sexta-feira, 30 de abril de 2010

Trabalho

Dizem que dá saúde, o trabalho. Eu não acho! Para mim, o trabalho é castigo, é sacrifício. Aliás, se não fosse a curiosidade da Eva, e a burrice de Adão (Ah! os homens...), ainda hoje não se trabalhava. Porque, na Bíblia, lê-se que Deus disse "A partir de agora, de castigo, ganharás o teu pão com o suor do teu rosto!" Pode a citação não ser exacta, não me apetece levantar o rabo para ir consultar a Bíblia, mas não importa, porque o que me interessa é provar que o trabalho é uma necessidade e não um prazer. Eu gosto muito de estar com os meus alunos, gosto das aulas, gosto de alguns conteúdos, mas, de verdade mesmo, gostava mais de poder dançar, viajar, ler, escrever, amar, sem ter de cumprir horários. Imagino o que seria a minha vida se não tivesse de trabalhar e... não ouso escrever o que faria.
No entanto, como o que tem de ser, tem muita força, trabalho muito. E, às vezes, trabalho bem. E só sinto que trabalho bem quando retiro prazer do que faço - hélás! egoísmo! - o que, ultimamente, acontece nas sessões de formação que, no âmbito do Novo Programa de Português Para o Ensino Básico, dinamizo em Vila Viçosa. Ali, entre colegas, às voltas com programa, actividades, conceitos, metodologias, progressão, resultados esperados, competências, descritores de desempenho e comprimidos azuis (os professores não são de ferro!), trabalho com gosto. Trabalho, aprendo, cresço como pessoa e como profissional. Passo horas, muitas, preparando as sessões. Passo horas, imensas, lendo portefólios. Mas durmo consolada por achar que, pelo menos três horas por semana, a cada quinze dias, a minha existência se cumpre num fazer com sentido!

quinta-feira, 29 de abril de 2010

PRIVACIDADE

No meu país em bancarrota, no Portugal do roubo, na terra onde as políticas sufocam as pessoas, onde as diferenças sociais são a cada dia mais gritantes,onde o socialismo se faz de pequenos fascismos, também já não há direito a privacidade. O Ministério das Finanças, em desespero, ataca por todos os lados e toda a gente que, por enquanto..., tem trabalho. Como disse MST "O PEC é a política de extermínio do contribuinte!" Agora, pedem-nos extractos de contas e os contribuintes, pagantes!!, são obrigados a mostrá-los! Pessoalmente, sou absolutamente contra esta prática. Qualquer pessoa deve ter direito à sua privacidade! Se houver um crime, então que se investigue. Mas assim? Ser-se forçado a mostrar a vida privada a serviços?? Não será legítimo que se pretenda gerir a nossa conta como queremos (ou podemos), sem ter de tornar público onde gastamos o nosso - pouco - dinheiro? Por este andar, vamos ter de passar a guardar os talões do supermercado para que as Finanças decidam quantos rolos de papel higiénico podemos comprar por mês...
Há muito que o meu país me entristece, me desgosta. Agora, humilha-me e ofende-me. Ah! Como eu queria poder partir, de vez, só com bilhete de ida!!

quarta-feira, 28 de abril de 2010

O Distrito

Chegou ao fim, depois de 126 longos anos de existência, o Jornal da minha cidade, O DISTRITO. Era um jornal de cariz católico, feito com recurso à boa vontade, ao amadorismo, ao amor daqueles para quem Portalegre fazia sentido.
Durante quase 18 anos, semanalmente, colaborei com o Distrito. Era ali, naquele espaço, que abria os meus sentires ao mundo, sob o lema de "Porque o meu mundo não existe". Depois, a mudança da direcção, a vinda de um novo bispo, outras circunstãncias sem interesse, afastaram-me. Mas fiquei sempre olhando com ternura especial um projecto que, durante tantos anos, foi muito meu!! Hoje, lamento o fim do Distrito. É mais uma morte de algo com sentido, é, outra vez, o encarar apenas dos números, do dinheiro, ignorando os valores humanos fundamentais. Pessoalmente, como (má) católica que sou, não consigo ficar indiferente ao que considero serem os erros graves da Igreja Católica!! Gostava de ver os sacerdotes, o senhor bispo, mais próximos da realidade, mais próximos das pessoas, mais preocupados com a formação de crianças e jovens, mais atentos às inevitabilidades da era louca que o mundo atravessa. Hoje, continuo a pensar que O meu mundo não existe, sentindo um imenso desejo de não existir também.
Morreu o Distrito. Morre, também, um enorme pedaço da história das gentes desta cidade que eu adoro! Morre, dentro de mim, um longo período da minha existência...

terça-feira, 27 de abril de 2010

Confirmação

Assisti hoje, ao vivo e com calor infernal, à confirmação da ineficácia, inoperância e falta de qualidade da nossa democracia. No Parlamento dos Jovens, estiveram deputados, um por Partido, para responder a questões - obviamente selecionadas previamente...-, dos jovens deputados. TODOS gastaram metade do tempo em frases de circunstância e elogios balofos e, depois, todos fugiram às questões dizendo apenas aquilo que lhes apetecia. Passado o momento, traumático para mim, sairam da sala. Todos desapareceram menos o comunista, um João Tiago, jovem, com, como ele disse "escola feita na Juventude Comunista". Boa escola! Porque ficou pelos corredores, falando com os jovens, fazendo-lhes a cabeça. A dada altura, ouvi-o garantir que "foi a Rússia quem venceu e resolveu a IIª Grande Guerra Mundial!! Os americanos e os aliados vieram apenas colher os louros..." Os jovens ouviam-no com atenção. É que ele usa blusão de cabedal, desrespeita as normas, trata-os por tu. Até eu, frontalmente anti-comunista, achei piada à deputada dos Verdes que afirmou banalidades com tal convicção que dava vontade de concordar com ela. Hoje, vivi, decididamente, um dia traumático!
Às dez da manhã ouvi Jorge Lacão garantir que só numa República pode haver democracia (e Inglaterra? Suécia? Noruega? Dinamarca? Bélgica? Espanha?...); depois vivi o pesadelo dos deputados e, para terminar o dia, vi os jovens aprovarem medidas tão idiotas como a criação de mais uma disciplina para, desta vez, os formar civicamente. Não será essa uma dimensão transversal a todo o currículo??
Saí de Lisboa, numa tarde de greve, absolutamente desanimada! Assim, Portugal nunca sairá da mediocridade em que vive! Hoje, confirmei as minhas piores suspeitas sobre o funcionamento da Casa da Democracia em Portugal!

Parlamento dos Jovens

Começou hoje, vai terminar amanhã à tarde, mais uma sessão do Parlamento dos Jovens. Os meus alunos, a Ana, a Catarina, o João e a Madalena, vieram representar o distrito. Eu vim de apoio, afinal sou a responsável pela participação da minha escola nestas aventuras.... Entrei no Parlamento às três da tarde, é já a 4ªvez que acompanho esta iniciativa, e fiquei observando. Os miúdos, jovens do Secundário, de rabo instalado nas bancadas da sala do Senado, discutiam propostas e intervinham. Este ano, o tema é a República (não das bananas, porque trabalha-se para a imagem...). O tema não ajuda, concordo, mas, ainda assim, estou desiludida com as participações dos miúdos. O nível de competência linguística é confrangedor. Quase tão mau como o dos deputados a sério; os argumentos utilizados são ocos, copiados dos dos adultos; as votações, em vez de se fazerem nos ideais e nas concordâncias, combinam-se nos bastidores para conseguirem pequeninas vitórias.
Hoje, sentada nas galerias e morrendo de calor, fiquei apreensiva por ter tido a sensação que estou, como os outros professores, a permitir que estes jovens cresçam reproduzindo modelos errados! A dada altura, apetecia-me gritar aos meus alunos que propusessem o regresso à Monarquia, que subvertessem a idiotice imposta!
Amanhã, há mais. O dia todo. Com direito a almoço na Assembleia. Só espero não ter de engolir muitos sapos mais...

domingo, 25 de abril de 2010

25 de Abril


Quando, há 36 anos já, aconteceu o 25 de Abril em Portugal, eu, com 14 anos, ouvi dizer que vinha aí um mundo novo. Que Portugal era um país livre!
No meu liceu, estupidamente (des)promovido a Escola Secundária, alunos apareceram transformados em professores, e, em casa, ouvia dizer que seria passageiro, eram os excessos de uma Revolução. Valia a pena, garantiam os adultos de então.
Hoje, com 50 anos, olho o meu país e acho que, afinal, não valeu a pena! Enganaram-me...
A educação não funciona, a saúde não existe, o fosso entre ricos e pobres aumentou, a classe média passa mal, a corrupção impera, Portugal não tem um projecto, um rumo! Com o 25 de Abril ganhámos a Europa, dizem. Ganhámos foi um fosso cada vez maior em relação à Europa! O euro liquidou-nos, perdemos tudo, até a dignidade. Agora, os portugueses que podem, que têm valor, partem. Lá fora,nessa Europa que parece ser um modelo (???) já tenho o meu neto, a minha filha, o meu genro. Na dita Europa, sinto-me, como portuguesa, miseravelmente pequena. Foi para isto o 25 de Abril? Será que olhares como os do meu Manel Bernardo só poderão vingar fora de Portugal?
Que desilusão...

sábado, 24 de abril de 2010

É desta?...

O voo está confirmado e, amanhã bem cedo, vou partir. Vou de volta à vida de trabalho, à solidão, às vivências de mais saudades ainda. Espera-me a escolinha, a cidadezinha, a rotinazinha, os inhos e inhas que fazem o meu país ridiculamente pequeno. Sei que vou ter de voltar às reuniões sobre coisa nenhuma, vou voltar a encher os meus alunos de informações que nada (ou pouco) lhes dizem, vou preencher muitos e muitos papelinhos e, no fim, vou terminar mais um ano lectivo pensando que estou a fazer parte de uma geração que hipoteca a próxima.
Talvez esta estadia no Reino Unido me tenha despertado, mais ainda..., para a urgência de mudar a educação em Portugal. Aqui, os miúdos saem das Escolas às 15.00h, têm tempo para trabalhar autonomamente, para estarem com amigos, para olharem o verde dos campos. Aqui, desde pequeninos são estimulados a ser Muito Bons, a fazerem a diferença. Aqui, os professores têm tempo para estar com os alunos, liberdade para gerirem o programa, gabinetes individuais para trabalharem na Escola... Aqui, é possível, frequentemente, sair da sala e fazer aulas nos Museus, nas Bibliotecas, na rua. Aqui, os professores são avaliados por especialistas, de acordo com os projectos que desenvolvem e com cumprimento de projectos educativos diferenciados. Aqui, o professor não é o parvo da companhia!
Vou ter muitas saudades, já tenho..., do Manel Bernardo. Mas fico feliz por o meu neto ter a possibilidade de crescer numa realidade diferente da do seu país.

Ser Descontente é Ser Homem

E é ser Mulher também! Tem de ser!
Hoje, véspera dos 36 anos da Revolução de Abril no meu país, vivo num descontentamento imenso!! Eu, adepta incondicional da Liberdade, crente de que é o livre arbítrio um dos maiores poderes que Deus nos dá, não tenho desejo algum de festejar Abril. Vejo a revolução como mais um enorme falhanço do meu país pequenino. Um país cheio de falsidades, oco de projectos próprios, insistindo em construir-se à imagem de outros. Hoje, o meu descontentamento só não dói demais porque estou longe da pequenez de um Portugal que me entristece. Começo a desejar um novo vulcão...

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Será??

Ouvi hoje,numa rádio inglesa, que uma jovem, na sequência de uma terrível dor de cabeça que a obrigara a deitar-se, acordara com pronúncia de chinesa!! Para cúmulo, aparecia um médico a dizer que, embora sejam raros, estes casos acontecem... Eu, que tenho tantas dores de cabeça, gostava de poder deitar-me e acordar com outro quotidiano. Com outra realidade.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Nostalgia ou Saudade

Dizem que são tristes, e miseravelmente portuguesas, as saudades. Para mim, são fantásticas! Pela doçura e intemporalidade, pelo poder de me devolverem vivências, pela forma mágica como se purificam, eliminando arestas agrestes e deixando, apenas, o saborzinho do que foi bom. Às saudades, colam-se as nostalgias. De impossíveis, de repetições fantásticas, de momentos exclusivos que, ainda que passados, nunca serão esquecidos. Com as minhas saudades, tantas!!!, cruzam-se sempre nostalgias doces e amargas. Lembro momentos, pessoas, ternuras, cumplicidades, olhares, desilusões também. Surgem, com excessiva frequência, olhares de passados carregados de lágrimas que, aqui, nesta Inglaterra que me acarinha, tento afastar. Felizmente, surgem também nostalgias doces, de bons momentos, de cumplicidades, de revelações que nunca vou querer apagar do meu registo de sentires.
Hoje, sob um sol exagerado, olhando o prado sem fim, assaltaram-me as saudades do meu Alentejo puro. Daquele que só eu sinto, que não cede nem se entrega aos olhares dos estrangeiros, lisboetas muitos, que, por moda, resolveram ocupá-lo.
Quando era miúda, no tempo em que acreditava que o futuro só existia nos livros da igreja, cavalgava muitas vezes pelo meu Alentejo. Então, o galope dava-me a sensação de velocidade, de liberdade, de sintonia perfeita com o vento que me enchia os lábios de cieiro. Naquele tempo, o mar só servia para eu nadar no Verão, não me roubava nada, não significava ausência... Então, o meu quotidiano só se tecia de coisas boas, sabia que tinha quem me protegesse e não havia vulcões que me aprisionassem!
Hoje, seja saudade ou nostalgia, tenho pensado muito no meu Alentejo de infância.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Inglesises

De traje a rigor, colarinhos engomados e longas capas, povoam o largo passeio em frente do King's College. Parecem bandos de corvos sábios, daqueles que sempre surgem nas Fábulas de La Fontaine. Vai haver uma cerimónia importante, oiço dizer, e estará presente o Princípe de Edinburgo, o consorte, ou com azar... (acordar anos a fio ao lado daquela senhora, não é lá grande sorte, acho eu, republicana confessa). Há também guarda-costas, de chapéu de coco, engraçados e austeros, fazendo-me pensar que, com certeza, fariam as delícias literárias da minha amiga Maria João. Um deles, talvez o mais importante, ou mais sábio?, traz na mão um livro-caixa. Fico pensando no que trará lá dentro. Será o seu discurso? Se for, coitado do consorte, aquilo deve durar horas...
Do outro lado do King's, indiferentes à solenidade vivida na entrada principal, há namorados descalços, esticados na relva, beijoricando-se enquanto picnicam. Acho fantástica esta pluralidade, esta convivência pacífica entre o formal e o ligeiro, neste país de História com mil histórias misteriosas! No meio dos contrastes, balançados e imponentes, passeiam gansos e patos marrecos com turistas de flash pronto. É assim a vida em UK!
À noite, já em casa, continuo a leitura da Filipa de Lencastre (Isabel Stilwell) e penso que, no Reino de Sua Majestade, pouca coisa tem mudado...

terça-feira, 20 de abril de 2010

A Fada Sininho

E pronto, foi cancelado o meu voo de amanhã. Tenho já uma longa lista de check ins e de cancelamentos, e continuo em Cambridge, longe da minha rotina, dos meus afazeres, vivendo por inteiro o meu estatuto de avó! Angustia-me, já me preocupa muito!, esta ausência forçada e, para me consolar, a minha filha cita provérbios ingleses there's no use crying over spilt milk... Eu, que não sou grande admiradora da sintética língua inglesa - ah! o francês é a minha língua!!! - prefiro entreter a minha preocupação, desviá-la do vulcão e das cinzas, ocupando-a com ficções de ser feliz. Imagino, por isso, que no silêncio do serão, com o Manel Bernardo dormindo calmamente, vêm as minhas personagens de eleição falar-me de possíveis.
Sinto, levemente, na janela larga, as asas da Sininho que, carregando o eterno saco de ouro, se propõe levar-me, voando sem medo de cinzas, até aos mares do Sul. Alego que não sou já menina, que não tenho mais acesso ao mundo de Peter Pan, e ela, esvoaçando sempre, ri-se como quem bebe champanhe francês alegando que, no mundo dos sonhos, a idade não existe. Rio-me com ela e deixo-a cobrir-me com o pó amarelo saindo, depois, sem frio nenhum, só mesmo de camisa de noite, pelos céus escuros desta Inglaterra que me prende.
Num instante, aparece um céu estrelado, cheiros intensos, ondas largas. Procuro o navio onde, estou certa, vou ser acolhida num abraço quente e forte e, guiada pela Sininho, num instante descubro a ponte certa.
Pouso ao de leve no amor.
Agora, há espuma terna e beijo de saudade intensa. Está quente. Muito mais quente que na Inglaterra encerrada, e fico contente por ter vindo apenas de camisa de noite. Então, espreito as máquinas, os computadores, a noite cerrada e calada lá fora. Aqui, não há lugar para as palavras e o carinho faz-se de toques ousados, de beijos intensos, de mistérios partilhados. Sininho continua rindo, esvoaçando sempre, rasando os mares e quase mergulhando neles. Descalça, desço para o camarote e não preciso de champanhe.
É o Manel Bernardo quem me traz de volta à vida. Lá fora, faz frio e vento. Serão agora dispersas as nuvens vulcânicas??

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Night e pata


Começa a anoitecer, em Cambridge. O Manel Bernardo dorme tranquilo, recupera forças e carrega bateria para o banho, e eu, com a televisão sem som e as enormes janelas abertas, procuro o mundo nesta caixa preta que o meu neto detesta. Acho graça ao ódio que o meu bebé tem ao computador. Será porque lhe rouba atenção? Será porque pressente que daqui pouco de bom pode vir? Seja lá porque for, e porque os desejos dele agora são ordens, aproveito o seu sono sossegado para andar por aqui.
É estranha esta Inglaterra que já amo. Há, agora, flores de todas as cores, relvados imensos, patas a chocar ovos nos lugares mais incríveis! À entrada do prédio, num canteiro, vive uma pata que choca seis ou sete ovos. A dona pata, de vez em quando, vai até ao lago, atravessa a estrada sem medo, qual dona de casa que vai ao mercado. Ninguém ousa mexer-lhe nos ovos e, pouco depois, ela volta, bamboleando-se, e retoma o choco. Se fosse em Portugal, estaria, de certeza, transformada em arroz...

Not yet...

Não há voos. Não há combóios. E eu fico, longe do trabalho, produzindo planos de aula em série, ansiosa por não conseguir cumprir planificações, preocupada com a hipótese do cancelamento se manter. Penso, contudo, que tenho sorte. Que, como sugeriu um amigo, o vulcão foi meu amigo... Porque estou num sítio lindo, porque estou rodeada de carinho, porque vivo horas de ternura real. Oiço as notícias com espanto. Há gente retida por essa Europa fora. Incrível a imensidão de pessoas que, diariamente, circula por esta Europa que, aparentemente forte, é, afinal, tão frágil.
Esta Europa moderna de século XXI, não tem como fazer face a um problema que, felizmente pouco comum, é uma possibilidade efectiva. Esta Europa de muitos discursos, muitas reuniões, muitas proximidades, fica distante, atrasada e fraca face ao sopro de um vulcão!
Pego no Manel Bernardo e conto-lhe destes contrasensos, serve, às vezes, de história de embalar...

domingo, 18 de abril de 2010

Sol na eira e...em Cambridge

Diz a sabedoria popular que "não se pode querer sol na eira e chuva no nabal". Mas, hoje, era o que eu queria! Queria não ter problemas por ter de faltar ao trabalho e, ao mesmo tempo, queria ficar retida aqui até Agosto. Queria mesmo! Porque aqui, olhando o Manel Bernardo, conversando de vida com a minha filha, esqueço as pedrinhas, calhaus às vezes..., que me fazem tropeçar no quotidiano. Os voos continuam cancelados e eu, retida, continuo vivendo neste lugar de elite.
O sol, fazendo-me pensar que Deus me quer aqui, faz-se constante em Cambridge e, hoje, depois do english brunch no King's, com conversa solta e interessante, fui caminhar com o Manel Bernardo no seu carrinho, até ao rio Cam. Gozando o sol, era intenso o número de barcas e de gente sorridente fazendo puntting.
Sentei-me com o Manel, fica giro de chapéu!, e contei-lhe da vida. Do bisavô que não conheceu e que, eu acredito, vela por ele lá longe; da Serra, dos cães, dos baloiços onde a mãe pedia empurra-me até ao céu! Depois, falei-lhe da ternura e do amor. Contei-lhe de navios imensos, de mares quentes, de saudades, de desejos de eternidade. Com os olhos claros muito abertos, o meu neto escutava-me, sorrindo de quando em vez. Na calma tarde de domingo em Cambridge, domingo sem missa, senti-me fazedora de continuidades, de ternuras, de cumplicidades. É que, comigo e com o Manel Bernardo, senti a presença das ausências que me fazem TANTA falta!!

sábado, 17 de abril de 2010

Presa na Liberdade

Antítese perfeita, a minha realidade de hoje: - Estou presa na liberdade desta Inglaterra que adoro!! O vulcão parou os aeroportos, o meu voo foi cancelado, os combóios estão esgotados e eu estou presa aqui. E não é que esta prisão me sabe bem?! Sabe-me bem, sem pesos na consciência, esticar um pouco mais o tempo passado junto da minha filha e do meu neto; sabe-me bem a Cambrige florida, verde, salpicada de cores; sabem-me bem as caminhadas até ao centro (nem espirro!!); sabem-me bem as noites, só com o Manel Bernardo, para os pais aproveitarem para sair. Claro, preocupa-me a ideia de ter de faltar às aulas, mas consolo-me com a ideia de que não foi culpa minha...
Olhando o green imenso lá fora, no silêncio desta casa tão diferente, trago para mim as ausências, os sabores salgados, as memórias de mil ternuras. Oiço, no silêncio profundo, as brincadeiras que sempre me fazem sorrir, os apressados "espero por ti lá em baixo" que me fazem correr e desejo, então, poder partir para o Sul e, também lá, ficar presa nas teias cúmplices do Amor que me dá vida!

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sol Inglês

É um céu azul, brilhante, sem vestígios da nuvem vulcânica, este que hoje cobre o espaço fantástico desta Cambridge que adoro. Longe, o mundo decorre. Chegam-me ecos de caos em aeroportos e mistura-se em mim o receio de não conseguir voltar, já no Domingo..., e o desejo de ficar. Apetece-me, cada vez mais, esquecer a minha cidade, o meu país, e partir. Queria o milagre de poder acordar eternamente com o meu Amor bem perto, sem oceanos pelo meio, sem ter de desfiar as memórias por tanto as usar.
Mas a vida, uma imensidão em quatro indiferentes letras, impõe a distância, determina o afastamento das minhas meninas (serão sempre as minhas meninas!), do meu neto, do meu Amor. E eu vivo. Cada dia. Carpe diem!

quarta-feira, 14 de abril de 2010

PARTIDA

De novo faço a mala. Mais uma vez, eu que detestava fazer malas..., tento que na mala pequenina caiba o essencial para quatro dias. Felizmente, penso, enquanto tento dobrar estreitinhas as calças de ganga, o essencial de facto, o que me faz ser Pessoa, não ocupa espaço físico. Levo comigo o Amor, as Recordações que me alimentam na dor da saudade. Levo também, impossível de identificar no rx da alfândega, o desejo/certeza de um futuro que tem raízes no meu presente de hoje.

terça-feira, 13 de abril de 2010

O AMOR

É bom amar. É uma dádiva, uma entrega, uma vivência para além do eu, com um foco exterior que, ainda que por vezes nos angustie, dá euforia e vontade de viver. Eu acho mesmo que é muito melhor amar, do que ser amado. Obviamente, perfeito é amar e ser amado, numa reciprocidade real e muito prolongada. Mas isso, às vezes, é difícil. Quando acontece, até a vida parece fácil de viver, até o Tempo parece protector, até as trovoadas parecem vindas do céu para exigir o abraço ainda mais apertado. Quem ama, dá, protege, compreende, perdoa, mima, partilha, numa amálgama verbal que sintetiza a energia do verbo mais necessário na humanidade!!
Eu amo intensamente. Amo com uma força avassaladora que supera oceanos, ultrapassa ventos e Adamastores da realidade.

Os meus miúdos


Eu lamento-me, protesto, digo desejar a reforma mas, de verdade mesmo, não sei como sobreviveria ao quotidiano, às esquinas da vida e do tempo, sem os meus alunos. Sem os meus miúdos.
Ontem, ao longo de todo o dia, moeram-me a paciência. Ou era o João Pedro, de olhar castanho vivo e franja nos olhos, exigindo a minha atenção sobre os casalinhos de namorados, oh professora, tem de ver isto! Isto é um crime público! , e eu, para sua indignação, defendia que namorar faz bem; ou era o Pedro, que se recusa a crescer..., sempre em pé no autocarro e exigindo os meus senta o rabo no banco Pedro! contantes; ou era a Raquel, de olhar doce, garantindo que não, não é refilona, só justa; ou eram as meninas de Nisa, Ritas e companhia, com muito (TANTO) sempre que dizer.
Hoje, bem cedo, de novo os encontrei, numa sala ruidosa e antipática, trabalhando em grupo. E de novo desesperei! Com a conversa paralela, com as brincadeiras, com a necessidade de dizer as coisas muitas vezes, porque a distracção é imensa.
Saio das aulas do 11º B, muitas vezes, exausta. Mas o que eu não lhes digo é que eles são fundamentais para que eu mantenha a minha saúde mental! O que eu não lhes digo é que, tal como o tema de hoje para oficina de escrita, é com eles que consigo, na Escola, tecer cumplicidades; o que eu não lhes digo, é que adoro os meus alunos!!

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Sintra


Rostos bem dispostos, mal contida a vontade de partir, pouco convincentes os protestos com a hora de madrugada quase, foi assim que, hoje, encontrei os meus alunos de 11º ano às sete da manhã. Não lhes contei da minha insónia, de como as alergias me deixam exausta, ou sequer dos três Kestines que tomei mal me levantei. Afinal, esperava-nos uma ida a Sintra, ainda por cima na rota de Eça, de mais a mais a reboque de Carlos da Maia.
Começámos o dia num bom autocarro, motorista educado, os namorados a beijoricarem as saudades do fim-de-semana. Sob um sol envergonhado, ora com, ora sem óculos de sol, lá chegámos a Sintra, depois da obrigatória gargalhada em torno da antiga Porcalhota, agora Amadora (ou será ao contrário??...)
Sempre me impressionam as chaminés colossais "talhada às proporções de uma gula de rei que cada dia come todo um reino...", e nunca resisto a exigir a atenção dos meus miúdos para aquele edifício quase disforme. Sem perder o rumo, e o objectivo pedagógico,seguindo Carlos e Cruges, fomos ao Nunes que já não o é e, por isso, não encontrámos o viúvo Euzébiozinho. No entanto, as espanholas estavam por lá. Mais modernas, de shorts e decotes, fotografavam tudo, fazendo concorrência aos constantes japoneses. Decididamente, pensei, o mundo já não é o que era...
Mas nem a velha Lawrence, nem a ausência dos longos bigodes românticos do Alencar me impressionaram com a força com que a vista do velho Palácio da Pena sempre faz.
Nunca fui feliz em Sintra. Ou, com mais exactidão, nunca vivi em Sintra nada que me marcasse de facto. Mas sempre Sintra me emociona, me faz encolher a alma e tremer os sentires. Lá, (aqui também mas com menos intensidade, talvez...), sempre me apetece uma presença cúmplice, um ombro onde me encostar, um abraço forte e único do meu amor ausente. Lá, olhando os verdes jovens, os monumentos rebuscados, as ruas escusas, sempre penso que a vida devia ser talhada assim, de teias de afectos!!
Há mais de dez anos que, com os meus alunos, faço o roteiro Queirosiano de Sintra. E sempre chego a casa, exausta, dorida por dentro, e sentindo que valeu a pena. Que Sintra deveria ser obrigatória no processo de crescer.

domingo, 11 de abril de 2010

Educação Sexual

De vez em quando, já desde o 25 de Abril de 1974, alguém no Ministério de Educação se lembra da Educação Sexual. Então, agitam-se bandeiras, fazem-se declarações sonoras e lá vem a lume, que é como quem diz a texto. o Dr. Daniel Sampaio que é, em Portugal, a sumidade no assunto. Às vezes, numas tiradas mais ousadas, surge também o Dr. Júlio Machado Vaz, ele mesmo com uma voz orgásmica, a fazer propostas e a sugerir soluções.
Curiosamente, ou talvez não porque de Portugal (e do ME) se trata, quem menos se ouve são os professores... Também, ouvi-los para quê? Provavelmente diriam que devia ser uma área transdisciplinar, que não faz sentido ser pensada em termos de aquisição de conteúdos, que se prende com Valores, com ética, com filosofias de vida, que exige um trabalho articulado, que mais do que falar de sexo, ou antes de falar dele, se devem educar afectos, humanismos, que é essencial encontrar, nas Escolas, espaço para "a pessoa que mora em cada aluno". E estas opiniões, claro, não interessam aos decisores políticos. Assim, voltamos aos médicos assumindo que isto da sexualidade, mais ou menos educável (??) é uma questão de fisiologia. Ou será uma patologia??
Ontem, navegando pelo blog de um grande-enorme amigo, esbarrei com a transcrição de um texto dos Media , do Jornal Público, voltando à vaca fria que, neste caso, é um naco bem quente. Lá vem escarrapachado, em parangonas sonoras, a proposta de programa para a dita Educação Sexual. Lá vêm as propostas de conteúdos: - 1º ciclo, a fisiologia humana (não integra já, há anos, o programa de Estudo do Meio?); no 2º ciclo, os meios contraceptivos, o aborto, a aprendizagem do não (só não se sabe QUEM, COMO, QUANDO, isto vai ser "ensinado" às criancinhas); no Secundário, os Valores, a ética (curiosamente, neste mesmo país reduziram-se as horas de Filosofia nos curricula). Como eventual responsável, ou coordenador (termo amado pela equipa do ME), um professor da área das ciências naturais. Afinal, os animais e as plantas também se reproduzem e, ainda por cima, não precisam de preservativos...
Li, com especial atenção, todo o texto, sentindo crescer a minha irritação/indignação. No final, apetecia-me gritar a minha revolta.
A educação é, TEM DE SER, algo olhado com seriedade e não feito de experimentações e remendos. O ME deve pensar como vai fazer, que objectivos quer de facto alcançar. Se é apenas para combater a gravidez na adolescência e reduzir comportamentos de risco, talvez os senhores doutores tenham razão com o que propõem. Mas se, realmente, existe a preocupação de formar seres MAIS HUMANOS, mais autênticos e, essencialmente, mais livres, então o caminho não é por aí.

sábado, 10 de abril de 2010

Ridículas

"Todas as cartas de Amor são ridículas", diz o meu Poeta. E eu tenho saudades dos tempos em que, felizmente ridícula, enchia cuidadosamente a caneta com tinta Parker castanha, escolhia um papel suave e, sentada à eterna camilha, escrevia cartas de amor. Então, os CTT funcionavam, lentos claro, mas levavam e traziam novidades, saudades, presenças ausentes. Abrir uma carta era, para mim, uma ridícula emoção. Às vezes, guardava o envelope, adiava o momento, e só mais tarde lia o que me segredavam.
Então, escreviam-me amigas, familiares, amores adolescentes também. Eu escrevia longas cartas. Aliás, eu hoje ainda escrevo longas cartas, respeitando o ritual da tinta, para quem tem porventura o tempo ridículo para me ler. No entanto, é raro receber cartas ridículas. Agora, seja em correio azul, verde, normal, ou anormal (o mais frequente) os envelopes que recebo trazem, a maioria das vezes, contas, facturas, informação que, mesmo que não ridícula, eu de boa vontade dispensaria. Hoje, os meus amigos, o meu Amor, enviam emails rápidos, ora exclusivos, ora reencaminhados em forwards que o estrangeirismo torna ainda mais ridículos...
Com a alma pegajosa e o olhar absurdamente húmido, hoje apeteceu-me ser ridícula e escrever uma carta daquelas que o meu Poeta apelida de ridículas. Apeteceu-me escrever ao Amor, com tinta castanha, e fi-lo de novo sentada à camilha.
Falei-lhe da Primavera atrasada, do acidente do Buda, do comprimento angustiantemente longo das noites em que ele não está. Contei-lhe do cheiro a mar, do desejo de partir, da vontade de fugir do quotidiano que cumpro. Disse-lhe, sem sequer precisar de rasurar a escrita, do desgaste das memórias que constantemente desfio. Contei-lhe, também, dos meus desejos, dos inconfessáveis e profundos. Depois de soprar a tinta para que secasse depressa (não tenho mata borrão!)meti a carta no envelope amarelo e escrevi uma direcção comprida com a certeza, de facto ridícula, de que dificilmente chegará ao seu destino.
Hoje, lembrei-me que o meu Poeta também diz que "Só quem nunca escreveu uma carta de amor, é que é ridículo"!

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Esplanada e Sumol



A esplanada junto ao mar convidava a um café soalheiro. Combatendo a escuridão dos meus sentires, cedi ao convite e instalei-me olhando mar. Gosto tanto de olhar o mar!!!
Ali, com uma bica mal tirada (não era café Delta...), fiquei desfiando memórias, chamei para junto de mim a companhia desejada. Fechei nos olhos e senti-o chegar, de mansinho, brincando com os meus cabelos e pedindo a velha SUMOL - água do poço - para me ensinar a entrada entre torres, para me apontar o Bugio, para se rir da minha certeza de que há sereias por ali. Encostei-me a ele, ao ombro largo onde tanto gosto de me aninhar, e falei-lhe de sonhos. De sonhos que, porque o são, nunca acontecem. Desses que, bem cimentados, temperam a realidade num adiamento eterno e consciente. Eléctrico como sempre, dez minutos sentado é demais...,sugeriu um passeio a pé. Tirei os sapatos e senti a areia molhada, dura, gozando o prazer de me sentir viva.
Caminhando para o meu carro, batendo os pés para soltar a areia, percebi um raiozinho de sol rompendo a escuridão inicial. As saudades vinham, agora, temperadas de possíveis sentidos e, porque há certezas que não precisam de razão, voltei para o meu Alentejo de coração pleno de sentires. Ele, o meu amor, partiu de novo, no sonho que o trouxera, deixando a certeza da sua comunhão dos meus sentires. Vou beber, sempre, Sumol de laranja!!

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O BUDA



Mal abri a porta, entrou a correr e escondeu-se na camilha. Estranhando tal prontidão, fui ver o que se passava. O Buda estava todo mordido!! Tinha buracos largos, fundos, rasgões um pouco por todo o corpo. Corri para o veterinário, veterinária aliás, e ele teve de ficar internado. Mais humano que muitas pessoas, chorou desesperado quando me viu vir embora.
Hoje, bem cedo, fui buscá-lo. Ainda eu não tinha estacionado o carro, e já ele, dentro de casa, avisava que eu chegara. Correu para mim, saltou de alegria, lambeu-me contente por me rever e, creio, aliviado por voltar para casa. Agora, fechado no canil, tem um lindo e incomodativo colar à volta do pescoço, não pode brincar com o Tango e está tão rapado que, se fosse a um concerto rock, faria de certeza sensação. Vai ficar fechado no canil, coitado!, doze longos dias. Depois, espero, vai tirar os pontos e voltar às correrias loucas que fazem o seu dia-a-dia. O Buda, bicho ternurento e inteligente, ainda não aprendeu que a vida não se compadece dos mais fracos e valentes, e, ignorando o seu reduzido tamanho, provoca os cães robustos da vizinhança. O Tango, grande mas muito medroso, nunca é atacado porque, assumindo a sua cobardia, mal pressente perigo vem para casa e esconde-se. Os meus cães, os meus mais leais e constantes amigos, fazem-me pensar que, se calhar, o mundo é mesmo dos cobardes...

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Fátima


É um destino obrigatório, ainda que não muito frequente, o de Fátima. Os meus Pais, há quase 58 anos, casaram lá e, desde miúda, habituei-me a ir a Fátima e a escutar a história dos pastorinhos a quem apareceu a Virgem Maria. Em criança, tinha imensa pena dos pastorinhos e ficava muito feliz por pensar que eu nunca seria eleita para um encontro tão especial...
Depois, na idade da contestação, enchia-me da importância dos cépticos e negava o milagre num arrazoado pretensamente intelectual e racional. Adulta já, via em Fátima, ao vivo e a cores, o episódio bíblico dos vendilhões do Templo. Irritavam-me as vendas excessivas, as Virgens com néons, as fluorescentes, as grandes, as pequenas, as de madeira, as de loiça, as de plástico, vendidas à mistura com terços, rebuçados, garrafas de água, bonés, lenços e chapéus de palha. Desesperava-me a Igreja Católica, a alinhar neste mercado de fé que cheirava a vigarice. Durante anos, sempre que ia com os meus Pais a Fátima, manifestava o meu desespero em longas conversas com o meu Pai. Sempre ele foi um bom interlocutor!Lembro-me que, era a minha filha pequenina, 4 ou 5 anos, a minha Mãe resolveu levá-la ao Museu de Cera. A miúda teve imenso medo, teve pesadelos e, durante uns tempos, não andava sozinha no escuro do corredor com medo que lhe aparecesse a Virgem Maria. A Dona Virgem Maria, como ela dizia, muito cerimoniosa, da sua tenra idade...
Agora, vou a Fátima com gosto. Vou à procura de compreensão, vou porque quero ter forças para Acreditar!
Hoje, foi assim. Hoje, em Fátima, senti presentes as ausências que me doem. Não rezei o terço, continuo, como em criança, achando que até Deus se deve aborrecer daquela lengalenga, mas assisti à Missa e, sobretudo, conversei no meu silêncio com a Mãe de Jesus. Mulher também.
Hoje, em Fátima, já não me incomodaram as vendas. Talvez, finalmente..., eu esteja a aprender a aceitar. Apenas.

Chilreada

Os pardais, gordos e lustrosos, esbarram na minha janela. Oiço-os, lá fora, festejando a Primavera, construindo os ninhos, numa azáfama chilreada que me soa a Poesia de sentires. Têm muita sorte, penso. Vivem pouco, entre euforia e migrações, com o privilégio de mudarem de casa com frequência, com a única preocupação de escaparem aos gatos, encherem o papo e ensinarem os filhotes a voar.
Eu, que nem sequer gosto muito de penosas (arrepiam-me as penas, que fazer??)vejo-os do lado de dentro da vidraça e invejo-os. Quem me dera poder, também, partir para o sul, para o outro lado do mundo, para diferentes paisagens e novos começos!!

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Primavera Espirrada

Espirro, tusso, gasto lenços de papel, choro, tenho comichão na garganta, falta-me o ar, dói-me terrivelmente a cabeça, não consigo dormir, incomoda-me a luz. Chegou a Primavera!!
Como sempre, comigo tudo acontece ao contrário e, em vez de poder sair para gozar estes dias lindos, fico desesperada, incomodada, sufocada e angustiada, fechada em casa.
O meu dia faz-se de fungadelas, alternadas de Kestines, gotas no nariz, bombadas de berotec, lágrimas incontroláveis e falta de ar incómoda.
Sou, nestes dias, a prova da incapacidade da ciência, da ignorância dos médicos. Como é possível que, ao mesmo tempo que se manipulam genes, se clonam seres vivos, se transplantam corações, não se descubra forma de controlar, ou pelo menos minimizar, as terríveis alergias da Primavera?? Hoje, para minha estupefacção, ouvi um médico importante, desses que vão a muitos Congressos e fazem muitos estudos, anunciar, com ar de gozo quase, que se adivinha um ano violento para quem sofre do mal primaveril. Para que foi ele à televisão? Para anunciar o óbvio?? Eu queria era ouvi-lo dizer que existe forma de ajudar a aliviar o sofrimento que estas alergias provocam!!
Quem me dera poder, nestes dois meses que se aproximam, emigrar para o Pólo Norte!!

domingo, 4 de abril de 2010

Domingo de Páscoa



O sol, que este ano tem andado tão arisco, surgiu hoje, tímido embora, marcando a Festa da Páscoa. Na minha cerejeira, ainda despida, surgiram as primeiras flores!
Levantei-me com muita preguiça, pouca vontade de cumprir rotinas, com um imenso desejo de romper impossíveis e ir para longe. Muito longe...
Como sempre, neste dia, fui à Missa na Igreja linda, barroca, onde sempre sinto esmagar-me tanta beleza. Com a concentração possível, a que os meus sentires permitem (pouca...), ouvi o Senhor Padre Nuno, voz rouca e sonora, e deixei-me ir nas histórias puras que contou. Repetiu o óbvio, o que todos sabemos, a Páscoa-Passagem, a necessidade de reencontrarmos um sentido para além da existência. Mas eu, que sinto agora ter encontrado um sentido verdadeiro para a minha existência, não quero a tristeza sacrificada que ele apregoou.
Para mim, Jesus morreu, e ressuscitou, precisamente para nos dizer que há novas oportunidades, que vale a pena acreditar na Vida, que devemos lutar por aquilo que queremos com força, com verdade, sem adiamentos que podem, muitas vezes, ser desistências e abandonos!
Hoje, com um sol lindo, não me apetece alinhar no espírito de submissão e aceitação passiva que, às vezes, a minha Igreja apregoa. Hoje, quando já não tenho filhas pequeninas para quem esconder os ovos da Páscoa, sinto uma fé intensa no sentido da vida. Creio que a Páscoa deve ser, ou deveria ser..., a passagem para o Amor. Verdadeiro, íntegro, total.

sábado, 3 de abril de 2010

Sábado de Aleluia

Tem sido uma Páscoa de reflexão, de solidão, de lembranças e projectos, a minha.
Tento rezar, um rezar conversa com o meu Cristo, mas a cabeça voa para longe e não consigo recuperar as orações que sei (sabia?)de cor e salteado.
O meu coração é um veleiro sobre o mar longínquo, levado pelo vento soprado da paixão, ora nos picos das ondas, ora nas curvas baixas, doridas, depois da rebentação. Lá fora, no meu quintal, a chuva cai em cascata intensa, trazendo frio, aumentando a minha solidão. Então, procuro os meus poetas, os meus livros de sempre, pedindo a Cristo perdão por não ser capaz de ficar rezando...
No meio das minhas releituras, porque nestas alturas sempre me apetece voltar ao já lido, encontrei José Régio:

Quando eu nasci, Senhor, já tu lá estavas,
Crucificado, lívido, esquecido.
Não respondeste, pois, ao meu gemido,
Que há muito tempo já que não falavas...

Redemoinhavam, longe, as turbas bravas,
Alevantando ao ar fumo e alarido.
E a tua benta Cruz de Deus vencido,
Quis eu erguê-la em minhas mãos escravas!

A turba veio então, seguiu-me os rastros;
E riu-se, e eu nem sequer fui açoitado,
E dos braços da Cruz fizeram mastros...

Senhor! eis-me vencido e tolerado:
Resta-me abrir os braços a teu lado,
E apodrecer contigo à luz dos astros!


Ouso, então, dizer: Senhor! Não deixes que eu seja vencida! Não deixes que apodreça à luz dos astros! Senhor! Eu quero cantar a vida!
Aleluia! Aleluia!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

6ªFeira Santa

É Páscoa. Em teoria, tempo de família, de paz, de reflexão e oração. Na prática, é tempo de descanso, de cabrito, e de alguma tranquilidade.
Para mim, a Páscoa é agora, sobretudo, tempo de mil memórias, de incontáveis recordações. Lembro já muitas Páscoas, afinal já vivi meio século!, e cada uma delas surge purificada pelo tempo e carregada de sentires.
Quando eu era miúda, bem pequena, neste dia não se comia carne cá em casa. (lembro-me que, uma vez, comi uma empada num café e, quando me lembrei que aquilo era carne, fiquei angustiadíssima...) Era a 6ªfeira também a data escolhida para se matar o cabrito que seria comido no Domingo de Páscoa. Era hábito, então, os doentes oferecerem cabritos ao meu Pai e, nesses dias, o galinheiro transformava-se quase num curral. Eu ía ver os bichos, às vezes muito pequeninos, e arrepiava-me quando ouvia garantir que quanto mais pequeninos, melhores; que cabrito de mês e leitão de três. Não percebia porque se tinha de matar o cabrito, ou sequer o que significava o carneiro pascal. Ainda hoje, confesso, me faz muita aflição ouvir o balir dos cabritos que, no sábado de aleluia, enchem o largo do Mercado da minha cidade. Sacrifícios à parte, a Páscoa fazia-se de casa cheia e muita agitação. Íamos todos à missa, o meu Pai repetia a história de quando, criança, participava nas procissões batendo com as velas nas cabeças dos amigos e sendo, entre duas Avé Marias, repreendido, ou esbofeteado, pelo senhor padre...
Já mais crescida, a sexta-feira Santa marcava-me pelo toque da sirene, às três horas, lembrando a morte do Senhor. Os cães cá de casa, e os das redondezas, uivavam desesperados ouvindo a sirene, e eu sentia uma coisa esquisita, uma vontade de ter Fé misturada com uma imensa pena por Jesus Cristo, o meu herói, ter sido tão violentamente maltratado pelos homens.
Lembro-me de me sentar na rua, no muro, com as minhas filhas pequeninas ao colo, surpresas e aflitas com o silêncio que antecedia as três horas, explicando-lhes o simbolismo da sirene. Lembro-me da Filipa dizer que tinha muita pena do Jesus, e da Joana quase chorar com medo da sirene.
Hoje, a sirene tocou de novo e eu desfiei saudades e memórias. Hoje, a sexta-feira Santa esgotou-se em lembranças e muita confiança num futuro melhor. Se Páscoa é, também, renovação, este ano eu vivo-a plenamente!

quinta-feira, 1 de abril de 2010

O Lar

É uma casa de piso térreo, no meio do campo, voltada para a cidade,rodeada por um jardim cuidado. As grandes janelas deixam entrar o sol e, não fosse o portão agressivo, poderia até parecer uma Quinta particular. É a Casa de Repouso da Serra da Penha, na minha cidade! Hoje, fui até lá.
Entrei, com o coração encolhido, e encontrei muitas pessoas, senhoras e senhores, idosos, tomando um chá ou, simplesmente, sentados de olhar vazio. Havia muitas cadeiras de rodas, alguns arrastar de pés, vozes tremidas. No entanto, foi o olhar colectivo de abandono e tristeza que me impressionou. Nos Lares, eufemisticamente chamados Casas de Repouso, os idosos esperam apenas a Morte. Estão tristes, infelizes, têm saudades de outras vidas e quase me fazem sentir culpada por poder meter-me no meu automóvel e vir para a minha casa.
Tal como os infantários, para mim os Lares de Idosos (detesto a treta da Terceira Idade), são males necessários. Eu compreendo que é difícil, impossível por vezes, que as famílias mantenham os mais velhos em suas casas. Sei que a vida moderna é exigente, que levamos o tempo a correr, que temos mil ocupações. Compreendo, também, que as mães têm de trabalhar e, por isso, muitas vezes angustiadas, têm de deixar os filhos nos infantários logo aos quatro meses. Eu compreendo isso tudo e não condeno aqueles que se vêem forçados a colocar os seus idosos nos Lares. Eu só não compreendo, por mais que tente, por que razão a sociedade actual se organiza desvalorizando os afectos, as cumplicidades, os valores que, para mim, definem a verdadeira humanidade. Só não compreendo como se organiza uma sociedade que não tem lugar para os velhos. Só não compreendo que mundo maluco é este que tira de casa, isola, aqueles que mais precisam do seu espaço, das suas raízes, da sua família. Alega-se, disseram-me lá, que ali as pessoas estão bem, fazem novos amigos... Não queria acreditar! Alguém faz novos amigos depois dos 80 anos??? "Estar bem" significa ver satisfeitas as necessidades básicas. Mas, e os afectos? As emoções?
É Páscoa. Tempo de fé, de amor, de reflexão também. Será Páscoa para aqueles velhotes que esperam, como me disseram, a eventualidade de, pelo menos no Domingo de Páscoa!!, verem a família??
Hoje, sinto-me péssima por integrar uma sociedade assim. Muitas vezes digo, e escrevo, que temos de mudar de políticas, de modelos sociais. Hoje, sinto que temos de mudar de vida ou, quando dermos por isso, nem humanos seremos!