sábado, 31 de dezembro de 2011

Cristo

Olha-me da parede. Tem o pé direito sobre o esquerdo, cai-lhe o rosto para a direita também e não tem braços. Gosto dele assim. Gosto deste Cristo de olhar expressivo e gosto, imagine-se, de O ver sem braços. Imagino que esgotou os braços no abraço eterno, na entrega à humanidade, no apoio que, em qualquer Tempo, nos traz. Na parede, olhando-me, conversa silenciosamente comigo e garante-me que vale a pena acreditar, Amar sempre, crer num hoje prenúncio de um amanhã melhor.
Não sei por onde terá andado este Cristo. Terá acompanhado outros dormires? Sei-O agora, num egoismo assumido, exclusivamente atento a mim e isso conforta-me.
Enquanto o mundo alucinado corre a preparar a Noite de Réveillon, o Cristo apaziguador olha-me com, quero crer, muita ternura. Que no Novo Ano Ele acompanhe sempre este mundo louco!

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Ano Velho

Esgotado, oco, cheio de destroços e desilusões, o 2011 chegou ao fim. Está até baralhado, enlouquecido, cheio de um frio seco que gela os ossos e engelha a pele. Esgotou 365 dias de factos negros, de crise e desgostos, de guerra e de hipocrisias. Levou pessoas Grandes, e destaco a Maria José Nogueira Pinto, marcou a negro o tempo e, por isso, parte sem deixar pena. Vejo-o ir sem angústia, sem saudades, com alívio até. Desejo que não volte nunca mais e, num último esforço, tento encontrar instantâneos que justifiquem a sua passagem. É difícil. Apenas a Amizade verdadeira, a ternura do meu neto, as conversas com as minhas filhas e algumas horas com os meus alunos me fazem lembrar este 2011. Que vá de vez. E que não deixe sementes para que os tempos se repitam...

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Desafios

O escorrega alto é uma tentação. Dou a mão, seguro-o bem e, depois, vejo-o deslizar gargalhando. Outra vez! E aí vem a subida, os degraus íngremes, a descida veloz. Outra vez! E eu cedo todas as vezes, desejando que o relógio páre, que o mundo estanque, que a vida nos dê folga. São os pequenos momentos que dão sentido à existência. "O Melhor do mundo são as crianças!" pela ingenuidade, pela pureza, pela ternura, pelo dom de acreditar e, também, pelo olhar doce com que nos amolecem o coração, com que destroem muralhas e movem montanhas de ansiedades aflitas. Ouvindo o riso do Manuel Bernardo, não escuto os anúncios terríveis dos Media, não entendo (nem quero entender) a fúria do mundo das finanças que sufoca o mundo dos homens. Gosto destes dias frios, das caminhadas ao ritmo do passo curto do meu neto que me dá a mão e, com atenção, escuta a verdade da magia que habita no mundo de faz de conta. Que sorte tem o Manuel Bernardo por poder ainda confiar na magia, na mão que o segura, no abraço que o aquece. Como eu já tenho saudades dele...

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Fitas e Papel de Embrulho

Logo cedo os baldes de lixo abarrotam. Há papel colorido, restos de pais natais rasgados por mãos apressadas, fitas de mil cores, laços desfeitos. Foi Natal!
Em casa, a mesa ainda tem o prato com as azevias que sobraram, o peru está coberto de papel de estanho e o pirex com o bacalhau ainda não foi lavado. Os brinquedos das crianças desarrumam a sala, o triciclo de cores fortes está estacionado mesmo no meio do corredor, e a vontade de fazer durar o Tempo Bom faz-se sentir. Foi Natal! Foi...Mas, acho eu, deseja-se ainda prolongar estes dias de paz, de família, de ilusão de não crise, de fuga ao real.
Em breve, porque Chronos é cruel, vai ser preciso encarar de novo as dificuldades do quotidiano, tentar escapar à crise, enfrentar os injustos e violentos aumentos. Então, as fitas serão outras: - Menos coloridas, sem laços, sem vestígios de festa ou de alegria...

sábado, 24 de dezembro de 2011

Feliz Natal!

Tentam esquecer-se as desavenças, ignorar as dificuldades, iludir a crise e, com olhar brilhante, desejam-se Boas Festas! Boas Festas e Feliz Natal!
Boas Festas literalmente. Festa porque Cristo está aí, para os que acreditam e para os outros também, Festa porque se reunem familias, Festa porque há doces na mesa, Festa porque as crianças estão eléctricas, Festa porque, apesar de tudo, estamos vivos!
Boas Festas, mesmo!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O Meu Conto de Natal

Da porta via a linha do horizonte. Em criança acreditava que ali era o fim da terra e que, se continuasse em frente, entraria de mergulho num mar azul, brilhante de reflexo de estrelas, cheio de sereias de cabelos longos e barcos de velas brancas. Acreditava, também, que no fim do arco-íris havia um pote de ouro, que a fada dos dentes entrava de noite para lhe deixar um presente no lugar do dente caído, que as formigas e as cigarras eram inimigas mortais e que o seu cão compreendia os desgostos que lhe confidenciava. No Natal, há muitos anos, via no céu os riscos que deixava o carro do Pai Natal quando, nos preparativos, voava ligeiro fiscalizando o comportamento dos meninos pequenos. Para ela, o velhinho de barbas brancas era um criado do Menino Jesus. Então os criados ainda não tinham sido promovidos a empregados e, numa relação de boa vontade, uniam-se para acabar os presentes a tempo e horas.  Agora via a linha do horizonte com a certeza de que, para lá do fim, só havia mais mundo, mais terra e mar, mais dor e desalento. Dali, da soleira da porta onde gelavam as malvas vermelhas, olhava a chegada de mais um Natal. De mansinho, afagando a cabeça enorme do cão, via chegarem ternuras e afectos que perdera. Ou não. Porque acreditava que não se perdem afectos, que não se esquecem ternuras, que tudo fica guardado no coração, na pele, na enorme caixa branca (porque a negra vive em maquinismos) onde se conservam as memórias.
Lá longe, marcando a neve do caminho com patorras de elefante, vinha mais um Natal. Diferente. Porque cada dia é diferente, novo, a estrear, oferecendo, como cantava Caeiro, o direito ao espanto! Sim, espantava-se ainda. Com a força limpa do frio, com a brancura a neve, com o crescimento perfumado dos bolos no forno, com as velas vermelhas a diminuirem a cada anoitecer, com o presépio de figuras toscas a encher-lhe a sala. Sim, espantava-se com a eterna dificuldade em cortar o perú assado em fatias transparentes, com as nódoas terríveis de azeite que sempre caíam no avental quando fritava azevias. Mas já não se espantava com a tristeza crescente, com a solidão rotineira, com a desesperança colectiva.
Era Natal! O frio lembrava-lhe a idade que fazia ranger os joelhos e, em silêncio, desejou um milagre. Porque, sobretudo no Natal, os impossíveis acontecem. Entrou em casa, faltava encher com o recheio de miúdos o papo do perú que há duas noites dormia no alguidar de barro em água e limão, e deixou o cão entrar também, colando-se-lhe às pernas, molhando-a com o focinho húmido. Abriu a janela da cozinha,  a linha do horizonte lá estava, recta, imóvel. Ah, e se acontecesse um milagre?
Com a casa quente, a lareira forte, os cheiros de fritos enchendo o ambiente, sentou-se lendo um livro. Sophia. A mulher e o mar, a solidão e a desesperança, a força também.
Uma buzina estridente acordou-a. Sim, no Natal os milagres acontecem!

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Tenho culpa!

O primeiro ministro sugeriu aos funcionários públicos, em especial aos professores, a emigração. Como muita gente, eu nem queria acreditar no que ouvi, como a maioria dos portugueses eu quis crer que fora apenas uma frase infeliz... Mas, infelizmente, ele veio reiterar o que tinha dito.
Pior do que dizer aos portugueses que emigrem, é pensar que é melhor para nós abandonarmos o nosso país! Há já milhares de jovens licenciados a sair de Portugal, há técnicos diferenciados a estabelecerem-se noutros lugares, há empresas a levarem os investimentos para longe. Será que o primeiro ministro português pensa que um país pode crescer sem os seus quadros, sem os seus jovens, sem a massa encefálica que proporciona progresso?! Será que o primeiro ministro quer que, em Portugal, fiquem só os imigrantes de leste, as pessoas sem formação, os idosos e os dependentes do rendimento mínimo?!
A minha desilusão face ao desempenho deste governo não tem tamanho. Sinto-me mais traída do que nunca porque, desta vez, eu tenho culpa. Eu votei neste governo!  Estava habituada ao comodismo (que me dava alguma tranquilidade) de poder dizer "eu já sabia. Não votei neles!". Agora, nem esse consolo tenho! Eu votei no CDS e, o que ainda mais me aflige, se o tempo voltasse atrás eu votaria de novo porque, para maior desgraça, não vejo alternativa. Não acredito em socialismos sem ideias nem ideais, nunca confiarei em políticas de uma esquerda que aniquila a individualidade.
Sinto-me burra, enganada, defraudada e roubada pelo meu governo. Agora, sinceramente, o que me apetecia era seguir o conselho de Passos Coelho e emigrar de verdade. Emigrar para um país onde houvesse vida para além da crise, onde fosse possível acreditar no amanhã, onde sonhar ainda não fosse loucura, onde o Natal ainda não tivesse entristecido.
Eu tenho culpa e, como em quase todas as situações, de nada serve pedir desculpa!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Dia de Casados

Fariam hoje 59 anos de casados, os meus pais. Casaram em Fátima, aproveitando as pequenas férias de Natal da minha mãe, sempre os professores enfrentaram dificuldades..., e viveram 53 anos unidos (mais 7 de namoro, diziam sempre). Cresci a ver a união entre os meus pais, a vê-los numa efectiva cumplicidade eivada de muito carinho, embrulhada num imenso amor. Lembro-me de ir a Fátima nos vários 21 de Dezembro, ora em idas e vindas rápidas, ora em viagens com bons almoços e dormida. Nesses dias, sempre ouvia a mesma história do casamento, do nevoeiro que obrigara o meu avô a abrir a porta para indicar ao motorista onde estava a berma, dos atrasos, do vestido feito em casa com rendas compradas em Badajoz e trazidas de contrabando com o conhecimento protector do capitão que chefiava a fronteira do Caia.
Aos poucos, estas histórias tornaram-se parte de mim e, hoje, quando a realidade é outra, a saudade muita e o vazio imenso, lembro-as com muita ternura.
Não sei se o amor mudou, se o mundo descarrilou, se apenas as pessoas se transformaram em menos pessoas. Não sei. Sei que tenho muita admiração por um amor como o dos meus pais que não encontro com frequência na minha geração! Quase 60 anos a dois, enfrentando grandes batalhas e tendo sempre a certeza da compreensão e da atenção cúmplice do outro, impressiona-me.
Hoje, agora, com a noite estrelada e fria lá fora, no silêncio sozinho da minha saleta, lembro este amor e, ao abrigo dos meus sentires cheios de saudades, beijo com muita ternura os meus pais.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Incrível

Incrível o poder que o mundo tem, ou serão as pessoas?, para encherem de grandes insignificâncias os tempos de grandiosidades. É Natal! É tempo de paz, de sossego, de afectos  e ternura. É tempo de estar em casa, de olhar o fogo, de contar estórias às crianças e cozinhar partilhando opiniões e sugestões.
Contudo, ignorando os pressupostos, impõem-se a corrida às (poucas) compras, as idas aos supermercados de longas filas, a necessidade de trabalhar até ao cair da noite.
Incrível como conseguimos encher de vazio os tempos que deviam ser de sentidos de humanidade...

domingo, 18 de dezembro de 2011

Memórias

Ainda ontem o Dr. Castro dizia que não queria que o seu livro fosse chamado de memórias, ainda ontem ele lamentava a abundância de fragmentoss de vida, a impossibilidade de os calar, e já hoje eu concordo incondicionalmente com ele. É talvez a proximidade do Natal, o frio intenso, os dias limpos de céu azul, a excitação das crianças nas ruas, a compridura infindável das minhas noites solitárias que fazem saltar as memórias. E são tantas! Vejo a minha filha mais velha agarrada a mim com medo do Menino Jesus, a mais nova a espreitar os presentes, a Casa dos meus pais, sempre A CASA, cheia de cheiros, de lareiras acesas, de perús a chegar de laço vermelho de oferta. Sempre me fazia impressão a oferta dos bichos, muito luzidios e anafados, esperando a morte. Hoje, até desse então terror sinto falta! Oiço o meu Pai a orientar todos, a exigir de nós muitas coisas que nos faziam reclamar. Oiço-o a pedir a minha presença na cozinha, sinto a sua presença e a falta dele torna-se insuportavelmente dolorosa! O meu Pai enchia a Casa, unia-nos, fazia-nos acreditar que há sempre um novo possível.
Hoje, quando a noite cai na cidade branca, oiço-o a rir, abrindo o vinho tinto, pedindo uma tapa para entreter a espera do jantar. Hoje, agora, queria tê-lo comigo. Queria, egoisticamente, sentar-me a seu lado e encostar a tristeza, ancorar o sofrimento.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Um livro mais

Tarde fria, o gelo  da época, e o auditório do Museu das Tapeçarias cheio de calor humano para ouvir o Dr. Carlos Garcia de Castro. O pretexto, mais um livro. O primeiro - ele garante que o único - em prosa. Um livro para lagóias, começou por dizer o autor, com o humor que o caracteriza, com a simplicidade de sempre. Entre estórias de cá, desta cidade tão nossa, e algumas anedotas, foi desfiando memórias e fazendo literatura. O livro, "loja, contra-loja e armazém", é uma obra fotográfica, feita de flashes que a memória conserva, num estilo corrente, correcto, livre de falsos pretensiosismos, isenta de popularismos vulgares. O narrador trata-nos com respeito, com amizade mesmo, e não resistimos à gargalhada "Todos os dias, passar da noite ao dia não é monotonia, custoso é acordar com fantasias!", nem à ternura nem ao fascínio.
Em tempos de sentires exacerbados (porventura sempre assim sou...) gostei destas duas horas de olhares amigos e palavras com sentido. Vou devorar o meu novo livro!
"Na terra verde e branca de oliveiras
plátanos, cerejeiras, castanheiros,
quintais e poços de roldanas presas,
cruzam-se as casas de brasões antigos."

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O Zé Manel

Quando o conheci, era jogador de futebol e namorava a minha amiga. Casaram, vieram os filhos, guardo-os ainda crianças nas fotografias dos aniversários das minhas filhas, ensinei-lhes português, francês (existia há quinze anos) e tremi quando o Zé Manel filho entrou na Praça com a jaqueta de forcado. A Mena foi sempre minha colega, disponível, amiga, de gargalhada fácil, directa, capaz de lutar com garra por aquilo que queria. Há um ano veio a neta, a Maria, e as nossas conversas eram, agora, sempre feitas de meninos pequenos, de ternura e de saudade. Era assim.
Agora, a esta hora tardia, quando o silêncio envolve o meu mundo e a solidão me faz companhia, o Zé Manel agoniza numa cama da CUF Descobertas, em coma já, e a Mena está ao lado vendo-o partir. Falei com ela e disse-me apenas que a dor é tanta, que as lágrimas secaram.
O Zé Manel tem 58 anos. Podia ainda viver muito tempo, ver outros netos surgirem, mas foi atraiçoado por um cancro rápido e cruel. Penso na Mena, nos filhos, e sinto que a vida é, de verdade, curta demais... De que servem tantas discussões, tantos problemas, tantas angústias com o futuro se, de repente, o fim chega inexorável e cruel? De que serve adiar a ternura, afastar o afecto, se, num minuto, a vida nos diz que o tempo se esgotou?
Tenho a casa desarrumada com laços e papel de embrulho, tenho um pinheiro a tocar o tecto e um presépio com luzinhas intermitentes. Paradoxalmente, tenho o coração pesado de tristeza, de infelicidade e dor. Não me digam que é a vida. Não é a vida que me desespera, é o que fazemos dela!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Presentes

Sufoco, trabalho, stress, reuniões, ansiedades e compras de Natal por fazer! É o tempo das urgências. Devia ser tempo de estar em paz, de ornamentar a casa e ter todo o tempo para preparar a felicidade que esta época anuncia, mas não é assim. Este é o tempo louco! O tempo que se escoa por entre os dedos, que nos deixa estafados e a correr de loja em loja procurando aquele presente. Sei que o tempo é de crise, de crises várias, mas o Natal impõe presentes, as crianças esperam-nos e, felizmente, alguns adultos merecem-nos. Gosto de presentes! Chamem-me consumista, chamem-me materialista, quero lá saber. Sei é que o presente, mesmo que insignificante, mostra que alguém pensou no outro nem que fosse por uns minutos, nem que fosse apenas no entra e sai  da loja cheia. Além disso, o presente arranca sempre um sorriso, provoca um brilho no olhar e eu preciso do calor desses olhares ternos!
Ainda não comprei nenhum presente de Natal. Mas tenho pensado muito, e com especial carinho, no que vou conseguir comprar dentro das IMENSAS limitações que a crise me impõe...

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Praia de Inverno

Chegar à ilha de Faro num dia de inverno, com a praia livre para os olhares e caminhadas, para tempos de reflexão e sonhos, é um sonho real. Agora, com o céu carregado de nuvens, a praia ganha sentido e verdade. Cheguei cedo, nos bancos de madeira só dois velhos de olhar perdido, e fiquei no quente do carro olhando as ondas. Havia carneirinhos, coroas brancas sobre o verde brilhante, e os cafés solitários cheiravam a sal e a bica queimada. Ganhei coragem e enfrentei o fresco enrolando-me bem no casaco. Procurei a mesa do canto, gosto da protecção da parede atrás das costas, e aventurei-me numa caipirinha gostosa. Soube-me tão bem! Aqueci a alma, apesar do gelo picado, e caminhei depois cá fora, na areia, sentindo os salpicos do sal na cara e no rosto. Gosto do mar assim, agreste, forte, viril até. Gosto cada vez mais do inverno!!

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Cor de rosa

Eu sei que o tempo é de vermelhos, verdes e dourados, sei que é Natal. No entanto, numa rotineira ida ao cabeleireiro, as horas que uma pessoa perde (sem sucesso) a tentar enganar o tempo..., esbarrei com a cor de rosa. Literalmente, cor fora de moda! Folheei duas ou três revistas onde, genericamente, as notícias se repetiam no essencial: - Quem se divorciou de quem, quem casou com quem, quem teve filhos de quem, quem disse o quê de quem, quem pensou o quê de quem, quem emagreceu ou engordou, quem repetiu vestidos ou os estreou. Li tudo e agora, meia hora passada, não sou capaz de reproduzir uma única linha do que li. Das duas uma: - Ou os assuntos das revistas cor de rosa não têm nenhum interesse, ou eu estou a ficar com os neurónios perigosamente rosados...

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Paz


É uma palavra pequena, ainda que enorme, que faz cada vez mais falta. E não falo, apenas, na paz sem guerra, na paz que acontece quando as nações parecem entender-se e não há obuses nem explosões. Não. Penso na paz individual, no bem estar do eu-consigo, no bom que é pousar a cabeça na almofada e dormir sem temores, sem angústias, sem suspeitas. Ultimamente, nem quero tentar perceber desde quando, sinto que a intranquilidade, a ansiedade, o temor constante, marcam a vida das gentes e, na pele mesmo, sinto crescer o desejo de paz. Queria poder acreditar no hoje, para não temer o amanhã.
Agora, com o Natal à porta, este desejo exacerba-se. A solidão fica mais gelada, o coração amolece, o céu faz novos apelos e até as cores de Outono me provocam com mais intensidade.
Ah, como eu sinto necessidade de PAZ total!

domingo, 11 de dezembro de 2011

Carta ao Pai Natal

Querido Pai Natal,
Não me conheces, nunca te escrevi. Fui criança já há muitos anos mas, então, conhecia o Menino nas palhinhas e escrevia para Ele.Pedi-Lhe muitos brinquedos, lembro um chorão muito especial, corpo de espuma, careca, que me abraçava nas noites em que, na Serra, o vento uivava mais forte. Pedi-Lhe, também, muitos livros, colecções inteiras, e Ele ia satisfazendo os meus pedidos. Aos poucos, culpa da vida?, fui deixando de Lhe escrever. Na minha cidade os Correios nunca funcionaram bem, era até difícil comprar selos - imagina! -, e fui deixando de escrever. Conversava com Ele muitas vezes, sabes que o tenho na mesinha de cabeceira?, e reparei que ele não era mais o Menino que, um dia "fugiu do céu" a correr. Agora, sempre que preparo o Seu nascimento, vejo-me aflita para dar conta das recordações vermelhas dos tempos em que Lhe escrevia... Mas deixemos de lado as memórias. Que importam elas na blogosfera? Que interessa ao mundo a escrita do meu coração? Se o preâmbulo é longo, Pai Natal, é apenas para te pedir desculpa por só agora te escrever. Em primeiro lugar, há a vantagem de teres, com certeza, computador. No céu, duvido que exista. Mas tu és uma criação comercial, cheia de renas e modernidades, capaz de dançar com a Popota (diz-me que contrariado!) e, por isso, deves poder ler as cartas na blogosfera, evitando-me a árdua tarefa de, na minha cidadezinha, ter de ir aos correios procurar um selo. Pois é, escrevo-te apoiada na facilidade da internet para te dizer o que, entre os tais outros sentires que não interessam a ninguém, muito me incomoda. Detesto ver-te pendurado por uma corda das janelas! Imagino-te um assaltante e dou comigo, que horror!, a desejar que caias e partas a espinha. Depois, cheia de complexos de culpa, reformulo o meu desejo esperando, apenas, que sejas capturado e fiques em prisão preventiva,como é moda em Portugal. Bom, mas tirando estes pensamentos fora de época, tenho alguma ternura pela tua barriga redonda, pelas barbas imaculadas e, confesso, sinto muita inveja da tua viagem mágica, no céu estrelado, nesse trem puxado por renas velozes. É assente na ternura que ouso fazer-te pedidos. Talvez a minha idade já não me permita essas leviandades, mas ainda assim, atrevo-me. Quero pedir-te que, na noite de 24, quando voares sobre a minha Serra, deixes cair pozinhos de compreensão, pacotes de ternura e muitos chocolates vermelhos. Peço pouco, como vês. Tenho mais necessidades, muitas mais, mas, se não levares a mal, guardo-as para Ele. Pedir-Lhe-ei a Ele, em surdina, escrevendo apenas com letras sentidas no coração amolecido.
Obrigada Pai Natal e boa viagem!

sábado, 10 de dezembro de 2011

Solidariedade

As palavras têm sabor. Para mim, têm gosto e eu sinto-as a desfazerem-se, a aquecerem-me ou a gelarem, enquanto as enrolo na língua. A palavra solidariedade é doce, forrada de chocolate, coberta de vermelhos intensos e gostosa até ao fim. É uma doçura tão forte, tão intrinsecamente suave, que não instala celulite em lugar nenhum e faz exercitar, saudavelmente, o coração mais preguiçoso.
Nos tempos que vivemos, quando a solidão é cada vez mais constante, a hipocrisia reinante e a miséria crescente, a solidariedade faz ainda mais sentido. Não sei se é por ser Natal, ou se é apenas por ser tempo de ser bom, eu sinto uma ternura especial, agora, por esta palavra carregada de humanidade.
Esta palavra comprida faz-me, também, sentir insignificante. Minúscula mesmo. Que importam os meus pensares, os meus sentires, perante o sabor intenso da palavra comprida que amolece o meu coração?

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Arte

Está num canto de uma das enormes salas do Museu Berardo. O cacto espinhudo podia viver num quintal qualquer, podia ter nascido no meio de uma horta mal cuidada, podia, até, estar esquecido na berma de uma auto-estrada, ou mesmo de uma Scut polémica. Espinhudo, espetado, incapaz de cativar muitas atenções seria, apenas, um cacto!
No entanto, este espinhudo vive num espaço nobre, foi reproduzido numa tela (não é um espelho) e consegue que muitas pessoas, ou algumas pessoas, parem por longos minutos a contemplá-lo. É Arte! E, por isso, e porque tem um autor e o nome impresso, o cacto ganha estatuto, gera opiniões, impõe fotos. É Arte! Continua espinhudo, mas inofensivo porque ninguém pode tocar-lhe. É Arte! Arte moderna, diferente, estranha para mim.
Muitas vezes lembro a Mafalda de Quino "Esta Arte moderna tem mais de moderna do que de Arte!", mas desta vez discordo. Este cacto de espinhos mansos é Arte mesmo:- é a representação do efeito social. Mostra, de forma curiosa e simples, como um estatuto, uma morada de luxo, uma posição de relevo, podem alterar a essência das coisas. Das pessoas também...

Popota e outros

Uma hipopotama com pretensões a sexy, marca o Natal comercial. As crianças seguem-na, ela saracoteia no hipermercado, e o Natal faz-se.
Lá longe, numa europa que dizem ser de 27, há dois países a reinar. Agitam-se pavores, adivinham-se misérias, temem-se conflitos mais graves ainda. Olho a televisão e não sei dizer qual a figura mais deprimente, se a hipopotama rosa, se o casal franco-alemão. Anuncia-se  greve na TAP, garantem-se  mais prejuízos, pagam-se Scuts obrigatórias, e há tiroteio nos Estados Unidos. Pelo meio, aparecem reportagens rápidas sobre as compras de Natal...
 É este mundo a alucinar, é a realidade gelada a tirar o sono e a pintar de negro um presente que devia, agora, ser vermelho e dourado.
Tenho medo, medo mesmo físico, que a Popota se torne a aberração menor neste tempo que, acho eu, devia ser de ternura, paz e muita compreensão...

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Café - bica

É tipicamente português o hábito da bica. E deve ser das poucas coisas boas que se mantêm neste país mal frequentado. É bom tomar uma bica forte, intensamente perfumada, capaz de aquecer as mãos e a alma. Tomar a bica faz-nos, ou faz-me a mim, recuperar (quase) a fé na humanidade!

Logo de manhã, melhor ainda quando o nevoeiro frio embacia a cidade, gosto de entar no café habitual, de pedir a minha bica e de a beber entre bons-dias conhecidos. Às vezes, a bica acontece longe. O cenário muda, o horizonte liquidifica-se, os olhares são estranhos. Sabe diferente, mas, ainda assim, é a bica imprescindível!
Se eu fosse poeta, se soubesse poetar, faria, com certeza, uma Ode à bica!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Entrelinhas

Sou uma leitora compulsiva, assumo. Leio tudo, desde as bulas dos medicamentos aos romances repetidos, e, ainda assim, encontro prazer nas leituras, nos lugares revisitados, nas frases ritmadas (ou não), nas capas e cores que gosto de olhar. Quando as noites são demasiadamente longas, lá vou eu procurar um velho livro. Às vezes, escolho romances onde passeiam personagens já íntimas, outras vezes busco pensamentos que me ajudem a compreender (ou a aceitar) um pouco melhor o mundo que integro. Sempre me surpreendem os textos humanistas de facto, a escrita de Margeurite Yourcenar, os elogios à liberdade, como gosto de quimeras!, e o respeito pela individualidade. Nos dias de hoje, com o Natal à porta e a crise por todo o lado, sinto que faz ainda mais sentido pensar para além das frases feitas, das afirmações ocas, das parangonas sem rumo. Olho o mundo entre as linhas dos meus livros e aprendo que tem de ser possível construir-se uma sociedade mais razoável, mais verdadeira, mais solidária, mais justa também.  Sinto, hoje, excessivamente vivo o Calisto Elói de Camilo, tenho saudades intensas do Marcos de o Último Cais, encontro diariamente o Dâmaso Salcede de Os Maias, troco impressões com a Gulia da Sveva e, na minha escola, tento que, por favor, Não Matem a Cotovia...
Irritada mesmo, fico quando me dizem que esqueça os livros e as literaturas, que descomplique e assuma, simplesmente, o egoísmo em vez da ternura. É nestes momentos que agradeço ter as estantes atafulhadas de palavras com sentido eterno!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Natal?

Quando eu era miúda, bem sei que o tempo da infância tem outra dimensão, começava-se a preparar o Natal no dia 8 de Dezembro. Era dia de Nossa Senhora e sempre ouvi dizer que era "o Natal pequenino". Nesse dia, feriado, enchia-se a casa de cheiros novos, de pinheiro e musgo, fritavam-se as primeiras azevias e filhoses, e só se parava de falar no Natal e no ano novo depois do dia de Reis, a 8 de Janeiro.
Agora, já em Novembro surgiram as iluminações, os enfeites, as promessas de festa e as exigências de comprar. No entanto, sinto - talvez seja só impressão minha -, que o Natal está cada vez mais longe da vida das pessoas. Começa-se mais cedo o espectáculo das lojas, acendem-se velas e luzinhas, ornamentam-se as árvores e as casas, mas, parece-me, esquece-se a amizade, a presença, a ternura, a partilha, a compreensão. Estou um bocadinho, um bocadinho muito grande, farta desta mania de aparências e evidências sem profundidade nem essências.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Depósitos (des)humanos

A Confederação de Pais quer que as crianças fiquem ainda mais horas na escola. Falam da Escola a tempo inteiro com uma ligeireza que me apavora e revolta. Para crescerem de forma saudável, as crianças precisam de tempo com os pais, com as famílias, de horas em casa, num ambiente onde se revejam. A escola tem, obviamente, de tentar suprir a falta da família, de tentar minimizar os efeitos de ambientes familiares traumatizantes. No entanto, estas devem ser, creio, situações de excepção e não a norma. Propor que os professores fiquem na escola, até às sete da tarde ou mais(?!) a passar filmes para entreter os meninos, é assumir uma sociedade desumanizada, sem tempos de afectos nem espaços de ternura.
Penso que os pais deviam exigir e lutar por condições laborais que lhes permitam ser PAIS  e não, de forma alguma, procurar soluções que contribuam para a perda de oportunidades de ver crescer as crianças. Não há professor, por melhor que seja, que substitua a leitura de um conto ao adormecer, a conversa sobre a escola sentados à mesa, o ver cair os dentes, o limpar as lágrimas do primeiro desgosto de amor, etc...
Se a escola se tornar um depósito de crianças e jovens, em breve a sociedade será um espaço de silêncio e solidão! Sei bem que, hoje, a escola não pode limitar-se ao papel de transmissora de conhecimentos. No entanto, tenho a certeza que não pode substituir a família. Esta escola que a Confederação de Pais apregoa, não é escola. É, ou será, apenas um espaço para onde os pais poderão sacudir responsabilidades sem se aperceberem (?) do que estão a perder a cada minuto que não passam com os seus filhos.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Meia manta

Na febre de poupança e contenção desumanizadas que atacou o nosso governo, surge a notícia de encerramento de mais de 80 lares de terceira idade. São os mais indefesos, agora, as próximas vítimas. Num país envelhecido e carente como o nosso, num mundo onde parece não haver lugar para a ternura nem para a amizade verdadeira, quando sabemos que milhares de idosos morrem na solidão silenciosa, o governo anuncia o encerramento de lares. Talvez estes governantes pertençam já à geração que não leu, que não foi educada para pensar mas, apenas, para carregar delete... Talvez, por isso, se devesse sugerir aos nossos governantes que lessem a velha história do velho que, ao ser abandonado na montanha, sozinho, para aguardar a morte, rasgou a manta que o filho lhe dera ao meio e, dando-lhe metade, lhe sugeriu que a guardasse para quando chegasse a sua vez de ser levado para a montanha!

sábado, 3 de dezembro de 2011

E se de repente?...

Há uns anos havia um slogan publicitário que dizia assim: "E se de repente alguém lhe oferecer flores, isso é Impulse". Já nem sei dizer o que era Impulse, se um desdorizante, um perfume ou outra coisa qualquer, mas hoje o slogan ganhou vida na minha cabeça. E se, de repente, a História fosse mentira? E se, de repente, Shakespear não tivesse escrito nada e fosse mesmo analfabeto? E se, de repente, se provasse que D. Afonso Henriques não existiu, que Vasco da Gama era só um corsário, que o Infante D. Henrique tinha medo do mar, que D. Filipa de Lencastre era estéril, que Nuno Álvares Pereira era um mercenário?! E se, de repente, as verdades que sustentam as mentiras actuais, as verdades em que sempre acreditamos e que nos ajudam a ganhar forças no presente, fossem todas falsidades?! Ainda bem que não sou professora de História... é que, depois de ver o filme Anónimo, fiquei angustiada mesmo.
Eu defendo, sempre, que o importante é o presente, que o passado já não é e o futuro nunca será, mas, ainda assim, acho que vacilarei se me disserem que Luís de Camões não escreveu a mais bela poesia lírica de sempre!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Pior?! Mais?!

O primeiro ministro de Portugal anunciou novas medidas de austeridade para 2012. Anunciou-as com convicção, assumindo um fatalismo que me parece doentio e grave. Mais impostos, mais subidas de preços, menos serviço de saúde, menos educação, menos (abaixo de zero conta?) cultura, menos qualidade de vida. Porque, diz ele, só assim conseguiremos pagar a dívida e conter o defice. Oiço-o com angústia, medo e revolta.
Eu votei neste governo! Eu acreditei que esta gente jovem, com sonhos diferentes, com conhecimento real, seria capaz de colocar o meu país num novo rumo. Hoje, estou duplamente desiludida! Não só porque afinal não têm conhecimentos nem sonhos, mas também porque não ousam políticas diferentes! Afinal, estes são iguais aos outros, que eram como os anteriores, que copiavam os antecessores, que imitavam os últimos! Estes governantes de hoje fazem política de merceeiro: - livro de assentos, aumentar preços, sufocar a freguesia! Destes governantes ainda não me chegou NADA de tranquilizante, nada de bom... O ministro da educação, em quem depositei tanta esperanças, parece ter-se sumido entre legislações obsoletas e coisa nenhuma; o ministro dos negócios estrangeiros, deve estar em férias algures no estrangeiro; a super-ministra das pescas, da agricultura e de mais não sei o quê, deve estar a acertar a temperatura exacta do ar condicionado do seu ministério e, parece, o governo (des)funciona apenas com Passos Coelho, Vitor Gaspar e Miguel Relvas! Posto isto, e perante as ameaças dos últimos dias, apetece-me propor que fechem também a Assembleia da República, que vão todos trabalhar e assumam que apenas a Troika manda neste pobre Portugal!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Cavaleiros e cavalgaduras

Feriado. Um feriado que assinala, celebra?, um feito histórico que, hoje, me parece completamente desajustado. Em 1640 libertávamo-nos do jugo dos espanhóis, D. João IV subia ao trono e a Casa de Bragança escrevia história. Então, foram necessárias muitas conversas diplomáticas, muita coragem e muito orgulho em se ser Português. Hoje, nada me parece fazer sentido! Pertencemos, ainda que num estatuto desigual, a uma Europa em ruptura. Somos governados por gente estrangeira (e estranha), temos uma moeda que não é nossa, afirmamos uma cidadania europeia que nos fica excessivamente curta. Hoje, é a frustração que impera e, à boca pequena, vai-se dizendo que talvez tivesse sido melhor continuarmos sob o jugo dos vizinhos ibéricos...
O problema, creio, é que nunca conseguimos libertar-nos do jugo! Sempre baixamos o pescoço, deixamos colocar os arreios e não fomos capazes de, continuando com a imagem equestre, escoicear os diferentes cavaleiros que nos esporearam. Hoje, num feriado triste, quando a miséria cresce e o orgulho luso rasteja, confundem.se as cavalgaduras com os cavaleiros e nada há para celebrar.