quarta-feira, 29 de setembro de 2021

APOSENTAÇÃO URGENTE

 Prezo muito a autonomia. 

Gosto de quem tem iniciativa, resolve problemas, faz frente aos problemas procurando, assertivamente, problemas. Por isso, defendo que, na Escola e na sala de aula, a autonomia deve ser uma competência desenvolver e faço-o. Não policio cadernos diários de alunos de 11º ano, não dou guiões minuciosos de tarefas, gosto de ver como dão a volta aos problemas, como resolvem situações novas e como se responsabilizam por essas decisões. 

Ora, porque penso assim, fiquei (e estou) indignada por ter de pedir aos encarregados de educação de alunos de 11º ano autorização para, no tempo lectivo da minha disciplina, levar os alunos a um monumento portalegrense. 

Jovens de 16 e 17 anos, precisam da autorização dos pais para irem a uma visita, com uma professora, quando os mesmos jovens saem à noite até de madrugada, circulam pela cidade a pé e de autocarro, saem da escola para irem tomar um café (e afins) às pastelarias vizinhas? Não faz sentido, para mim.

Às vezes, pasmo perante algumas medidas que, na minha visão pedagógica e social, surgem como absurdas. 

O documento fundamental para a escolaridade obrigatória em Portugal, o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, é muito claro quando enuncia como áreas de competência o desenvolvimento pessoal e a autonomia. 

Estou a pensar que urge pedir a minha aposentação. Esta Escola não é para mim!

domingo, 26 de setembro de 2021

À LAIA DE ANTÓNIO VIEIRA

 Voltei à Escola, à sala de aula onde sou tão eu e, hoje, resolvi seguir António Vieira. Enchi-me de energia e vá de escrever um Sermão, à moda de Vieira, para os meus alunos de 11º ano que agora começam a conhecer este escritor fantástico! Como irão reagir?

SERMÃO da Professora Aos Alunos

Vós sois o jardim da terra. E, tal como os jardins, floridos, dão cor e aroma aos espaços urbanos, tantas vezes cinzentos e carregados de cheiros desagradáveis, vocês, jovens, devem dar à humanidade cor, alegria e perfume. Mas, ou seja que vocês deixaram crescer excessivas ervas daninhas no vosso coração, ou que o mundo está de tal modo negro e empedrado que não tem terra fértil para que floris, a verdade é que vós não conseguis alegrar a existência.

Faltará perfume às flores do vosso jardim? Será que viveis mais preocupados em olhar as ervas daninhas, do que em contemplar a forma harmoniosa como as pétalas se abrem ao sol? Fernando Pessoa, esse grande Poeta português, disse “o melhor do mundo são as crianças”. Saberia, talvez, que essas são tenras ainda, puras, não tentadas a perder tempo com ervas daninhas. Talvez Pessoa devesse ter dito que vós, jovens, sois a mudança concretizada. Reparai que Camões, esse enorme Poeta do Classicismo, afirmou que “Todo o mundo é composto de mudança” e, cremos nós, a mudança constrói-se convosco, com a seiva renovada que, enxertada das melhores qualidades, consegue colorir e perfumar a existência humana.

Olhemos, então, a rosa. É bela, carregada de simbologia, capaz de dizer amor, paixão, saudade e até esperança. A rosa vermelha, brilhante, faz sorrir o olhar mais infeliz. Também um sorriso sincero, jovem, alegra a existência dos que sofrem. Mas, cuidado, muitas vezes a rosa perde as pétalas, basta que o vento sopre com força desusada, e ficam só os espinhos, fortes e agressivos, fazendo sangrar e chorar. Os espinhos, esses, rasgam e não acarinham, ferem e não curam. Poderia haver, então, rosas sem espinhos? Reparem no que diz o povo: Seria um jardim sem flores!. Sim, da bela rosa fazem parte os espinhos, como da vossa juventude faz parte a tentação do mal. Mas a rosa, naturalmente, serve-se dos espinhos para se alimentar, para se proteger de  mãos abusadoras e vós, jovens, servis-vos da tentação para, muitas vezes, destruir o perfume e a beleza que vos define. A rosa agride, com os espinhos, aqueles que a colhem. Vocês agridem, e destroem, o vosso próprio eu quando, em vez de pensardes na cor e perfume da vossa condição, vos deixais agarrar pelos espinhos da vossa idade. A rosa tem vida curta. Também vocês, jovens, não a tendes longa. A juventude é um período passageio, ligeiro como o voo da andorinha, que perde o perfume e deixa cair as pétalas antes de ter tempo de ser admirada.

Pensais que apenas a rosa embeleza o jardim? Não! Oh! Quantas cores, quantos aromas, quanto néctar delicioso encontramos num jardim. No meu jardim, do qual cuido diariamente, há uma cameleira. É uma árvore vestida de verde brilhante, viçosa, carregada de flores brancas e bem trabalhadas. Ao longe, quando chego ao jardim, a cameleira encanta-me. Quanta cor! Quanto viço! Quanta promessa de vida nos botões que a preenchem! Porém, como me ilude a imagem… As camélias têm o pé curto, não podem ornamentar a jarra da minha sala; as pétalas são tão frágeis que, mal lhes toco, caem no chão; os troncos da árvore, parecendo tão perfeitos, são fracos e sem resistência. Perguntais-me porque tenho tal árvore no meu jardim? Porque me enche o olhar, sem me tocar o coração. Porque me ilude na sua aparência de perfeição sendo, afinal, tão imperfeita. Sabeis que a camélia não tem odor? Ah! Quantos de vós sois apenas camélias neste jardim que é a humanidade. Como a camélia, quantos de vós viveis da imagem falseada, da aparência trabalhada para ocultar a essência desleixada! Mas a camélia, essa, não tem opção que não seja render-se à sua condição. Vós, jovens, tendes a possibilidade de inverter a condenação da flor e de, livremente, sobrepor a essência à aparência. Oiço-vos a protestar, o sermão vai longo e aborrece-vos já. Mas tende paciência, lembrai-vos das palavras desse poeta que também era cientista, António Gedeão, quando afirmava que “Cada vez que o homem sonha, o mundo pula e avança”. Não sois vós, também homens e mulheres em embrião? Então, ouvi-me um pouco mais e depois, se assim quiserdes, contrariai Fernando Pessoa que, em sofrimento, afirmava “Querendo, quero o infinito//fazendo nada é verdade”. Vós podeis ser a Verdade. A diferença. A mudança. Não, não olheis para quem vos antecedeu, não olheis para os jardins que desprezais. Não. Olhai sim, e vede, o mundo onde cresceis e os desafios que vos são colocados. Sim, tendes razão, também a rosa precisa regada, também os jardins precisam limpos das ervas daninhas que dão abrigo à destruição e à doença. Mas esse tratamento tende-lo vós, diariamente, na escola, na palavra dos professores, nos autores que ledes, nas aprendizagens que fazeis. Estudais filosofia? É a água fresca que permite que cresça robusto o vosso caule de ser; estudais português? É o fertilizante eficaz para que as vossas folhas e pétalas cresçam viçosas; estudais história? É o ancinho do jardineiro cuidadoso que permite que compreendeis o canteiro onde cresceis; estudais geografia? É o sacho cuidadoso a preparar espaço para que cresçais. Não estudais nada? É a doença da ignorância, a praga da estupidez, a dominar o vosso crescer, a viciar a vossa existência.

Julgais, talvez, que a escola de nada serve, que as aulas são a seca que mata a exuberância livre. Como estais enganados! O que aconteceria à beleza da rosa, sem o amor do jardineiro? O que aconteceria ao jardim, sem a atenção terna do que o cuidam? Cuidais, talvez, que vos basta a natureza da vossa condição jovem. Bastará ao jardim o selvagem crescer? Bastará à rosa o natural desenvolvimento? Não! Ao homem cabe enriquecer o belo, desenvolver o Bem. Sim, oiço-vos dizer. Não, ouvi-me gritar. Porque a rosa torna-se mais viçosa, o lírio mais brilhante, a orquídea mais perfeita quando o jardim é cuidado, limpo, enriquecido e regado. Vós sois o jardim da terra. E como esta Terra, cada vez mais feita de alcatrão e cimento, precisa de jardins! Termino agradecendo a António Vieira a grande lição e a vós, alunos jovens, deixo uma missão: - Perfumai de sentido a existência, sede corajosos para que, com o vosso florir renovado, sejais capazes de exterminar as ervas daninhas que, agora, livremente ocupam jardim e florestas… Lembrai-vos que o Tempo, esse jardineiro atento, todos os dias colhe e todos os dias semeia. Fazei parte da sementeira, não querereis ser o lixo que ele sempre recolhe.

sábado, 11 de setembro de 2021

VAZIOS

Nos últimos meses tem morrido gente, muitas pessoas, significativas para mim. Partiu a minha mãe, há um ano, a Irene Pestana, o Professor Manuel Patrício, o Sr. Zé Henriques e a dona Maria Helena, muitas pessoas que preencheram a minha adolescência, juventude e idade adulta. Começo a olhar à volta e a deparar-me com um vazio imenso, doloroso, cheio de ausências e saudades. A cada adeus, fico mais sozinha, mais perdida neste mundo, mais triste e com menos esperança. Já não vou tendo a quem pedir colo, onde me acolher, quem me saiba ralhar de mansinho. Agora, as asneiras que faço ficam mais definitivas e o meu telefone tem uma imensidão de números sem resposta.
Claro que sei que  é assim que se cumpre a vida. Mas esse saber não impede a minha dor.
Olho-me e não me encontro, porque eu sou, ou fui, sempre ligada a outros. Penso no que já perdi, tanto, e não tenho forças para fingir que compreendo e que está tudo bem. Não tem graça nenhuma o meu existir hoje!

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

JÁ ERA

 E passou o Verão, sendo que, para mim, Verão é o tempo de férias. 

Num instante tenho de novo a casa vazia, a cabeça cheia de projectos, vontade de ter alunos, de me perder, encontrando-me, na sala de aulas com eles.

Pelo meio perdi o concurso (que se chama concurso mas é uma votação política) para a direção do Agrupamento que foi o meu Liceu e, surpreendendo-me, ri-me com o facto. Cada vez mais, talvez sejam as aprendizagens da idade, valorizo os processos em detrimento dos resultados. Gostei de elaborar o meu Plano de Intervenção, continuo convicta de que poderia mesmo transformar a vida de todos. Mas pronto, não quiseram, eu sigo sonhando e rindo porque não sei cantar.




Estamos em setembro, um dos meus meses preferidos, cheguei agora do Minho, estou ainda cheia de acreditares.

Deus não me vai abandonar!