sexta-feira, 10 de maio de 2019

PENÉLOPE

Ninguém o mandou embora. Fez a mala, despediu-se com indiferença jovem, e partiu. Era o cumprimento de um sonho antigo, tão antigo quanto os seus 30 anos permitiam antiguidade, embarcar em busca de novas experiências, navegar em direção ao Ártico, estudar fenómenos que o atraiam. Deixava os pais, a mãe inconformada, mas, às vezes, partir é a única fuga possível. Olhando Lisboa, o céu azul e o casario empoleirado, o Tejo correndo calmo, os cacilheiros num balançar lento, os corpos nus dos milhares de turistas ganhando cor, afastava a saudade da cidade. Ía partir. E o tempo exigia que olhasse em frente, que pensasse amanhã e não ontem. O que deixava? A mãe, um amor impossível também.
Acelerou a passada e subiu ao navio. Apresentou-se. Era oficial, afinal, e tinha uma missão, uma investigação a desenvolver.
No café do cais, por detrás dos vidros salgados e baços, ela viu-o chegar, subir olhando para trás. Ficava ela. Envolta na incompreensão do abandono que as partidas deixam na existência das gentes.
Ela ficava. Penélope da modernidade. E o vidro baço, que impedia que ele visse as lágrimas, impedia, também, que ela visse o amanhã. Esse, que é sempre novo!

Sem comentários:

Enviar um comentário