sexta-feira, 19 de abril de 2019

TRÊS HORAS

A Páscoa, na minha vida e desde sempre, tem momentos claramente marcantes. Tudo começa no Domingo de Ramos, na missa de festa, na bênção dos ramos campestres e na primeira refeição de cabrito a antecipar o que será um menu repetido durante oito dias. Depois, e mesmo que o sol insista em brilhar e o campo esteja coberto de flores, desce em mim um misto de tristeza e nostalgia que me consomem. Penso em Jesus, na morte injusta de um Homem Bom, penso na vida, penso nos homens bons da minha vida que já partiram e questiono, sem resposta, a minha existência. E assim recebo a Sexta-feira santa. Às três da tarde, a sirene toca e eu faço silêncio. 
Quando era miúda, sempre o meu pai exigia que estivéssemos todos juntos, no quintal se não chovesse, na varanda da Serra se a chuva caísse, a ouvir a sirene. A sirene rasga o céu, entra qual grito lancinante dentro de mim e, agora que a escuto sozinha, dilacera a minha emoção. Os cães uivam, os pássaros param e há, eu sinto!, algo estranho no ar. O uivo da sirene arrepia-me, fere-me, e a minha oração faz-se de muito silêncio. Ouvir-me-á o meu Cristo? Às vezes, penso que me esqueceu, outras vezes que caminha a meu lado. Sim, se Ele não caminhasse a meu lado como teria suportado tanta mágoa, tanto desamor, tanta angústia abandonada?
E num instante chega o Domingo de grande festa. Domingo de Páscoa com o coelho a deixar escondidos os ovos de chocolate que as crianças - há sempre crianças! - hão-de procurar. Domingo é, de novo, dia de cabrito que há-de sobrar ainda para a segunda-feira, comido no campo como manda a tradição.
Gosto de tradições. Gosto de repetir hábitos aprendidos na infância e, nestas épocas festivas, tudo me lembra, mais ainda, a presença do meu Pai e o seu imenso gosto na vivência de hábitos que nos dão o sentimento de pertença a uma comunidade específica. 

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