domingo, 19 de janeiro de 2020

FIM

Enroscava-se no sofá gasto, fechava-se em concha e deixava correr a tristeza. Às vezes, vinha molhada, fazia carreirinhos e cócegas nas bochechas; outras vezes, chegava montada na revolta, cheia de promessas de grandes e profundas transformações. 
Ela ficava assim, bem fechadinha em si mesma, procurando porquês, vendo a vida a esgotar-se. Nos momentos de grande revolta, tomava decisões. - Ía mudar. Ía olhar mais para si, havia de viver cada dia sem se preocupar com os outros, sem vontade de mudar o mundo. Havia de ser capaz de queimar os sonhos na lareira da sala. Depois, quando desenrolava a concha, lavava a cara, calçava os sapatos e escovava o cabelo, a vida, a sucessão de dias, vencia-a e as mágoas voltavam. Era sempre assim. 
Um dia, quando ela estava bem enconchada, sem aviso nem preparação, a alma partiu. 
Ficou ali, no sofá gasto, só um corpo enroladinho. Sem dor. Sem sonho. Sem esperança. Com o sentido encontrado.

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