isso, ela decidira cumprir o ritual, procurar um velório e enterrar as memórias de um amor morto. Assassinado.
 

terça-feira, 9 de julho de 2013

PALAVRÕES

Estou velha. Estou, decididamente, a entrar na fase em que me parece ver o mundo de fora, sem concordar quase nunca com o que se passa lá dentro, com tendência a pensar que "dantes" era melhor. E é terrível ter consciência disto!
Não entregando os pontos, tento combater esta evidência, e faço-o a todos os níveis. Faço-o, sobretudo agora que o tempo encompridou, com as minhas leituras. Resisto à tentação de voltar à Madame Bovary, tento não olhar muito para o meu amado Aquilino, deixo quietos os romances de Helena Marques, e imponho-me leituras de hoje. Nas livrarias vou lendo sinopses, minibiografias, e vou comprando os premiados. Foi assim, e depois de já ter tido nas mãos por várias vezes aquele título, que me lancei no prémio Leya 2011, "O teu rosto será o último", da autoria de João Ricardo Pedro. Enchi uma garrafa de litro e meio de água, coloquei o meu velho chapéu de palha, estendi-me na cadeira de repouso e iniciei a leitura. 
Confesso que as minhas reservas diminuíram face ao tamanho do livro, pensei nos meus alunos (Quantas paginas?) e fiz-me ao texto com boa vontade, de espírito aberto.
Logo nas primeiras páginas, esbarrei com muitos palavrões. MUITOS! Daqueles carregados de "éfes", de "érres", de "cês", de "pês" também. Mas continuei. E aos poucos comecei a sentir-me suja, com pó na garganta, obrigada a fazer intervalos cada vez mais longos na leitura. A intriga até me interessou, bem pensada, articulando factos reais com a ficção, mas o vocabulário tornou-se um obstáculo à minha leitura. Um "distractor"...
Não gosto de armar em santa, eu também sei muitos palavrões, também os digo às vezes. Por exemplo, se me magoar fortemente, é pouco provável que grite um que maçada fui molestada fisicamente e estou com uma sensação de dor incómoda,  mas de facto incomoda-me ouvir, ler, violento palavreado sem que traga ao texto nada de necessário. Não percebo que necessidade há em tratar Mozart com três palavrões, ou falar de práticas sexuais com linguagem de sarjeta. 
Não gosto de vulgaridade! Acho sempre que vocabulário de carroceiro só fica bem quando se lida com bestas... Não vou recomendar este livro a ninguém e, com certeza (pelo menos nos próximos tempos) não comprarei nada escrito pelo João Ricardo Pedro, tenha ele os prémios que tiver!

segunda-feira, 8 de julho de 2013

D. MANUEL CLEMENTE

Já está a exercer funções o novo Patriarca de Lisboa. D. Manuel Clemente, um homem que considero carismático, tem pela frente uma missão muito difícil e, ontem, afirmou algo que me tocou fundo: -"precisamos transformar as solidões em convivência".
Num momento que, para mim, é particularmente difícil e incrivelmente doloroso, só peço a Deus que ajude D. Manuel Clemente a concretizar os seus objectivos. Que lhe permita ajudar-nos a encontrar o caminho para uma sociedade mais humana, mais justa  e onde cada um consiga cumprir o fim último da condição humana: - Ser feliz!

A CASA


Gostava de chegar a casa, de colocar o chapéu de palha, de calçar sapatos bem rasos, e de gozar o jardim. Era sempre assim, no Verão. A Casa que a vira nascer, o lugar onde aprendera a andar, os recantos onde deixara correr tantas lágrimas de desilusão, revolta, raiva e dor, era ainda o seu ponto de abrigo. Por isso, acabada de sofrer mais um desmoronamento emocional, com o coração feito em estilhaços impossíveis de consertar, era em Casa que se refugiava.
Porque o calor era muito, tirou o velho chapéu e dedicou-se à rega. Com calma e paciência inundava os canteiros das hortenses, refrescava as roseiras e divertia-se a perseguir com o jacto forte as lagartixas verdes. Sem o chapéu, as ideias ferviam mais ainda e as mágoas, as mais recentes, faziam doer. Olhava então a Casa, pensando como lhe era importante ter um lugar para ser, um espaço sem devassas, um canto onde podia existir sem, de repente, se considerar a mais ou incómoda.
Com o cão por companhia, ganindo a cada lágrima mais gorda numa cumplicidade perfeita, pensava nas voltas da vida, nas muitas perdas, nas desilusões constantes. Tinha o coração cheio de coisa nenhuma. Coisas que haviam sido grandes e que, agora, nada eram. Pensava noutras casas, que julgara suas, e a raiva crescia a par com a revolta desiludida. A idade, se calhar ao contrário do que devia, ensinara-lhe que é importante a privacidade, a possibilidade de fechar portas e deixar a cama por fazer, a roupa no armário, o cesto com roupa suja que só nós poderemos lavar.
O cão chamava-a ansioso. Levada pelos pensamentos esquecera a mangueira e, agora, a nogueira estava toda enlameada... Virou a direcção do jacto lamentando não poder, com idêntica facilidade, alterar a direcção dos sentires!
 

domingo, 7 de julho de 2013

Pazes Envenenadas

Os dirigentes dos dois países do governo, qual meninos indisciplinados e teimosos, fizeram as pazes. Fizeram-nas com um aperto de mão para as câmaras, com mil insultos mordidos entre dentes um para o outro, de certeza. Foi uma semana de o meu partido é melhor do que o teu, como se tivessem sete anos e garantissem o meu pai é mais forte do que o teu... Foi uma semana de loucura! Andamos quase todos, houve quem nem quisesse saber porque a desilusão grassa, pendurados das notícias e do cai que não cai do governo para, no fim, o dr. Paulo Portas vencer (aparentemente) o braço de ferro e ganhar mais força. Pires de Lima será ministro da economia (dizem) e eu acredito que será capaz de fazer um bom trabalho. Pessoalmente, acredito muito mais nos boys do CDS do que nos do PSD e, por isso, ainda tenho alguma esperança que estes miúdos, na sua maioria palermas, que formam o governo de Portugal, consigam fazer alguma coisa melhor do que o péssimo trabalho que têm mostrado.
Na próxima semana, se calhar, vem nova crise. Talvez o dr. Nuno Crato se demita quando saírem os resultados dos exames que, temo, serão muito maus....

sábado, 6 de julho de 2013

ACASOS

Encontraram-se numa festa de amigos de amigos comuns, os dois um pouco perdidos, nenhum directamente convidado. Ela vinha de um divórcio longínquo, dois filhos crescidos com pouco tempo para a sua solidão. Aceitara os argumentos de uma amiga, era uma festa de Verão, ia imensa gente, não iria com certeza aborrecer-se. Ela cedera. Ele viera com outra amiga, para ocupar o tempo de estadia pois vivia no ar, comandante da TAP, com longos períodos fora do país. Carregava dois divórcios na bagagem mas, talvez por ter malas Sansonite com rodinhas, não lhes sentira nunca o peso. À volta da piscina, iluminada por modernos archotes plastificados, os dois acharam-se sozinhos e a conversa fluiu. Ele falou do ar, da vida feita de idas e vindas, de aeroportos e hotéis. Ela, jurista, falou do país, da crise, das dificuldades.
Ele propôs uma fuga, a festa nada lhes dizia, e acabaram a noite comendo ostras junto ao mar. Com as férias judiciais a começarem, ela aceitou o convite para uma viagem a dois. Eram adultos, que tinha o mundo a ver com a vida que escolhiam?
Juntos viajaram por Bruxelas, Bruges, Praga. Ao lado corria o Tempo, sempre apressado, mas eles nem davam por isso. Passou o Verão, voltou a rotina, e ela habituou-se às despedidas no aeroporto, aos sms de chego às 23,50h, sempre apressados. Foi aos poucos que a nova solidão dela começou a doer demais. Ela precisava dele, ele garantia amá-la. Casaram. Continuaram viajando, devorando a vida, devorando-se também, aproveitando momentos, agora já falando de amor, de  entrega, de cumplicidade, de unidade, de futuro.
Um dia, a amiga que a arrastara para a festa à volta da piscina, telefonou. Acabava de chegar de Sidney, uma Conferência, e, por acaso, encontrara-o a ele, ao marido da sua amiga, saindo do hotel com outra mulher. Uma americana, parecera-lhe. Tinham-se cumprimentado e a mulher, desembaraçada, falara dele como seu marido. Ele, atrapalhado, confirmara assumindo a traição, por acaso a bigamia.
Ela desligou o telefone agora sem mundo. Doía-lhe a raiva, a revolta, o orgulho. Feriam-na as pontas de um amor feito, de repente, em cacos. Fez a mala e partiu. O sms habitual de chego às 23,40h não obteve resposta. Ao chegar a casa, ele viu que a fechadura, por acaso, tinha sido mudada.
Ela reencontrou a companhia da solidão, essa não trai, e reaprendeu a tomar café bem cedo, olhando o mar, na esplanada onde habitualmente, por acaso, davam as mãos.


 
Ele, felizmente, por acaso, ainda conservava a mala Sansonite onde mais uma traição, mais um divórcio, mais um fim, não fariam peso nenhum.


 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

O MEXILHÃO

Perguntaram-me, num tom provocatório e, ainda assim, simpático, o que aconteceu à minha veia política, insinuando que estou calada porque, desta vez, o "culpado" é o "meu" CDS. Ri-me, garanti - o que é verdade! - que já não acredito nos políticos que, no mundo, agora pretendem liderar, mas fiquei a moer na provocação.
Que me desculpem os meus amigos do PS, e tenho muitos, mas penso que, neste momento, eleições antecipadas seria a maior das asneiras. Isto, garanto, tentando ignorar o facto de que eu não acredito no socialismo, acho ridículo o Tó Zé, e não sou capaz de concordar com os princípios que o PS enuncia. Continuo, desculpem!, a acreditar que o caminho se faz apoiando as pessoas individualmente, apostando na liberdade de cada um, na diferença que caracteriza a Humanidade, valorizando a iniciativa privada, preservando Valores, com um Estado não castrador nem explorador do trabalhador. Posto isto, e olhando a crise, cabe esclarecer que, com alguma mágoa, já não sou militante do CDS porque o dr. Paulo Portas se zangou também comigo. (Sorte a minha, talvez...)
Conheço razoavelmente bem o presidente do PP e continuo a vê-lo como um homem inteligente, culto, educado e de princípios. Como um enorme egocentrista, também... Não dá ponto sem nó, sabe o que faz!
A crise, mais uma, que agora vivemos, pode ser uma mola para a mudança. Creio que Portas não conseguia mais impôr o seu/do CDS pensamento e, desta forma, mostrou a Passos Coelho que o caminho que insiste percorrer não nos levará a bom porto. À distância, sabendo apenas o que a Comunicação Social e os comentadores vão dizendo, penso que chocaram duas personalidades fortes e que, porque estes dirigentes são escandalosamente jovens, resolveram fazer birra.
De longe, vivendo uma desilusão intensa e dolorosa, sob um calor horrível e desmoralizador (também o clima!), penso que, como dizem os pescadores (ah! como eu queria estar agora junto ao mar!) quando a água bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão... Portugal, país de mar, faz-se de mexilhões que, com tanta pancada violenta, até já as cascas têm partidas! Um dia o naufrágio será definitivo.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

METAS SEM GLÓRIA

Habituada a desafios e ordens por vezes bizarras, não estranhei que me mandassem ir para a velha Faculdade de Letras (onde até fui feliz!) para frequentar uma acção de formação sobre Metas Curriculares para o Ensino Básico - Português. As expectativas não eram muitas, confesso, e a ideia de sair de casa às seis da manhã, num dia de calor , não ajudava... Mas gosto sempre de novidades, ainda que relativas..., e não tendo ainda percebido muito bem a pertinência das mesmas, lá despachei de véspera a entrega dos exames de 12º para me fazer ao caminho. Cheguei a horas, como sempre acho que deve acontecer, procurei a sala 10.14, e sentei-me à espera de um dia de pensares. se as minhas expectativas eram poucas, a desilusão foi enorme! Logo de início, e contrariamente ao razoável, a formadora anunciou que tinha 40 diapositivos, que mais não eram do que documentos em PDF, para apresentar. Fê-lo. Perante uma assistência descrente, passiva, e cada vez mais desinteressada, lá fez a sua apresentação. Fiquei a saber que adora Jorge de Sena. Depois do café, um pouco mais retemperada, voltei à sala. Mudara a formadora, aumentara o calor, o suor escorria-me pelas costas, o ecrã  não se lia porque o sol incidia nele, mas o discurso animou-se um pouco. A formadora, professora também, parecia mais próxima da realidade, mais viva e mais dinâmica. Acho (?) que abordou a leitura (já nem me lembro bem, tal foi o impacto...), e, sem tempo para a prática, acelerou até às 13,30h. Almocei com colegas, conversas com sentido, partilha de angústias temperadas com bacalhau à minhota muito saboroso.
A tarde iniciou-se com uma outra formadora e com uma lição de gramática para os meninos do 3º ciclo... Aprendi que o sujeito e o agente não são obrigatoriamente coincidentes, que os pronomes pessoais mudam de posição de acordo com o tipo de frase, coisas que a formadora entendeu que nós, professores de português há 30 anos!, desconhecíamos  Um muro de pedra cresceu entre mim e a sessão! O cansaço deu as mãos ao desespero.
Não resisti até ao final e às 17,00h vim embora. Vim desiludida, frustrada, sentindo-me gozada! 
Alguém está a gozar comigo, com o meu tempo, com os professores, com o ensino! O que são, afinal, as Metas Curriculares? Uma síntese do programa, com mínimos mesmo mínimos, para que as criancinhas sejam preparadas para os exames. A grande Meta da Educação mudou de facto e já não é desenvolver competências, formar pessoas. É, apenas, treinar para exames! Brilhante país o meu!

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Um Dia...

Ainda não tenho aquelas mãos cansadas
Um dia virei a ter
Ainda não tenho as veias azuis à mostra
Um dia virei a ter
Ainda não tenho a cabeça branca
Um dia virei a ter
Ainda não esqueci que te amo
Um dia virei a esquecer
A olhar para ti
Sem te reconhecer
Um dia tu e eu
Havemos de envelhecer
E morrer.
 Helena Sacadura Cabral


E, depois, de nada terá servido tanta mágoa, 
tanto adiamento, tanto talvez.
E, depois, o passado será nada
o futuro inexistente.
Um dia...

Maria Luísa Moreira

terça-feira, 2 de julho de 2013

Amanhecer

A noite está prestes a parir um novo dia. Vai ser escaldante, espera-me uma viagem e muito trabalho. Saio da cama desperta por pensamentos que incomodam. Ou que me provocam, talvez. E escrevo antes do despertador tocar, antes de partir...
Muitas vezes penso que as pessoas, todas ou quase, só amam como sabem e não como nós desejamos. Talvez por isso, as desilusões são frequentes e os divórcios sucedem-se. 
Talvez cada um procure no outro um pouco de si mesmo, incapaz de aceitar e amar a diferença alheia, qual vara solitária num areal de emoções. Talvez. Quando sei de mais um fracasso amoroso, ou de mais um casamento desfeito, penso sempre que as pessoas não devem ficar agarradas a memórias, a destroços, debruçadas sobre passados  que, por serem mesmo passado, não poderão ser recuperados. Claro que um divórcio, que na maioria dos casos acontece por "lapsos" dos dois, é doloroso e triste. Deixa um sabor  a sangue moído que demora a passar. Isto compreende-se. O que já me custa um pouco a compreender, é que as pessoas, homens e mulheres, alimentem esta dor, prolonguem o luto da relação, em vez de olharem o amanhã e tentarem de novo. Às vezes, fica-se para sempre zangado com a vida, azedo e deprimido, e isso não leva a nada! 
Frequentemente digo aos meus alunos que crescer dói. Agora, deu-me para pensar que devo acrescentar que é preciso viver aprendendo a não sofrer. Afastar as pessoas que sabem tudo, que nos condenam sempre, e procurar um caminho onde haja lugar para se reinventar a cada amanhecer uma nova existência!
Se o amor existe, e eu SEI que existe, ele deve acontecer sem culpas nem reservas, com duas identidades e não com sobreposição de existências. Como no sexo, que só vale a pena se for bom para os dois!

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Estranho

Estranho a euforia da Croácia por entrar na União Europeia. Creio que é um projecto falhado, nascido de um sonho, transformado num pesadelo, e faz-me confusão que ainda haja quem acredite que pode encontrar segurança, e apoio, num grupo desequilibrado, feito de injustiças, liderado por tecnocratas e vazio de sentido! Esta União Europeia falhou. 


A velha Europa de cultura e ideais, o espaço de Flaubert, Camus, Sartre, Beauvoir, Pessoa, etc, faliu. Porque perdeu os valores, porque, ignorando uma afirmação de Garrett, em 1840!, não compreendeu que a coerência política é de princípios, não de pessoas. Vi, e ouvi, o presidente da Croácia a tocar piano com vigor, assinalando a adesão à UE e fiquei estupefacta. Ou se vive mesmo em desespero total naquele país, ou desconhecem a realidade... A Europa dos 28 é uma barafunda sem rumo, um futuro sem sucesso (acho eu). Compreendo que é difícil (impossível talvez), sair desta falsa União Europeia, mas não consigo compreender como há quem ainda se queira juntar a um naufrágio de onde só mesmo os ratos, ratos de rabo longo e bigodes MUITO lambuzados, se poderão salvar...