sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

A Dita Carta de Amor


Meu Amor,
Odeio-te. Odeio-te nos tempos da tua distância, no abraço gelado com que a noite me acolhe. Odeio a ausência do teu abraço total, do beijo profundo, das ousadias quentes que davam sentido à noite escura. Onde foi que nos perdemos, quando foi que a teia que nos envolvia se quebrou? Sim, sei de cor os conselhos vazios, iguais e ineficazes; conheço todos os ses que nunca serão; sinto os impossíveis que construíste em torno do sonho que era só meu.
Odeio-te, meu amor.
Odeio-te com toda a força da minha indignação feminina, com a energia do desejo que me não deixa dormir, que me molha o olhar e atraiçoa os sentires.
Na minha essência sonhada sinto-te ainda. O vinho tinto tinha sabor, as ameijoas e os mexilhões eram temperados de loucura. Picavam, sim. Como pica, agora, a carapaça de indiferença que carrego sobre a pele.
Meu amor, odeio-te!
Odeio-te e olho as fotografias que o computador me devolve, provocante, incómodo, impositivo. Ali, junto ao mar, riamos juntos. Eram as caminhadas matinais, a água ainda fria, as gaivotas por companhia. Porque gritavam as aves marinhas, perguntava eu, então achando que eram felizes. Hoje, sei que grasnavam pela felicidade de não terem saudades, de não sentirem, de não pensarem. Como o gato que brinca na rua//como se fosse na cama, as gaivotas não sabem que as caminhadas à beira-mar não são eternas. Mas eu sei. Tu ensinaste-me a saudade e o desalento da ausência imposta. Obrigada por isso, aprender é sempre gratificante, dizem…
Odeio-te, meu amor.
Odeio a tua presença imposta na minha solidão, a minha incapacidade de te eliminar também. Cabia inteira no teu abraço, ficávamos um só, na cama que agora é enorme, e viajávamos nos nossos corpos sem necessidade de GPS. Agora, perco-me em atalhos e semideiros escusos, diria Fernão Lopes, e não chego ao destino. O destino? O fim? Diria Reis ser o profundo reino de Plutão.
Sabes, talvez tenha chegado já. Sem ti, cheguei mais depressa, mais leve até.
Meu amor, odeio-te!
Com força. Com a mesma força, meu amor, com que desejo o teu/nosso abraço total de novo no meu corpo.
Adeus Amor.
Vou. Já fui. Fui depois de ti, para lá do nada, para esse lugar onde a gente sorri sem saber por que razão as lágrimas insistem em cair.
Odeio-te, meu amor!
E sempre te vou Amar Assim, com a força do ódio que me impões!
LM

1 comentário:

  1. A incompreensível (pelo menos para mim) relação amor/ódio existe, mas que no caso e como leio no último parágrafo o ódio se sobrepõe!

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