quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

ESCRITA IRREGULAR

-Desliga a televisão.
- Porquê?
-Porque quero que me oiças.
- Estou a ouvir.
-Desliga a televisão. 
- Não oiço com os olhos, diz...
E no diz a nenhuma vontade de ouvir, a centralidade no eu de enorme umbigo. E ela a tentar. Ouve, conta-me da escola, como está tudo a correr? E a resposta seca, feita de linhas cruzadas para ela decifrar. Tudo bem, sempre a mesma coisa, os testes já acabaram. Ela a insistir. Mas para além dos testes, estás a gostar? Não há nada para gostar. Mas descansa, está tudo bem. Nada descansada, com os olhos húmidos da solidão, ela virou os bifes. Como chegar aquele jovem, aquele miúdo que tinha saído, numa metamorfose estranha, do menino doce de caracóis e joelhos esfolados que gostava de ouvir histórias ao adormecer'
Olhou pela janela o silêncio da noite, a calma dos cães deitados na entrada. 
Não era assim que tinha sonhado a vida. Mas, naquela narrativa, o final não lhe pertencia e a página que viraria, mais logo, ao adormecer, não respeitava as normas da escrita regular...

1 comentário:

  1. Luísa, são os adolescentes e não há volta a dar!
    Os meus netos mais pequenos, não têm caracóis mas são uma doçura e provavelmente também sofrerão essa metamorfose... apesar de todos os esforços que os pais vão fazendo antecipando essas idades difíceis!

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