domingo, 30 de junho de 2019

O POEMA

Pensei fazer um poema. Com calor, ouvindo as rãs, olhando os cães, pensei que a poesia era só isso mas, ainda assim, pensei escrever o poema. Um, não o. Não me tenho na conta de poetisa, não sei encontrar palavras bonitas, mas apetecia-me um poema. Decidi escrevê-lo. Malgré tout. 
E comecei a sonhá-lo, porque tudo sonho antes que o seja.
Meti-te no meu poema, inteiro, sem sequer te despir das maldades humanas. Depois, meti-me lá a mim também, cheia de paradoxos, de antíteses e anástrofes. Cruzei o meu eu com o teu tu em versos de pé quebrado, mistura de verso branco. Os cães, nas suas corridas loucas, íam fazendo a métrica, cadência original. 
No final da primeira estrofe, uma quintilha esquisita, pensei no refrão. Dois versos chegavam, mas desisti. Há tantas repetições chatas na vida que o refrão pareceu-me agressor e abusivo. 
Segui na minha escrita. Saíu a segunda estrofe, despidos os dois, enlaçados nas palavras que ficaram por dizer. Havia, no meu poema, elipses estranhas. Já tinha mais uma quadra, esta certa e de rima emparelhada, obviamente irreal. Terminei o poema com um terceto cruzado. Assim, a provocar o soneto certinho que nunca serei capaz de escrever. 
Como na vida, na minha, a perfeição falhou. 
Ah, mas o poema surgiu!

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