quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

ANO NOVO

 Finalmente, este terrível ano de 2020 chega ao fim. 

Eu, que nunca fui adepta de Passagens de Ano em festa e euforia, desta vez sinto uma enorme necessidade de me iludir e festejar. Iludir porque, com toda a certeza, 2021 vai chegar igual a 2020. A pandemia não vai acabar à meia-noite, o desemprego não vai terminar, as injustiças não vão ter fim. Sei, racionalmente, que se anuncia a continuidade de muito sofrimento. 

Contudo, emocionalmente, e estupidamente também, apetece-me fingir que acredito na força do Novo Ano e festejar em grande. Enfim, contradições assumidas, o que é verdade é que, se não fiz a lista de resoluções, enunciei, na minha cabeça, as grandes mudanças que pretendo tentar - TENTAR - introduzir na minha vida, no meu quotidiano. Tenho decisões afectivas, familiares, cívicas e profissionais. 

Talvez sejam ambições demais, talvez fique tudo por cumprir, mas hoje estou assim: - Com vontade de fingir que acredito num novo daqui a bocadinho!

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

PRESÉPIO

 Sem dúvida, este Natal de 2020 é muito diferente de todos os que já vivi. Mesmo dos muito maus. Sim, já vivi Natais muito maus, sofrendo um abandono terrível, dilacerada por saudades, absolutamente cheia de vazio. Mas, este 2020, supera tudo! 

No entanto, é Natal e, para mim que acredito em Deus e em Jesus, faz sentido fazer o Presépio, trazer para a sala o cheiro do musgo, encher o espaço de luzes. 

Bem tarde, apenas hoje, dia 15, cumpri a tradição. Com os netos mais velhos fomos ao musgo, cortamos o pinheiro, cobrimos o chão de agulhas do pinheiro (vai dar imenso trabalho a limpar) e enchemos a casa de Natal. Eu sei que parece idiota, ingénuo também, mas a verdade é que a presença do Presépio na minha sala me amolece o coração.







domingo, 13 de dezembro de 2020

QUASE NATAL

 Quase Natal. Chegam os netos, aquece-se o meu coração. 




Este é um Tempo com sentido e sentires. Claro que há muitos vazios, sobram os lugares à mesa, as recordações vestem o meu coração e tomo consciência da alucinação que é a vida. Mas estou viva. Tenho filhas e netos, sobrinhos e um irmão que eu adoro, tenho de fazer render os afectos.

Claro que continuam a acontecer coisas horríveis, que há insignificâncias, como na minha escola terem marcado reuniões presenciais, que me irritam e desesperam, mas são só isso mesmo: - Insignificâncias!

Tive em minha casa os meus netos pequeninos, abracei-os na minha cama, vi desenhos animados, brinquei, enchi-os de mimo e carinho. Amanhã vou abraçar a minha filha e netos que não vejo desde Julho! Isso sim, tem significado.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

TINHA DE DESABAFAR

Finalmente,  estamos no último mês deste terrível 2020. Ano horrível, feito de perdas, de injustiças, de maldade, de medo e terror. A minha mãe morreu neste maldito ano, cada dia vestiu-se de angústia e mágoa, e é com alívio, ainda que com esperança contida, que vejo que o calendário me diz ter chegado o último mês.

Neste 2020, para além de todas as perdas e desgostos, tantos!, vivi uma situação de violenta injustiça que me marcou e deixou com menos (ainda) fé nos homens. Mesmo nos homens que se dizem de boa vontade. Tenho estado em silêncio, lidando com a dor e revolta como posso, ou como dolorosamente consigo, mas agora apetece-me pôr em palavras o que vivi.

Fui para a Santa Casa da Misericórdia de Portalegre sem qualquer interesse pessoal. Moveu-me, exclusivamente, a vontade de fazer parte activa da minha comunidade, o desejo de poder servir e ajudar. Não conhecia os outros membros da mesa, para além do muito saudoso Senhor Elói, e entrei de coração aberto. Logo nas primeiras reuniões, percebi que nem todos nos movíamos pelos mesmos motivos. Conheci duas senhoras que resisto a adjectivar, é tempo de Natal, não quero usar palavras escuras. Nunca imaginei que tanta maldade pudesse existir em seres teoricamente humanos, aqui, na minha cidade. 

Fui continuando a dar o meu melhor, procurei ajudas, envolvi uma grande amiga, profissional de excelência, na minha vontade de ajudar. E estava tudo a correr bem, as contas a acertarem-se, o sentimento de pertença a uma causa a crescer entre todos. Teciam-se cumplicidades, reconheciam-se sorrisos e eu não lamentava as muitas noites em branco, as muitas horas a tentar apoiar as decisões das técnicas. 

O que eu não adivinhei, talvez não tivesse o sentido da maldade suficientemente apurado, era que havia na SCMP uma pessoa (ou mais) feitas de raiva e crueldade. Uma mulherzinha, que foi minha aluna e em quem eu confiei, minou o trabalho, entrou nas redes sociais com nome falso, caluniou, divulgou documentos internos, fez o que muitos répteis não conseguem fazer: - Matar aos poucos, por interesse particular apenas. Avisavam-me. Mas eu não acreditava, e fui confiando nesta coisa ruim.

Um dia, tudo mudou. Uma investigação, e o senhor bispo a exonerar a Mesa. Sem uma palavra para mim, sem me ouvir, sem dar o benefício da dúvida. Magoou-me profundamente.

Sim, eu sou católica. Mas os bispos são homens e nem sempre, infelizmente, seguem Jesus Cristo.

Ainda não consegui libertar-me da revolta magoada que sinto! Como é possível agir assim? Como é possível não respeitar quem serviu uma Causa nobre? 

Felizmente, desta experiência na SCMP não ficou só a mágoa revoltada. Não ficaram só cruzamentos com pessoas horríveis. Ficou, sem dúvida, uma aprendizagem que seguirá comigo.

Além disso, e mais importante do que tudo, ficaram amizades verdadeiras, reais, tecidas de compreensão e respeito. Saí a ganhar, porque trouxe no coração a amizade do Provedor, das técnicas, de directores, ouso acreditar que de muitos funcionários também. Pude viver a essência de práticas profissionais feitas de entrega ao outro e, sem dúvida, isso nenhuma maldade me poderá roubar!

Obrigada, de coração, a todos os que inscreveram ternura no meu coração.

Aos outros, aos que caminham espalhando o mal, a calúnia, o insulto e a arbitrariedade, que Deus não lhes perdoe, porque eles (e elas), sabem o mal que fazem!


quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

EDUARDO LOURENÇO

 O Labirinto da Saudade. 

Volto a ele, agora que Eduardo Lourenço morreu, eu que vivo presa nessa teia sem saída. Oiço e recordo palavras ocas, que os Grandes não morrem, e sei que, embora morrendo mesmo, a sua essência fica e perdura por anos, séculos até. Na minha saudade mora já muita gente, é o normal cumprir do Tempo, e eu gosto de fazer visitas a essas moradas ausentes. Eduardo Lourenço dizia, também, que nós, humanos, somos só pensamento. Será? Às vezes, muitas vezes, olho o mundo e penso que não há pensamento. Que vivemos cumprindo calendário, fazendo concessões a verdades alheias, a normas sociais que se fazem de aparência, que ignoram a essência. Porque razão pensada abdicamos de práticas de ser feliz, para parecer cumprir imposições alheias? Que pensamento pode sustentar a violência e a agressão? Que razão suporta o medo?

Volto a Eduardo Lourenço. Falamos de Fé, esse Todo que é só de quem tem. Talvez rezar seja pensar também.

sábado, 28 de novembro de 2020

Tempo com Tempo

Nem tudo é sempre mau, nem tudo é completamente bom, nem sempre a alegria impera, nem sempre as lágrimas correm. Às vezes, talvez à medida que as rugas crescem na minha alma, penso que as maldades da vida, das gentes e do mundo, podem encerrar oportunidades. Esta pandemia, terrível sem dúvida, este isolamento imposto, a mágoa e o vazio, têm-me oferecido tempo de muita qualidade. Não me lembro, por exemplo, de ficar na cama até às 9,00h, de andar de camisa de dormir beberricando sucessivos cafés, de dançar sozinha abraçada à voz quente do Zambujo e da Ana Moura. Nem tudo é sempre, afinal!

E agradeço a Deus, ao meu Deus feito Cristo a quem confesso os meus temores, a segurança de ter casa, a paz de poder proteger-me, o privilégio de ainda poder sorrir. Apesar de.




quinta-feira, 26 de novembro de 2020

A MEU VER

 Como todo o mundo racional, sem dúvida que olho com apreensão a pandemia. Não acredito na frase gasta do "Vai ficar tudo bem", porque vejo que muita coisa já não pode ficar bem, que muitas mortes aconteceram e que a miséria cresce, diariamente, de forma escandalosamente absurda. 

Leio, oiço, penso e tenho medo. Não confio nos decisores portugueses, como não confio na maioria dos decisores que dominam o mundo, receio a pouca eficácia das anunciadas vacinas, tremo a cada amanhecer.

Mas, sei bem, é preciso viver. Resistir e, claro, prevenir. 

Não consigo por isso compreender que haja instituições que continuam a pensar que é tudo uma brincadeira, que abrindo janelas e arejando salas todas as infeções se evitam.  Como é possível? Como posso aceitar, e obedecer, a ordens que convocam professores para reuniões presenciais quando, penso eu e dizem os cientistas, quanto mais isolados todos nos mantivermos, com maior eficácia poderemos evitar contágios? 

Dizem-me, argumento oco de razão e longe de inteligência, que as salas são grandes, que se arejam. Eu rir-me-ia se não tivesse uma incrível vontade de chorar! Não percebo! Às vezes, penso cá para mim, parece haver decisões que têm como único propósito e sustentação mostrar serviço, afirmar o tal pequeno poder que tanto me irrita!

E eu hoje estou assim. Irritada. Revoltada. Triste. Sem forças para alinhar, calada,  na estupidez vigente.

sábado, 21 de novembro de 2020

COBRAS

 

Fui caminhar, pisar a suavidade do chão de outono, brincar com os cães, olhar o mundo sem gente de que tanto gosto. Comigo levei os sonhos, as saudades intensas que me fazem sofrer - TANTO! -, as preocupações pessoais, sociais, profissionais também. No tanque senti o cheiro forte do tufo de hortelã. Recordei Cesário, o Bairro Moderno, a miúda desgrenhada e feia com a meia azul rota, a hortelã que cheira. Perto, a cobra que, acho eu, vive no tanque. Pensei que, na Natureza como na vadia, nem sempre o chão é macio e, sem que demos por isso, surgem cobras perigosas e ameaçadoras, por vezes. esta cobra era preta e verde, cobra de escada dizem-me os vizinhos, sábios de toda a natureza. Não fazem mal mas, ainda assim, é melhor a senhora não se aproximar para não a irritar, recomendam. e eu lamento não ter, na vida com gente, quem me avise dos perigos, quem e recomende a distância...



sexta-feira, 20 de novembro de 2020

PENSAR

Infelizmente, cada vez mais pensar é uma actividade de risco. Tenho, sinceramente, muita dificuldade, cada vez mais, em aceitar só porque sim! Porque alguém disse, porque sempre foi assim, porque é chato para um ou para outro, são justificações que me ficam excessivamente curtas. Além disso, para que serviria a democracia, a liberdade de expressão, as aprendizagens constantes, se não pudéssemos esgrimir argumentos, confrontar ideias, discutir opiniões? 

Decididamente, eu não tenho jeito para ovelha e não me encaixo em rabanho algum!

E vem tudo isto, outra vez, a propósito do meu quotidiano profissional. Porque é que discirdar, fazer uma sugestão, ter uma opinião contrária (mesmoq eu contrária à da maioria) tem de ser encarado como uma agressão, uma forma de criar problemas? Sinceramente, para mim, criar problemas é abanar a cabeça e não pensar, cumprir disparates porque disseram para fazermos assim, ou assado. 

Se os professores são, ou devem ser, cosmopolitas, seres pensantes, leitores da realidade, inteligentes, porque não pode a Escola ser um lugar de diferenças e troca de opiniões?

Não! 

Contam comigo para muita coisa, gosto muito do que faço, mas ingressar no rebanho do quero lá saber, não é para mim. Mesmo!

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

TRANSFORMAÇÃO

 Este 2020, ano bissexto dos meus 60 anos, tem-se revelado o pior possível! Somam-se perdas, crescem vazios, aumentam as dificuldades, tornam-se rotina os absurdos. 

Voltando à Escola, e de novo com uma turma à minha frente, sinto, e penso, no enorme desafio que se me coloca. Como educar para o desconhecido, para o imprevisto? E concluo que, com certeza, não conseguirei cumprir os desafios mantendo as rotinas de um tempo que, porque é passado, perdeu o sentido. A Escola de 2018 não serve em 2020, como poderá servir a de 2000, ou de 1974??

Desafio os miúdos para o desenvolvimento do espírito crítico, para o sentido estético,  para a urgência de encontrar novas respostas, para o fascínio de construir sentidos com palavras. Sinto que têm dificuldade, querem regras e segurança, e eu tento o equilíbrio neste voluntário desequilíbrio no qual quero que desenvolvam competências. 

Tento desenvolver neles a autonomia, o sentido de responsabilidade, o gosto pela ousadia consciente. Tento... 

Olho, de novo com tristeza e susto, a Escola de hoje. Há tanto por e para fazer. E não, agora, o que não acontece não tem como justificação os documentos legais, as orientações da tutela. não! Bem pelo contrário...

Este não tem de ser "o tempo dos chacais". Este tem de ser o Tempo da Verdade e da transformação do mundo, logo, da Educação!

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

ANIVERSÁRIOS

 Na vida a gente cruza-se com muitos olhares, muitas pessoas e muitas formas de agir e pensar. Muitos destes encontros não significam nada, não deixam marca, não deixam rasto sequer. 

Se eu fosse adepta das matemáticas, o que obviamente não acontece, creio que poderia garantir que mais de noventa por cento das pessoas com quem me cruzo nada me deixaram, nada levaram de mim. 

No entanto, há pessoas, mesmo que numa percentagem mínima, que nos marcam e que, mesmo partindo e deixando-nos, nunca nos abandonam completamente. Pelo menos, a mim acontece assim.

Há muitas pessoas que me marcaram e que, ainda que afastadas, continuam, e continuarão, sempre comigo. Algumas, morreram. Fizeram correr muitas lágrimas, deixaram um vazio imenso eterno na minha existência. Outras, vivas, optaram por partir também. São ausências por opção, racionais, resultantes de escolhas que  eu aceito e compreendo. Mas, ainda assim, são vazios que ficam, são opções que doem.

Felizmente, eu posso guardar para sempre comigo aqueles que me são importantes, trancados nas minhas memórias, presos à minha emoção.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

SEM DÚVIDAS

 Há uma apaziguante sensação de conforto, de estar em casa e calçar pantufas, quando se regressa aos clássicos. Camilo é, muitas vezes, quem me recebe; mas Eça também, Sophia quase diariamente. 

Hoje, sufocada por angústias que, tendo origem no exterior, parecem criar raízes no meu interior, escolhi Vergílio. Abracei-o com força, saboreei-lhe cada palavra e, se não me secou as lágrimas, sem dúvida amaciou o meu anoitecer.

Não tenho dúvidas, nenhumas mesmo, de que o melhor lugar para sobreviver à pandemia é dentro de um livro!

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

SEXTA-FEIRA

 "A gente habitua-se a quantas tropelias a sorte quer", dizia o velho Garrinchas, no Conto Natal, do meu escritor Miguel Torga. Grande verdade! Hoje, dei comigo a rir-me do meu próprio azar e da forma como o encarei.

Tenho sofrido muito, nos últimos tempos, com maldade e a injustiça. Maldade que vem de porções de existências terrenas, não pessoas, com cobertura de outras porções existenciais que, achava eu, deveriam ser boas. Enfim. 

Ora, hoje, esbarrei com as duas porções numa esquina, ar conspirador, de negro mortal vestidas, olhar  torcido, esgar frio e cortante. Em vez de ter medo, ou de me chatear com o encontro indesejável, dei comigo a rir da minha sorte por ter podido passar de largo, sem ter de respirar o ar poluído que as ditas coisas emanavam!


domingo, 18 de outubro de 2020

ESTUPIDEZ E MALDADE

Já há algum tempo, li uma crónica do Miguel Sousa Tavares, jornalista e escritor que muito admiro, onde ele reflectia sobre o facto (inegável) de as redes sociais, facebook e afins, darem palco a toda a gente. A pessoas muito interessantes, cultas, que muito trazem a quem as lê e, também, a idiotas e ignorantes que, subitamente, têm púlpito. E é exactamente o facto da ignorância, maldade, estupidez e ignorância terem palco que leva, cada vez mais, ao alastrar da calúnia, da mentira, da maldade. Qualquer pessoa pode, se lhe apetecer, acusar, insultar, julgar o outro, numa janela aberta ao mundo. E há sempre público garantido, quem leia; quem, com inteligência, condene; quem se deixe enredar, e faça coro.

Não se pode fazer nada contra esta realidade. É a vida actual. Podemos, claro, não utilizar redes sociais, auto excluirmo-nos da realidade. Podemos ignorar, responder com silêncio e desprezo. Podemos, se quisermos gastar dinheiro e se confiarmos na Justiça dos Tribunais, avançar com processos. Mas, façamos o que fizermos, o dano da calúnia não será jamais apagado. A mancha fica, nódoa que lixivia alguma elimina sem danificar o tecido.

É assim. 

O ser-humano está construído do avesso, virado mais para fora do que para dentro e, por isso, tem de ser capaz de sobreviver neste caos de gente que, a cada dia, menos humano é.

Lamento muito. E opto pelo silêncio, pelo desprezo absoluto que me merece a maldade e a calúnia. 

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

COISAS DOS HOMENS

"Ninguém falou em troca nem em venda. Ninguém disse palavras chocantes. Mas quando se levantaram os três e se dirigiram para junto dos outros convidados para a sala grande, o espírito do Bispo estava pesado de confusão. Ele era como um homem que, envolvido num negócio que não entende bem e convencido por um hábil advogado, compra o que não quer comprar e vende o que não quer vender.

E Deus no Céu teve dó daquele Bispo porque ele estava só e perdido e não sabia lutar contra os hábeis discursos dos donos do Mundo."
in, O Jantar do Bispo, Sophia de Mello Breyner.

Às vezes, muitas vezes, os meus amigos espantam-se por eu dizer que sou católica, que tenho Fé, que vou à Missa nos domingos e que rezo. Compreendo a surpresa.
Vivemos, cada vez mais, num mundo de visibilidades, de ciência e Razão. Eu preciso de Deus. Preciso de acreditar que a minha essência não se limita à triste existência.
Sim, acredito que Deus me escuta e que me ajuda a discernir, a fazer escolhas. Que me permite errar, e conhece o perdão. O meu Deus é infinitamente BOM, não é cruel nem castigador, não me manipula porque não sou marionete, dá-me o livre arbítrio porque sou humana. O meu Deus não é a prática da Igreja porque, penso eu, a Igreja se faz de homens e, infelizmente, vive mais para eles do que para ELE.
Hoje, estou zangada, desiludida, com a Igreja.
Lembro que, pelo menos desde o séc XVI, na obra de Gil Vicente, o clero era denunciado. Fê-lo também Camões, António Vieira (O sal que não salga) , Garrett (mas frade, Deus me livre que o seja), Eça (ai o Amaro), Saramago, etc.
Recuperei Sophia, a minha poeta de eleição. para acalmar a minha enorme desilusão, revolta, mágoa, com figuras da Igreja na minha cidade. Rezo. Penso no Papa Francisco, em João Paulo II, e quero acreditar que Deus se indigna comigo.
Tenho Fé, sim! E é, talvez por aparente antinomia, Deus que me ajuda a sobreviver à maldade dos homens. Até padres, até bispos.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

DOCES

 Nestes dias de Outono hesitante, eu entro em modo de confiança na existência. Recupero muitas memórias, deixo correr mil histórias dentro de mim, reinvento tradições. Ontem, foi domingo de doce de abóbora. Nascida na Quinta, a abóbora é perfeitamente amiga do ambiente, livre de tratamentos e de  casca bem dura. Coloquei o meu avental, carregado de muito lavadas nódoas de vidas, e fiz o doce. Pronto, enchi os frasquinhos de vidro e, como sempre acontecia quando eu era criança, fervi-os de cabeça para baixo. Depois, com mil cuidados, deixei-os arrefecer na tábua (que é de plástico) da cozinha. Hoje, olhei para os frasquinhos e tive pena. Estão de rabo para o ar desde ontem! Endireitei-os e procurei os amigos, sempre procuro os amigos, para fazer distribuição. Gosto mais de fazer os doces de Outono do que de comê-los, confesso. 


domingo, 4 de outubro de 2020

OUTONO

 É, sem dúvida, a minha estação preferida, o Outono. Gosto das cores, do vento, das folhas enlouquecidas que dançam no quintal, das abóboras e dos marmelos. Gosto dos cheiros dos doces, dos fumos das queimas dos restos de Verão, dos castanheiros carregados de verdes ouriços.

Tenho pensado que também eu estou a entrar no Outono. Não no passageiro mas, pelo contrário, num Outono que só terminará no fim total. 

Já não tenho a inocência da Primavera, não encho de flores arbitrárias cada quotidiano, já não me iludo com borboletas tontas e efémeras. 

Já esgotei o meu Verão. Vivi-o com excesso, com garra e exagero, deitei-me em muitas praias e sofri afogamentos de diversas ondas. Agora, estou no Outono. Já não corro atrás do arco-íris, já não acredito em todas as aparências, já despejei os bolsos das minhas verdades.

Quando o meu Inverno chegar, terei pouco do que me despedir. Levarei comigo as emoções fortes, as paixões intensas, os momentos mágicos. 
Que venha o meu Inverno, assim que eu esgotar o meu Outono.



sábado, 26 de setembro de 2020

AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO

Embora a alguns amigos meus pareça estranho, eu concordo, e entusiasmo-me, com a maioria das decisões que este governo tem tomado no campo da Educação. Sou uma defensora convicta da Autonomia e Flexibilidade, acredito de facto que a avaliação tem de ser parte integrante do processo de ensino e aprendizagem e desejo uma Escola mais equitativa, mais fazedora de Pessoas e capaz de formar cidadãos activos, críticos, empreendedores, solidários e disponíveis para aprender. 

Sim, eu ainda acredito que a Escola de hoje pode fazer sentido, apesar do Covid e de muitas dificuldades.

No entanto, não concordo com o sistema de avaliação do desempenho docente. Defendo, sempre defendi, que quem trabalha quem que ser distinguido de quem simplesmente cumpre horário mas, insisto, não da forma que vigora. Como podemos acreditar numa avaliação sem olhar objectivo, centrada em momentos, baseada em relatórios e simpatias? Conheço escolas onde, pasme-se, professores de escalões inferiores avaliam os colegas de escalões superiores; onde se distribuem as classificações de Muito Bom não pelo real valor do desempenho avaliado mas, sobretudo, pela necessidade de cada professor  obter essa classificação para poder progredir na carreira. Para mim, não faz sentido! 

Defendo uma avaliação com diversos parâmetros e na qual a intervenção dos alunos  seja considerada.

Eu gosto imenso de ser professora, cada vez mais acredito que só a Educação pode construir um mundo melhor, mas não tenho dúvidas de que a mesma Educação é uma ciência e não, apenas,  um jogo de palpites ou simpatias.

Não gosto deste modelo de Avaliação do Desempenho Docente que vigora em Portugal. 

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

São Mateus

21 de setembro é dia de São Mateus. Quando eu era miúda, neste dia íamos todos  jantar a Elvas, à Feira, e, depois, andávamos nos carrosséis. Comíamos algodão doce, encontrávamos os filhos dos amigos dos meus pais, os de Elvas, e deitávamo-nos muito tarde. 21 de setembro era o dia de anos da minha mãe que, se fosse viva, faria hoje 93 anos.

A minha mãe já cá não está. Eu já não vou a Elvas e, este ano, não há carrosséis, não há restaurante, não há Festa. Este ano, quase não há vida, só existência.

Como me dói. Como me custa.

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

VAI CORRER MAL

Tem tudo para correr mal. A escola de hoje não é escola. Onde ficam as dinâmicas colaborativas, a valorização de trabalho de pares e de grupo, as verdadeiras aprendizagens de vida em sociedade, a proximidade e as conversas com os amigos? Como vão os alunos namorar, brigar, segredar e ousar? As crianças e jovens de hoje, infelizmente, estão em prisão. A escola tornou-se o lugar onde os sonhos e o convívio estão confinados ao vazio.

Esta escola, não é Escola.

Esta escola é um lugar para aguentar as crianças e os jovens de forma a que os pais possam ir trabalhar e a economia não pare. 

Este ano lectivo não é um desafio, é uma condenação. Um castigo por um crime não cometido! 

Tem de ser, garantem. E eu até compreendo que sim. Mas, quando tudo é diferente, não se podem pedir práticas usuais. Este ano, o tempo devia ser de inovação, de reinvenção da alegria na escola, uma vez que no quotidiano predomina a desilusão e a tristeza. O medo e o susto. Este ano, é necessário permitir que a ternura volte à escola, de braço dado com a resiliência e compreensão.

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

BELEZA

 O mundo é, de facto, muito bonito. O Minho, onde há seis anos vou com muita frequência e diferentes estados de alma, não pára de me surpreender. Desta vez, foi no Restaurante Casa das Velhas, em Vila Nova de Cerveira, que a minha alma estacionou. Uma vista sobre a ilha dos amores, ali mesmo no rio Minho, o pôr-do-sol a pintar telas maravilhosas e Camões a ecoar na minha alma. Ao meu lado, os meus netos mais pequeninos, as gargalhadas, ainda o privilégio do espanto de quem, pela primeira vez, ouve e vê novas realidades, permitiram-me um serão absolutamente fantástico!

Como a avó Josefa, hoje, eu penso que o mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer.







sexta-feira, 11 de setembro de 2020

EXPOSIÇÃO

Portalegre, a vida, o mundo, ganham sempre com a presença da Arte. Em tempos de pandemia, de distância e isolamento, quando o medo mais se impõe e o futuro fica mais hesitante ainda, parece-me fazer ainda mais sentido procurar refúgio na Arte.
E, por pensar assim, associei-me a um amigo, alguém com olhar atento e curioso, para organizar, na nossa cidade, uma exposição que cruza olhares com letras.
Na galeria de São Sebastião, ali mesmo ao lado do belíssimo edifício da Câmara Municipal de Portalegre, no lugar onde os Jesuítas ensinaram e rezaram, no mesmo chão que, durante anos, as tecedeiras pisaram, está, desde dia 11 e até 22 de Novembro, um desafio a novos olhares e diferentes interpretações. 
Deu trabalho, claro, mas ainda acredito que "tudo vale a pena, quando a alma não é pequena".

 

terça-feira, 8 de setembro de 2020

PARTIR

Corre o rio, leva o tempo. Olho o veleiro que o vento empurra e, pés no chão, lamento que me não leve a mim também. Sou bicho terra, de chão fixo e, aqui, onde o mar acaba e a terra começa, lembro muitas histórias da História, minhas também, e vivo o desejo de partir.

Curioso o verbo partir. Partir, assim, no infinitivo, parece-me agradável. Ver partir quem me é querido, é-me doloroso, sabe a vinagre tinto, feito de sangue e dor.

Mas, hoje, eu quero ir com o Tejo. Quero que me envolva nas ondas pequeninas, que me façam cócegas na existência os pés das gaivotas, que, com um rasgo de sorte, me atirem ao ar os golfinhos-roaz ou, apenas, as toninhas vulgares. Quero partir!

Sozinha. Levando na bagagem as minhas vivências, os bons momentos que roubei à vida, carregando junto a mim a ternura que vivi.

Quero partir!



sábado, 5 de setembro de 2020

EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA

 Quem sabe quem eu sou, não tem dúvidas que não sou de Esquerda. Prezo demais a minha liberdade, para poder sequer pensar nisso. E, porque quero ser livre, penso!

Já não consigo ficar calada perante o que considero as barbaridades que têm sido ditas, e escritas, sobre a Educação para a Cidadania. Até abaixo-assinados para que não exista na Escola! 🙄😡
Claro que tem de existir na Escola!
Porque a Escola deve formar cidadãos! As orientações, os temas, decorrem de documentos base da Democracia, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição da República Portuguesa. Há orientação política? Obviamente! Como há na disciplina de história, ou de português, ou filosofia! Eu, que lecciono português, posso, por exemplo, abordar Os Esteiros fazendo campanha pró comunismo (Cruzes!).
Defendo que a Educação para a Cidadania não deve ser uma disciplina, mas sim uma área disciplinar, e tenho muito orgulho em poder constatar que, em Portugal, há escolas a fazer um excelente trabalho (também) neste domínio. Acredito que haja escolas, e professores, a trabalhar menos bem mas, defendo, há que ajudar a melhorar, e os Pais e comunidade devem colaborar, e não condenar a existência deste domínio de aprendizagem.
Muitas vezes prometo a mim mesma ficar calada, ignorar, mas, perante calamidades como esta, não consigo!

terça-feira, 1 de setembro de 2020

1 de muitos

Sempre que setembro se inicia, há pelo menos 37 anos, eu vibro. Entro num estado de excitação, de alegria, inexplicável, carrego a cabeça de projectos e o coração de sonhos. É o regresso à Escola! 

Embora já tenha vivido muitos inícios de ano, a ideia de que vou reencontrar alunos, vou conhecer novos jovens, vou poder desafiá-los a ousar, vou descobrir textos e partilhar leituras, sempre mexe comigo.

Este ano, neste maldito 2020, no ano em que, depois de três anos longe de alunos e só trabalhando com professores, resolvi voltar à sala de aula, setembro anuncia-se tenebroso. Reina o medo, a desordem, a desconfiança. Não sei como vai funcionar a Escola! Dizem-me, mas diz-se tanta coisa..., que o Ensino Básico terá aulas de manhã e o secundário à tarde. Parece-me irrealista. Dizem que as turmas vão ter menos alunos, e na Escola para onde vou fundem-se turmas de 15 numa única de 30. Não se sabe como serão os exames, não se sabe se será necessário voltar ao ensino à distância. Não se sabe. E esta instabilidade, para mim e, receio, para a maioria dos alunos, não perspectiva sucesso, não anuncia bem-estar.

Pessoalmente, não tenho dúvidas que é preciso reinventar a Escola (ainda bem). Que o modelo que conheci e conheço tem de acabar. Mas, sem dúvida, a presença de pessoas e a partilha de espaços é fundamental na educação. Somos PESSOAS e, como tal, precisamos uns dos outros para nos construirmos. 

Tenho medo. Não do desafio, não da mudança.Não do Covid-19. Tenho medo da indecisão!

Este ano, setembro chegou a cheirar a azedo.

sábado, 29 de agosto de 2020

EU E A OUTRA EU

 Quando se passeia no Algarve, sejam caminhadas à beira-mar ou idas à farmácia, encontram-se muitas diferenças, muitas estranhezas. São estrangeiros, com as suas características e línguas, são portugueses que, talvez por estarem em férias, vestem outras roupagens e assumem diferente comportamentos. Às vezes, parece-me que, em férias, há quem aproveite para descansar de si próprio, deixando guardado o seu eu e criando novas e diferentes personagens.

Pensando assim, dei comigo a imaginar quem gostaria de ser, se não fosse eu. Tentei eliminar o que depende de outros, encontrar-me eu-mesma-sozinha, e, depois, imaginar o que gostaria de não ser. Encontrei tanta coisa que, porque a lista ia longa, decidi desistir e conformar-me com quem sou. 



quinta-feira, 27 de agosto de 2020

27 de Agosto

 Hoje, é um dia de muitas e fortes recordações. Dia de anos do meu Pai, faria 95, dia do meu casamento. Há 39 anos, tudo estava certo, a alegria existia e eu ainda não sabia que o para sempre é fórmula exclusiva dos livros de fadas. E as fadas, não me inseriram nas suas histórias.

Há 39 anos, eu era princesa e rainha, tinha  a confiança no Amor ainda intacta e pensava que seria capaz de escrever uma narrativa de sucesso. Estava apaixonada! Tão apaixonada! Escolhi para casar o dia de anos do meu Pai porque, na minha casa de criança e jovem, esta era sempre uma data festiva. 

Hoje, oiço as ondas lá fora, estou na noite sozinha e desfio memórias. Vem a mágoa, embrulha-me a insónia e eu penso, e penso. Ainda hoje, depois de muitos contratempos e de incontáveis desilusões, continuo a achar que o dia do meu casamento foi o dia mais feliz da minha vida! Foi um passo no vazio, mas valeu a pena.



domingo, 23 de agosto de 2020

TERAPIA

 A praia, ou seja a mudança de ambiente e a proximidade do mar, estão a ajudar-me a carregar energias. 

Gosto  das caminhadas na areia, do barulho das gaivotas, das caipirinhas a ver as ondas. Não gosto de muita gente, odeio a música que algumas pessoas insistem em impôr a toda a gente, e acho excessivos os desportos motorizados no mar. Mas é assim, a perfeição não existe, e o óptimo é inimigo do bom.




sábado, 22 de agosto de 2020

MAR

 Finalmente, o mar. Oiço o rebentar das ondas, estou só eu e elas, o céu salpicado de estrelas, a noite que me envolve. Chegou o tempo de caminhar na areia, olhar as gaivotas e desejar a liberdade inconsciente delas.

Praia!

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

MUSEU BERARDO - ESTREMOZ

 Estremoz, a cidade branca, tem, para mim, muitos atractivos. São restaurantes originais e muito bons, são lojas, é o mercado de rua e, agora, o Museu do Azulejo Berardo. É um Museu muito especial. O espaço que acolhe a exposição é uma casa enorme. cheia de luz e de brancos, com o Alentejo por moldura a surpreender-nos em cada uma das 35 salas. Há paz absoluta. No pátio, no final da visita, podemos sentar-nos e, calmamente, saborear um bom vinho. 




Eu sei que a inveja é uma coisa muito feia, mas não consigo deixar de sentir alguma tristeza por, na minha cidade, não haver nada assim. E era tão fácil... 




quarta-feira, 19 de agosto de 2020

VONTADE PRÓPRIA

 Álvaro de Campos, poeta que tanto leio, diz a dado momento "(...) não me peguem no braço//já disse que não gosto que me peguem no braço//Vão para o diabo sem mim ou deixem-me ir para o diabo sozinho". Como eu o compreendo! 

Hoje, também não quero ser pessoa de companhia, não quero que me peguem no braço e quero ir para o diabo sozinha. Não quero que me digam para ter coragem, que vai passar, que há quem esteja pior, ou melhor. Não quero! Quero chorar porque me apetece, quero a liberdade de ser infeliz sozinha e não me servem os conselhos sábios, ou as parangonas vazias. Não. Não quero pensar em coisas boas, não quero compreender decepções, não quero sorrir para acalmar a simpatia alheia. 

Hoje, as lágrimas que são minhas têm de correr. Sim, de nada servirão, mas são minhas e hão-de correr enquanto eu precisar!


domingo, 16 de agosto de 2020

AS JOANAS

 Entraram no meu carro sorrindo, de calções, a juventude a gritar beleza, e logo avisaram que,se o bolo não estivesse bom, era porque elas mesmas o tinham feito. O acordado era um almoço e uma tarde na piscina, conversando e preparando, como muita amizade, a partida para a Universidade. 

São as minhas Joanas. Duas. 

Durante um ano, conversámos muito, falamos de escrita, de escritores, de textos. Desafiei-as a pensar, quero acreditar que as ajudei a encarar a leitura, e a escrita, com outro olhar. Hoje, são pré-universitárias e, como o Poeta, carregam nelas todos os sonhos do mundo. 

O bacalhau, com a sangria de frutos vermelhos, soube-nos muito bem e permitiu falar de medos, de ansiedades, de muitas experiências vividas na Escola e fora dela. Depois, as três estivemos dentro de água, conversas líquidas de mulheres e eu, mais velha, não consegui não me surpreender com a forma como estas miúdos cresceram ao longo do ano.

As minhas Joanas, são irremediavelmente um pouco minhas, merecem o melhor do mundo. E eu sei que hão-de experimentar o menos bom , mas não lhes digo. Confio nestas meninas-mulher, as mesmas que me ofereceram um delicioso caderno, que personalizaram com frases que eu muito uso, para que registasse os meus pensares, os meus sentires.

Ah, queridas Joanas, não saberão talvez o bem que me fazem. Não poderão avaliar como me aquece a existência o vosso carinho, como me orgulha que, sem precisarem já de mim para nada, me procurem para passar uma tarde e para desfiar confidências. Ser Professora, para mim, também é isto. Esta cumplicidade que fica para sempre e que, sem dúvida, nos torna muito mais ricos.

O bolo, é claro, estava delicioso!


sexta-feira, 14 de agosto de 2020

ORTOGRAFIA

 Fico francamente assustada quando digo "dantes"... É a prova de que há muitas vivências acumuladas, que olho mais para o passado do que para o presente (nem pensar em futuro), mas,às vezes, não resisto ao dantes. Dantes, de verdade, havia mais cuidado com o uso da nossa língua e a maioria das pessoas envergonhava-se ao dar erros ortográficos. Hoje, infelizmente, as barbaridades que se cometem ao usar a língua portuguesa, não só parecem não envergonhar ninguém como, o que considero mais grave, são encaradas como norma. Vem esta introdução a propósito de uma experiência vivida ontem mesmo. 

Quando decido sair um pouco aqui no meu Alentejo, Estremoz e Torre de Palma, em Monforte, são sempre as minhas escolhas. Ontem, resolvi ir experimentar um novo espaço, Howard's Folly, em Estremoz.  O lugar é convidativo, decoração original e moderna, uma boa ligação entre o rústico e o urbano. Mal me sentei, colocaram à minha frente um individual onde está inscrito o Menu. E foi aí que comecei a ficar desagradada. Um erro ortográfico grosseiro, "começe", encabeçava a lista. Chamei, educadamente, a atenção da funcionária e, para meu espanto, respondeu-me que nunca ninguém tinha reparado, por isso não tinha importância. Fiquei irritada. E a minha irritação contribuiu para que, quando o cocktail de entrada me foi servido com o prato de peixe, tivesse interiormente formado uma má opinião do espaço. 

Em Estremoz há outros lugares fantásticos. A Mercearia do Gadanha (o meu preferido), o Alecrim, a Cadeia Quinhentista. Enquanto me lembrar do "começe" não irei ao Howard's. Mas, infelizmente, muitas outras pessoas irão e, se calhar, vão ignorar o erro e achar que não tem importância, que é uma implicância minha!





domingo, 9 de agosto de 2020

RECOMEÇAR

 Talvez, afinal, a vida seja apenas uma operação de subtracção. A gente (eu) subtrai vivências e assim, paradoxalmente, somam-se tempos de vida. O Tempo, que não cura!, permite a aceitação das perdas, a racionalização das desilusões, a superação das traições. 

Volto ao quotidiano, olho o céu revolto, e lembro muitos momentos que, se não mais se repetirão, serão para sempre meus e ninguém mos poderá roubar.


quarta-feira, 29 de julho de 2020

DEFINITIVO

Aconteceu. A minha Mãe, aos 92 anos, quase 93, partiu definitivamente. Não era perfeita (alguém é?), brigamos muitas vezes, não tínhamos uma relação muito próxima, mas era a minha Mãe. Acompanhei sozinha os últimos tempos, com muita mágoa e muita dor, vendo-a perder qualidades e conhecimento. Hoje, de madrugada, o telefone tocou e a notícia chegou.
Tenho saudades da minha Mãe. Vejo-a firme, bonita,  professora decidida e sabedora, apaixonada pelo meu Pai que a adorava. Vejo a minha Mãe a proteger os netos, a mimá-los o mais que sabia, e sofro. A minha Mãe viveu a dor que considero maior, a perda de uma filha, mas continuou a lutar, a sorrir e a receber com gosto os muitos amigos que sempre enchiam a casa dos meus Pais. A minha Mãe fez viagens, amou e adorou o meu Pai,  os filhos e os netos, ensinou muitas gerações, chorou e sofreu, riu e brincou. Agora partiu. Definitivamente.
É assim a vida, digo eu repetindo a banalidade das evidências. E é. Mas mesmo acreditando, e eu acredito, que a minha Mãe está num lugar melhor, o meu sofrimento é imenso.

terça-feira, 28 de julho de 2020

NOITE

Nunca fui noctívaga. Gosto (gostava) de me deitar cedo, de acordar com as galinhas e de aproveitar o dia. Muitas vezes, na juventude das minhas filhas, dizia-lhes que se Deus quisesse que estivessem acordadas de noite não apagava o sol. Obviamente, este fraco argumento de pouco serviu...

Hoje, mais velha, gosto da noite. 
Gosto de ficar na espreguiçadeira, olhando a lua, desafiando as estrelas. Gosto do silêncio feito de mil sons naturais, da cigarra à coruja, da água que corre no tanque, das rãs que fazem verdadeiros concertos. À noite, deixo instalaram-se as muitas ausências e fico conversando. 
Há muitos ontens. Muitas perdas, alguns ganhos. Às vezes, dou a mão ao planeta e respiro fundo, bem fundo, para encontrar forças para mais um amanhecer.

quinta-feira, 23 de julho de 2020

NETOS


Ter os netos perto, poder tocar-lhes, abraçá-los, inventar brincadeiras, fingir que ralho por causa  das t-shirts e sapatos largados em todo o lado, é sentir que estou viva. 
Às vezes, penso que a solidão é muito mais do que estar sozinha, do que ter a casa vazia, de somar dias conversando apenas com os cães. É uma sensação de inutilidade de vida, de esgotar de dias sem outro propósito que não seja o chegar ao fim. E esta sensação dói! 


Quando os netos chegam, a solidão desaparece. A alegria deles, a confiança em cada agora, enchem de sentido a minha existência. 
E por isso tiro o relógio, não quero saber a data, esforço-me por ignorar que, em breve, a solidão vai ter todo o espaço para se fazer sentir.





segunda-feira, 20 de julho de 2020

DEPRESSÃO

Neste 2020 absolutamente atípico e violento, muito destaque, e bem, tem sido dado às patologias, às alterações, do foro emocional e psicológico. Faz sentido. Aliás, desde o início do século XX, já há mais de cem anos, que faz sentido olhar a inteligência humana, o cérebro, as emoções. Sabe-se, hoje, que a depressão não é uma mania, uma tristeza passageira, uma forma de dar nas vistas. Não! A depressão é uma doença e, que eu saiba, ninguém escolhe, no pleno uso das suas faculdades, estar doente. 
Penso, eu que não sou médica, que muitas doenças do foro neurológico poderão ser potenciadas por comportamentos sociais, por pressões externas, por desatenções por vezes. 
Vivemos, errada e exageradamente, preocupados com o que queremos mostrar aos outros, com uma imagem que do espelho nos sorria e sofremos quando não conseguimos, mesmo que com esforço desumano, a perfeição desejada. Não olhamos o outro com atenção, não temos tempo para ouvir e acompanhar, não usamos o tempo para estar efectivamente com os outros. Muitos jovens, e agora é-se jovem até quase aos 40 anos, parecem existir com uma febre doentia de sucesso e, aos poucos, esquecem-se de viver de facto, de reparar que até à morte a viagem se faz com companhia... Vivemos todos, penso eu agora, no silêncio da Serra, muito preocupadas com aparências e aplausos, centrado no nosso umbigo,  esquecendo o essencial. 
Às vezes, não gosto de pensar no mundo que integro!

domingo, 19 de julho de 2020

FINAL DE ANO

Está a terminar um ano lectivo que não deixa saudades. Faltaram os jantares com os finalistas, os abraços e promessas de até para o ano, sobrou distância e vazio. Foi o ano possível, violentamente interrompido pela pandemia.
Agora, é tempo de pensar no ano de 2020/21. Como será? Muitas hipóteses, muitas dúvidas. Como professora, e confiando absolutamente no Secretário de Estado Professor João Costa, estou optimista. Vai correr, com certeza, da melhor forma possível. Mais uma vez, muitos professores estarão à altura dos desafios e, acredito, os alunos não sairão defraudados.
Pessoalmente, tenho as minhas sugestões e penso que, concretamente em Portalegre, há decisões urgentes a tomar.
(Há muito tempo que não me ponho a jeito de insultos, é hoje).
Não tenho dúvidas de que a transformação é o que de mais constante vivemos, e não me parece que seja possível manter as mesmas opções quando as circunstâncias se alteram. E, porque nos últimos 20 anos (pelo menos) muita coisa se tem alterado no mundo, e em Portalegre também, defendo que não faz sentido coexistirem um Agrupamento e uma Escola não Agrupada. Se eu mandasse, em Portalegre cidade ficariam, já no próximo ano, dois únicos Agrupamentos: - O TEIP, Agrupamento de Escolas José Régio, e um outro que juntaria o Agrupamento do Bonfim e a Escola de S. Lourenço. Seria, defendo, uma gestão mais racional de recursos e, todos juntos, não chegaríamos a ter a dimensão de um Agrupamento de Lisboa ou Porto. Seria uma forma de acabar com inexplicáveis rivalidades, possibilitaria uma mais inteligente gestão de espaços e  permitiria inovar de facto no que diz respeito a metodologias e projectos. A ESSL fez todo o sentido isolada numa época em que representava uma alternativa, quando formava profissionais de diferentes áreas. Hoje, a realidade é outra e a ESSL luta por alunos de forma que considero até dolorosa.  Por outro lado, 46 anos depois de Abril, já é tempo de esquecermos as características (extintas) do Liceu Nacional de Portalegre.
Defendo que a cidade ficaria a ganhar, os alunos muito mais e os professores, sem dúvida, também. 
E pronto, eu penso assim. Declaro abertas as hostilidades!

sábado, 11 de julho de 2020

TROVOADA E MAGIA

 Contei a história do cavalinho verde. Esse que, de noite, com a menina, voava para um mundo onde os morangos eram brancos e sabiam a chocolate, os melões eram lilases e sabiam a bolo de bolacha. 
Contei, também, a história do Cavaleiro que, com uma enorme lança bem afiada, transformava a maldade em doçura, a guerra em paz e palavras feias em flores. Falei da importância de acreditar nos sonhos e imaginei, com eles, a grande viagem no cisne que voa de piscinas a oceanos, acompanhado por cães fiéis. E o sono, ao fim de um dia cheio de ternura, mergulhos e brincadeiras, chegou enfim.
Veio então, para mim, uma trovoada valente, presente dos céus para me embalarem também. 
Mas a trovoada não levou os meus receios, não iluminou a minha confiança e não mudou o mundo com energia!
Felizmente, amanhã os meus netos hão-de  lembrar-me que é preciso, com muita força, perseguir a magia para, quem sabe?, um dia cores e sabores darem sentido à existência...

quinta-feira, 9 de julho de 2020

BOAS E MÁS PESSOAS

Sim, há más pessoas, há pessoas muito más. Felizmente, também há boas pessoas. As boas pessoas erram, falham, pedem desculpa, tentam melhorar, conversam, trabalham colaborativamente, escutam, reformulam, compreendem, respeitam,  ajudam e perdoam. 
As más pessoas agridem, caluniam, carregam a verdade nos bolsos, insultam, não respeitam os outros, gritam, falham e não pedem desculpa, nunca perdoam.
As pessoas boas compreendem, as más pessoas punem.
Ultimamente, para meu azar, e sem nenhum respeito pelos meus 60 anos, a vida presenteou-me com um grupo de pessoas muito más. Ruins mesmo, daquelas que não reconhecem o outro e, sem nenhuma razão, ofendem e caluniam. As pessoas más chateiam-me. Chateia-me o ar de medíocre superioridade, as afirmações de mal disfarçada estupidez. 
Paciência, dirão. E eu concordo. Porque a vida acontece assim, não a preto e branco, mas com muitas tonalidades de rasquice que se têm de suportar. 

domingo, 5 de julho de 2020

OPÇÕES

Encostou-se à cabeceira da cama, da cama onde crescera e que a mãe insistia em encerar, e enrolou o charro. Fumou sofregamente. A nuvem azulada cresceu e ele fechou os olhos. Quando tinha começado aquilo? Às vezes, pensava que tinha sido uma reacção, como quando, sem pensarmos, fechamos os olhos ao sol, à normalidade que os pais tinham querido impor-lhe. Tudo certo. Férias no Algarve, preocupação com as notas, olhares críticos quando surgia com a t-shirt desbotada do Che, ou com mochilas rasgadas. Os pais eram assim. Previsíveis, preocupados, sempre organizados em excesso, e sempre lamentando a sua diferença do irmão. Deu uma passa mais, confirmou que a janela estava semi-aberta, e esticou as pernas, com as botas sujas, em cima da colcha que a mãe dizia ser valiosa. Não queria saber da colcha, da mania de tapar o necessário, o imprescindível, com o acessório. Mas talvez não tivesse sido só a vontade de contrariar os pais, os professores, o irmão. Afinal, ele fizera as suas escolhas e seria injusto culpar os outros. Lá isso, pensava vendo o charro consumir-se, liberdade de escolha sempre tivera. Dentro do razoável, dizia o pai. E era o razoável que o irritava. 
Enrolou novo charro, erva boa. Devia estar a estudar, os exames começavam no dia seguinte e esperavam muito dele. Ele é que esperava pouco de si. Dos outros também. 
Apetecia-lhe chorar, pedir colo, esquecer o corpo comprido e deixar à solta o coração encolhido. Quando tinha começado a fumar erva? Não sabia, agora, se os olhos picavam de tristeza, saudades do miúdo que fora ou raiva do mundo. Seria tão mais fácil se encontrasse uma causa alheia, um responsável para culpar. Mas, às vezes, a responsabilidade é interna e, aí, é difícil uma pessoa auto-esmurrar-se.
Podia ser o que quisesse, diziam. Mas esse era o problema. O que queria ele? E o exame de manhã, Pessoa, Vieira, Eça, Saramago, Garrett, e a professora de português a insistir para que lesse os jornais, para que conversasse e visse notícias.
Ah, quem disse que a juventude é a melhor fase da vida?

quarta-feira, 1 de julho de 2020

EXPERIÊNCIAS

A minha vida, como a vida de toda a gente, faz-se, constrói-se, de vivências e experiências. A vida não traz livro de instruções, o amanhã é sempre uma incógnita e adivinhar é proibido. Ora, por isso mesmo, uma pessoa erra, aceita desafios que devia negar, acredita em quem não devia, faz escolhas que deviam ser rejeições e sofre desilusões. Nada de novo, ou de raro. À medida que os cabelos vão embranquecendo, que nós vamos ficando mais vividos, acumulam-se as experiências. Óbvio! Tão óbvio como a certeza de que, embora os anos nos tragam experiência, não nos trazem a total sabedoria nem a couraça suficientemente resistente para enfrentar ataques, estupidez, desilusões.
E vem tudo isto a propósito de quê? De um exercício de imaginação. De um pesadelo que tive. 
Imaginei-me  numa reunião, uma Assembleia Geral, onde estava, no meu sonho (pesadelo)  para  ajudar uma Instituição. De repente, havia insultos, chuva de calúnias também. No meu pesadelo, eu pensava: - Como se pode conversar com quem ataca sem dialogar? Como compreender insinuações absurdas? O que pensar de quem, quando alguém intervém, sai da sala? Bom, dizia de mim para comigo,  podemos pensar que quem adopta estes procedimentos é gente reles. Podemos crer que são pessoas movidas por maus fígados. Podemos imaginar que são pessoas doentes. Podemos, até, acreditar que são só pessoas sem educação, que não conhecem a essência da Democracia. Podemos, ainda, classificar estas atitudes como vindas de estupidez natural. Podemos. Mas não deixamos, mesmo com muita experiência em imbecilidades, de nos desiludirmos por haver gente assim. Gente, ou gentinha? E acordei cansada, incomodada, sem resposta para as muitas perguntas do meu pesadelo.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

OS RANKINGS

Talvez astenia, depressão, desilusão, cansaço, sejam as causas, juntas ou singulares, para  esta minha vontade de nada fazer, nada dizer, entristecer-me apenas. Vi os rankings, mais um ano..., e a minha desilusão cresceu mais. Por que razão continua o governo a permitir a realização destes rankings que nada reflectem? Por que razão a comunicação social insiste nestas listas de graduação de escolas que nada trazem de bom, nem ao ensino, nem à sociedade?
Uma Escola deve ser um espaço onde a democracia funciona de facto, onde as aprendizagens acontecem de acordo com as possibilidades de cada um, num constante crescer como Pessoa. Uma Escola que, como alguns pais, só se preocupa com os resultados dos exames, que procura ter os alunos que - como oiço dizer - "dão garantias de sucesso", não é uma Escola real. 
Hoje, neste louco século de pandemias, virtualidade, digital, solidão e injustiça, a Escola, sobretudo a Pública, tem de ser capaz de funcionar como elevador social. Tem de olhar para as diferenças e fazer delas processos de sucesso. Os rankings vêm, apenas, acentuar as diferenças sociais, encher de orgulho alguns explicadores e  iludir os alunos. Se eu mandasse, não haveria rankings. 
Se eu mandasse, as Escolas teriam abertas as portas principais para deixar entrar a magia, o sonho, e o êxito de todos.