domingo, 31 de maio de 2020

CRIME

O violento assassínio da menina de Elvas, roubou-me o sono. A Beatriz era uma jovem feliz, a concluir o seu Mestrado, apaixonada por música. De repente, um  assassino, um jovem aparentemente  saudável  e equilibrado, mata-a de uma forma indescritível (como se houvesse formas decentes de matar alguém). Porquê? O que terá levado este rapaz, também a concluir um mestrado em psicologia, a cometer tal barbaridade? Como foi capaz de ajudar os pais da Beatriz a entrar em casa, a procurar o corpo? Ciúmes, alega ele. Mas eu não consigo aceitar a justificação. Tem de haver alguma coisa mais, penso. E tenho medo. 
Vivemos, cada vez mais, numa prática de egocentrismo, de culto do interesse de cada um, que não está a ajudar a construir uma sociedade com sentido. Mais uma vez, penso na escola, recordo as minhas leituras. Lembro a Aparição, o crime do Bexiguinha que matou Sofia, mas a Beatriz não era personagem de romance. O meu medo cresce.
Não compreendo, não encontro na minha Razão uma forma de mitigar a revolta, o medo, a impotência. Sim, a impotência. Porque eu acho que, fazendo parte da sociedade, falhei também, falho na formação de pessoas com Valores e referências humanistas.Temos de olhar para estes casos e reflectir para agir. A indignação, por si só, é curta.
Que horror!

sexta-feira, 29 de maio de 2020

O ERRO

No meu trabalho, na minha tentativa  constante de, de alguma forma, e sem pretensiosismo, ajudar a transformar a Escola num lugar de aprendizagens plurais e significativas, falo muito do erro. O erro, defendo, não deve ser eliminado, nem banido, da aprendizagem. É preciso errar, para aprender; é preciso treinar, fazer e refazer, para melhorar. Não gosto que os meus alunos usem borracha, precisamente porque não acho que o erro deva ser penalizador. Obviamente, errar não é acertar, mas é fazer caminho. Gosto que eles possam o olhar o erro e confrontarem-nos com o progresso, como o não erro. Costumo pedir-lhes que refaçam as tarefas para, exactamente, tomarem consciência do progresso feito.
E, hoje, tenho pensado que, na vida, também devia ser assim. Fazemos, eu faço, erros enormes na vida, mas não devemos pretender esquecer. Pelo contrário, cada erro pode ser uma aprendizagem e cada lágrima, ou muitas lágrimas, pode ser o processo de purificação rumo a algo melhor.
Quando a noite cai e a solidão me abraça, gostava de acreditar no que eu mesma penso e defendo.


quarta-feira, 27 de maio de 2020

OS RAPAZES

Nesta vida de ser professora, nas muitas leituras que faço, conferências a que assisto, as raparigas e os riscos de uma educação estereotipada são temas frequentemente abordados. Que as raparigas, em muitas escolas e mais lares ainda ouvem frases como és uma mulher, tens de cuidar da casa, ou isso não é emprego para uma senhora, ou ainda, essas brincadeiras são de rapaz, dizem os estudos recentes.  Estes estudos pretendem servir para nos alertar para a necessidade de uma pedagogia de inclusão e igualdade, num mundo que deve tentar eliminar diferenças que implicam segregação. Assim, de um modo geral, eu concordo. 
Mas, hoje, tenho pensado nos rapazes. Esses, por alguma razão, provavelmente porque a história das sociedades e mentalidades sempre os colocou no lugar de liderança, parecem não preocupar os teóricos da educação.
A mim, preocupam-me!
Porque existe o hábito de dizer que um homem não chora, de tentar inibir a expressão das emoções de um rapaz? Porque é que alguns pais, e alguns professores, valorizam a resistência e força físicas dos rapazes em detrimento da sua emoção e sensibilidade? Porque é que um rapaz não pode sofrer, e chorar, por um desgosto de amor, ou uma ferida no joelho? Porque é que um rapaz não pode gostar que o abracem e lhe dêem mimo? Porque é que um rapaz não deve ter medo?
Sou avó de dois rapazes, professora de centenas deles ao longo dos meus 36 anos de carreira e nunca vi que, tal como diz António Gedeão no poema "Lágrima de Preta", nas lágrimas deles houvesse mais do que água e cloreto de sódio. 
Defendo que devemos deixar os rapazes expressarem sentimentos, emocionarem-se, dizerem as palavras macias com que se fala de amor. Não gosto de ouvir um pai dizer a um filho que, porque é homem, tem de ser forte e proteger a irmã. Todos devíamos proteger-nos uns aos outros. 
Já é tempo, creio, de aceitarmos que os sonhos não têm sexo e que cada pessoa deve viver os seus como entender. Não concebo que, em pleno século XXI, na era da internet e do Corona Vírus, haja escolas só para rapazes e outras só para raparigas. 
Como seria o arco-íris, se apenas tivesse duas cores?

terça-feira, 26 de maio de 2020

UMA LIÇÃO

Nos últimos tempos, desde 16 de Abril, estou a trabalhar de casa, com o apoio das plataformas Moodle e Zoom. Porque somos adultos, as sessões têm corrido muito bem, há trabalho, troca de opiniões, algumas aprendizagens que, quero crer, contribuem de facto para alteração de práticas e consequente melhoria da qualidade do sucesso dos alunos. Confesso que estou a gostar muito desta nova forma de trabalhar.
Ontem, vivi uma situação que não mais esquecerei. Abri a sessão para um grupo de 14 formandos da zona da fria cidade da Guarda, um grupo que tenho vindo a aprender a conhecer e de quem muito gosto, quando, de repente, reparei que um colega estava de pijama. Brincando, perguntei se estava mesmo. E arrependi-me! O meu colega é um doente oncológico grave e, incrivelmente, estava internado, com soro, para ser, uma vez mais, operado hoje de manhã! A minha admiração e respeito por este colega, o Zé António, não tem tamanho! Doente, realizou a tarefa que eu tinha pedido, a elaboração de uma rubrica de avaliação, e, internado, participou na sessão com empenhamento e interesse. Aprendi, de certeza, muito mais eu com ele do que ele comigo. 
É porque há professores assim que a Escola resulta. Desejo, com muita força, que tudo corra muito bem hoje, e sempre, com a saúde deste meu colega.
Obrigada, Zé António, pela lição que me deste! 

domingo, 24 de maio de 2020

VERÃO

Primeiro dia de piscina, o Verão está instalado! Eu detesto calor, sol, Verão, mas, agora no princípio, admito que me sabe bem o dia passado à beira da piscina na companhia dos cães. Talvez, afinal, um dos encantos da vida seja, precisamente, as pequenas contradições que a fazem. Passei o domingo deliberadamente confinada, não vi humanos, nem na televisão, porque não a liguei, e sinto-me em paz. Deixei de lado angústias - tantas -, desilusões - incontáveis-, saudades - cada vez doem mais. Fechei os olhos, deixei que o sol me afagasse e senti as horas escorrerem. Agora, porque a noite se anuncia, espero o pôr-do-sol para agradecer a Deus o privilégio que é estar viva.


sábado, 23 de maio de 2020

PORTALEGRE

Hoje, a minha cidade faz anos. É feriado mas, curiosa e tristemente, estamos todos fartos de feriados compulsivos e, este ano, nem há festa. A Cidade entristece aos olhos de todos, esvazia-se de comércio, de riqueza, de pessoas também. Esta cidade, que já foi de Bispos, de nobres e de intelectuais, esta cidade tão minha que até tem uma janela Manuelina, tem sido vítima de muitos e muito maus dirigentes, da evolução dos Tempos e de excessivo silêncio. Mas resiste. E continua a ter sentido (s) para aqueles que, como eu, precisam de pisar a calçada, de passar o arco olhando a Serra, de espirrar debaixo dos muitos plátanos. 
A vida cumpre-se assim, com perdas, transformações, alguns ganhos. As mudanças são inevitáveis  e eu, que teimosamente persigo a utopia sabendo que ela sempre irá à minha frente, recuso ser retrópica. Portalegre precisa de se reinventar e não, desculpem-me, de querer voltar ao que foi. 

Portalegre precisa de se afirmar pela individualidade, nunca pela imitação. Não é a chegada do Mac Donald's, ou dos muitos supermercados, que vai permitir a Portalegre ser um espaço de gente, de trabalho e de felicidade. Não é a chorar o Jardim da Corredoura transformado, ou lamentado a destruição da esplanada do Cedro, que Portalegre vai conseguir vencer a crise profunda em que tem vindo a cair. Não! 
Como dizia Torga "a coisa fia mais fino"... Acredito na minha cidade, porque conheço os lagóias como eu. Vamos seguir rumo à utopia?
Parabéns, Portalegre! 

sexta-feira, 22 de maio de 2020

UMA MENINA MUITO QUERIDA


Conheço uma menina muito querida, menina que foi confinada no 5º ano de escolaridade, que tem estado, diariamente, a estudar, a fazer trabalhos, a olhar para o Zoom, a ver a tele-escola. Às vezes, sorte minha, trabalho, mais uma vez com o apoio do Zoom, com esta menina.  Estudamos inglês, português e até história. A menina é curiosa e, por isso também, facilmente faz aprendizagens significativas. Pergunta, relaciona e tem ainda, algo que a muitos roubaram, direito ao espanto. Ora, um dos conteúdos que a minha menina estuda em História e Geografia de Portugal são os descobrimentos. E conversamos sobre a situação geográfica de Portugal, a expansão da Fé, o comércio, os mitos e medos, as descobertas. Ela gosta de saber, ri-se quando digo que D. Filipa se chamava de Lencaster e se tornou de Lencastre, fica impressionada por ter havido (haverá inda?) povos antropófagos, e compreende a surpresa de Pedro Álvares Cabral e dos seus homens ao chegar ao Brasil. Fica indignada quando fala e identifica as características do estilo manuelino e diz, rindo, que gostava de ter visto um elefante a passear em Lisboa. Esta menina sabe bem como as especiarias, o ouro e a seda vindos da Índia modificaram Portugal. Refere Pedro Nunes, Luís de Camões e outros, e sabe falar da Escola de Sagres, do astrolábio e das cartas de marear. Esta menina muito querida, sabe pensar e, eu, garanti-lhe que não era preciso saber as coisas de cor, porque ela sabe tudo e, se lhe faltar uma data ou um nome, basta perguntar ao senhor Google.
Ora, ontem à noite, a minha menina de olhos negros e curiosos, chorava muito. Porque a mãe quis certificar-se que ela tinha estudado e, de livro na mão, queria-a ver repetir o que estava no manual de HGP. Fiquei muito triste. E preocupada também! Como professora, não consigo aceitar que se continue a valorizar mais a memória do que a compreensão, como mãe e avó não aceito que se faça das aprendizagens uma questão de conflito familiar.
E sim, afirmo e volto a afirmar, esta minha menina querida sabe muito bem interpretar, relacionar e compreender a História de Portugal desde a conquista de Ceuta, 1415 (diz o senhor Google) até 1500 (esta sei eu).

A NÔ

A minha irmã Nô faria hoje 65 anos. Mais cinco do que eu. A Nô era muito bonita, alegre, bem-disposta, inteligente e vivia rodeada de um montão de amigos. Gostava de dançar, de pregar partidas, de brincar sempre. A Nô, um dia, disse, com a alegria despreocupada dos seus 16 anos, que estava a ver duas imagens e, dois anos depois, morria. Ficou em minha casa, na nossa família, uma cratera que nunca fechou. A tristeza dos meus pais, o vazio, os silêncios, as lágrimas, instalaram-se para sempre. 
Sempre pensei que deveria ter morrido eu, era (sou) calada, reservada, vivia isolada e ninguém dava por mim, teria sido uma dor menor. Há já 47 anos que o 22 de Maio, véspera do Dia da minha Cidade, me faz sofrer. 
As doenças, infelizmente, nunca são justas, mas a que roubou a minha irmã foi mesmo reles e desumana!

quinta-feira, 21 de maio de 2020

A NOVA ESCOLA

Quero mesmo acreditar que o Corona Vírus será derrotado pela ciência, como muitos outros vírus o foram, e que havemos de poder voltar a viver uns com os outros. Tenho sérias dúvidas em relação a esta imensidão de regras, de proibições e imposições mas, olhando o número de infectados em todo o mundo, não me atrevo a classificar como exagerado este já muito longo confinamento. Também não acredito que, no final da pandemia, os sobreviventes surjam transformados em solidários, boas pessoas, materialmente desinteressados, etc. Creio que irão ficar, os que sobrarem, exactamente na mesma: - Egoístas, a gostar de conjugar o verbo ter, a viajar e a viver neste mundo que, embora cheio de maldade erros, oferece a muitos uma belíssima vida.
Por tudo isto, e porque isolada ainda tenho mais tempo para reflectir, tenho imaginado a Escola de amanhã, que se estreou já... Penso na Escola portuguesa, já em Setembro, com a possibilidade de iniciarmos o ano lectivo com aprendizagens desenvolvidas à distância. Em si mesmo, tout court, para mim é uma aberração. Aprender é comunicar, e a Escola, para além de conhecimento científico, também desenvolve competências que, quero acreditar, permitem a existência de um mundo relativamente funcional. Mas, porque o tempo é e será de pandemia, aceito de bom grado o desafio de trabalhar com os alunos em plataformas e na frieza do ecrã. Penso, mesmo, que a maioria dos professores já provou que é possível e eficaz. 
No entanto, e porque eu acredito na Escola, para que esta eventualidade faça real sentido, para que aprendizagens significativas aconteçam para todos, um professor não pode monitorizar (não gosto do termo, mas não encontro outro) 150 alunos, ou até mais. Assim, penso que o Governo, o Ministério da Educação, deve fazer um esforço financeiro real e contratar mais professores, para que cada docente possa trabalhar, e de facto ajudar a aprender, um número razoável e gerível de alunos.  Se eu confiasse nos sindicatos, diria que esta batalha deveria iniciar-se hoje! 

terça-feira, 19 de maio de 2020

CONTRADIÇÕES

Acho que, mesmo de verdade, não tenho medo de morrer. Não me assusta o fim. O que me assusta, e muito, é o sofrimento. Talvez por isso, tenho vivido com algum susto a pandemia. Oiço contar horrores, desde o doloroso que é fazer o teste, até ao facto de haver doentes a pedir o coma induzido para suportarem ser ventilados. Tenho medo da dor física, confesso.
No entanto, já tive mais medo, já acreditei mais no que nos é dito pela OMS, DGS, comunicação social. Depois de quase três meses de confinamento, de medo e solidão absoluta, de repente parece que nada do que era alarmante tem perigo. As medidas adoptadas, ao meu olhar leigo, parecem-me absurdas e enganadoras. Como estar num restaurante de máscara? Como ir tomar um café com distâncias de dois metros? Como utilizar os transportes públicos, em Lisboa e Porto sempre a abarrotar, com distanciamento? De repente, parece que foi exagerado o medo que nos incutiram e que só serviu para agravar, mais ainda, as muitas dificuldades económicas dos portugueses em particular, do mundo em geral. Vivemos num mundo louco, penso eu. Olho o campo, indiferente ao Corona e à Covid-19, explodindo de cor e frutos, e temos termos sido, uma vez mais, alvo de maus dirigentes. Para além das mortes causadas pelo Corona, agora cresce o número de depressões, suicídios, etc. Olho o mundo das pessoas e só vejo dramas. Às vezes, penso que morrer, encontrar a paz absoluta vazia de dúvidas e preocupações, até deve ser tranquilizador. E fujo a estes pensamentos. Tento trabalhar, rir, troçar da vida real, refugiar-me no sonho. Há dias em que resulta; outros em que o sofrimento é avassalador. Hoje, agora, é um desses dias!

segunda-feira, 18 de maio de 2020

TERAPIAS ALTERNATIVAS

Perguntava-me, há pouco, uma jovem estudiosa de Reiki e terapias alternativas, se eu não sofria de dores, se não tinha stress. Ri-me. Respondi que sou forte, que não dou crédito às tropelias do destino, que desde sempre tento aprender a resistir e a sorrir, que o stress é coisa de gente fina.  Ignorando a minha resposta descrente,  ela falou-me de massagens fantásticas: - Com pedras, com saquinhos de ervas aquecidas, com manuseamento de pontos fundamentais, etc. Perguntou-me quando nasci, e garantiu que quem nasce a 29 é forte e carece dos outros. Garantiu-me que quem tem o algarismo 2 na data de nascimento é pessoa de afectos, de cumplicidades e ligações fortes.
Eu não acredito muito nas terapias alternativas (nas outras também não), mas, pensando bem, e para lá da conversa (para mim fiada) dos algarismos, talvez faça sentido a procura de algum equilíbrio interno e externo, alguma harmonia com a Natureza. Se assim não fosse, como explicar o bem que me faz olhar o par, caminhar na Serra, ficar quieta olhando os cães? 

domingo, 17 de maio de 2020

ENCANTAMENTO

Há mais de dez anos, comprei nenúfares. Pedi a um amigo, especialista nestas coisas, e ele trouxe-me três pés (não sei se se chamam pés...). Pareceram-me poucos mas, de um ano para o outro, multiplicaram-se e quase tapam o tanque todo. Nesta época do ano, quando o sol começa a aquecer, as flores surgem, lindíssimas, abertas durante o dia e bem fechadas à noite. As rãs saltam nas folhas largas e os peixes, carpas, escondem-se aproveitando as sombras. Gosto de me sentar no muro que ladeia o tanque e de ficar olhando. Bem perto, as rosas crescem e, hoje, estão lindas e perfumadas. São muito resistentes, as rosas. Parecem frágeis mas, nem sei como, não percebo onde vão buscar forças, resistem ao vento e até às trovoadas. 
Há uns dias, ali na relva apareceu um ouriço. E eu gosto dos ouriços, acho que, por baixo daqueles picos todos, têm um ar até terno e meigo. 
Infelizmente, o Zorba não partilha a minha opinião e o ouriço acabou por morrer. Tive pena do ouriço, e não gosto da morte por perto. 

 Ainda assim, e porque vivo de paradoxos, cada vez que vejo morrer mais um dia, e mesmo sabendo que outro amanhã há-de surgir, gosto de me sentar e de ficar recordando cada olhar, cada passo, cada encantamento. 

Talvez me comece a faltar, não sei, o necessário conforto e presença  humanos e, por isso, cada vez me conforte mais a magia da Natureza.


 

sexta-feira, 15 de maio de 2020

CONTRASTES

Cada dia me sabe melhor a caminhada na Serra. 
Quando chove, melhor ainda. A chuva, o mundo embrulhado em algodão, os passos amaciados, o cuidado em não meter o pé na lama, ajudam a suportar a vida. Sim, suportar cada dia e cada momento de vida. 
Porque não está a ser fácil viver neste mundo que parece confinado à injustiça e aos paradoxos. 
Vejo a miséria crescer, o desemprego aumentar e o governo do meu país a pagar milhões a Bancos falidos. Não pode fazer sentido!




Como diz um queridíssimo ex-aluno, já é tempo de se compreender que o confinamento e o encerramento do mundo são muito mais negativos do que o próprio vírus! 
Leio, por aí, que havemos de sair disto revigorados e para um mundo novo. Mas a minha Razão impede-me de acreditar nessa Fénix Renascida. 
O que vai acontecer é que vamos acordar para um mundo ainda mais injusto, no qual os mais fracos vão ficar ainda com mais dificuldades e os mais ricos com mais facilidades.
Não gosto deste mundo!
E perco-me nos passos da serra onde ainda é possível olhar o céu e sonhar possíveis. 

quinta-feira, 14 de maio de 2020

MÁ LÍNGUA

O hábito de falar da vida dos outros, infelizmente, resiste ao Covid-19. Dizem-me, muitas vezes, que é um comportamento das gentes de Portalegre mas eu, que sou lagóia de alma e coração, não concordo e penso que é, mesmo, um vício (muito feio) da humanidade. Em Portalegre, talvez por sermos cada vez menos e o quotidiano não ser pródigo em acontecimentos, nota-se mais. 
Incomoda-me este vício, esta prática alargada. Incomoda-me a facilidade com que se critica, se formulam juízos de valor, se insultam por vezes, realidades, e pessoas, que nem se conhecem. Pior ainda, creio eu, quando essa crítica cruel e falsa vem sob a forma de anonimato, em cartas não assinadas. E, hoje, é por causa da Santa Casa da Misericórdia de Portalegre que a minha indignação cresce. Quem não está lá, critica, opina, ofende, condena. Baseado em quê? No ouvi dizer e no parece-me. Que tristeza!
Cito Sophia "Perdoai-lhes, Senhor porque eles sabem o que fazem!"

quarta-feira, 13 de maio de 2020

13 de MAIO

Dia de Nossa Senhora, de fé, de oração, de peregrinação. Na minha fé frágil demais, na minha prática cristã cheia de imperfeições, penso muito em Nossa Senhora. Penso na Mãe, na Mulher, nas mulheres que, neste mundo aparentemente tão desenvolvido, continuam, juntamente com as crianças, a ser os elos mais fracos. Não creio que seja preciso ir a Fátima, embora compreenda que haja quem precise de lá ir, para assinalar o 13 de Maio. Afinal, a nossa vida é, em si mesma, uma peregrinação constante. 
Passei momentos de não fé. A  irreverência da juventude, aquela idade em que julgamos tudo saber, afastou-me da religião. Não de Deus. Mais velha, e assumidamente por necessidade de amparo, voltei à prática que aprendi em pequenina. Hoje, já velhota, Cristo é o meu maior Amigo e, nas muitas conversas silenciosas que temos, sei que me escuta e ajuda. 
Hoje, este ano, tinha pensado ir a Fátima. Queria estar em comunidade, queria estar presente naquele lugar que carrega sempre uma energia especial. Veio o Covid-19, a pandemia, o confinamento e fiquei em casa. A minha solidão é maior ainda. No silêncio, penso em Nossa Senhora e sinto que ser livre é, muitas vezes, aceitar sem compreender.
13 de Maio. 

segunda-feira, 11 de maio de 2020

ANTEU

Há muito tempo já que não ía ao Norte, ao verde Minho onde os meus netos crescem. Aproveitando uma certa abertura nas medidas de confinamento, fiz-me à estrada. É bom viajar com pouco movimento, cansa menos, os quilómetros gastam-se mais depressa.

Gosto do Minho. 
Da exuberância de verdes, da muita água que escorre por todos os lados. Desta vez, aproveitando para fazer caminhadas, fui à foz do Vez, 


ao lugar onde ele abraça o Lima, no meio de arvoredo intenso e com uma orquestra de rãs. É bom caminhar perto da água, mais fresco, caminhos planos e os olhos sem nunca se cansarem da diversidade da paisagem. Os meus netos, corajosos, tomaram banho no rio mas, para os meu ossos, a água estava fria demais.


Embora ache o Minho lindíssimo, prefiro a beleza agreste do Alentejo. As pessoas também.Estranhamente, no Norte tenho sempre a sensação de não estar em Portugal e as pessoas soam-me estranhas. 
Voltei, numa viagem tranquila, e senti-me acarinhada pelo meu mundinho.
Sim, Torga tinha razão. O mito de Anteu faz muito sentido!

quinta-feira, 7 de maio de 2020

ANIVERSÁRIO

Há 35 anos, no Hospital de Santa Maria, salva pelo Dr. Amorim Afonso de uma pré-eclampsia, eu via nascer a minha filha mais nova, a Joana. Nasceu no dia em que morreu o Dr. Mota Pinto, foi a última coisa que ouvi antes de, já na sala de operações, sucumbir à anestesia.
A Joana foi sempre uma miúda frágil, operada aos cinco meses a uma hérnea, viria a sê-lo de novo aos sete anos. Partiu uma clavícula a saltar um degrau, e fez com que eu vivesse, sempre, entre o susto e o êxtase.
Assumo que sou uma mãe exagerada. Para mim, e de certeza para muitas mães, as minhas filhas (hoje, os meus netos também) são a minha razão de viver. A Joana deu-me muitas dores de cabeça. tirou-me o sono e a paz com excessiva frequência.
Hoje, a Joana faz 35 anos. É mãe, tem ela mesma os meus sobressaltos. Jovem professora, teme ainda o futuro que se faz presente.
Eu queria muito que a Joana, que todas as Joanas deste mundo, pudessem ser jovens mulheres num mundo sem desemprego, sem injustiça, sem egoísmo. Sem Covid também...

quarta-feira, 6 de maio de 2020

A ROSETTE

Foi minha aluna, há muitos anos, no velho Colégio Diocesano de Santo António. Filha do "meu"reitor, naquele espaço que era o Liceu Nacional de Portalegre onde eu, sem saber, fui imensamente feliz, os cabelos muito loiros, a pele clara e o sorriso malandro cravaram-se em mim e não mais a esqueci.
Depois, a vida seguiu. O Colégio fechou, a menina loira cresceu, o Senhor Reitor partiu, e até o meu Liceu mudou de nome e de lugar. Mas a ternura pela menina continuou.
Agora, a menina traquinas faz bonecas originais, cheias de narrativas a haver. E eu tenho cá em casa uma Rosette, linda e de nariz arrebitado, esperando a chegada da minha neta adorada. 





A Rosette está um pouco impaciente, queria já conhecer a nova amiga. Pois é, Rosette, se a vida das bonecas especiais não é fácil, imagina a minha , que nem boneca sou!

terça-feira, 5 de maio de 2020

DIA MUNDIAL DA LÍNGUA PORTUGUESA

É a 4ª língua mais falada no mundo, a nossa. Mas deve ser a mais mal falada, a mais desvalorizada e mal-querida. A língua portuguesa, com direito a ser considerada língua, e não simples falar, desde 1536, com a criação da Primeira Gramática, tem, nos últimos anos, sofrido verdadeiros ataques mortais.
Claro que uma língua, estrutura viva e dinâmica, evolui, sofre alterações, transforma-se. Obviamente, a evolução social, o contacto com diferentes realidades, o trabalho dos artistas da língua, impede que esta cristalize no tempo. E é bom, acho eu, que estas transformações naturais aconteçam.
O que seria da língua portuguesa sem Vieira, sem Camilo, sem Eça, sem Saramago, sem Sophia, sem Mia Couto? O que fariam as crianças se não pudessem garotar, o que faria Carlos da Maia, para além de gouvarinhar, num país eternamente atrasado? O que seria dos poetas, se não pudessem poetar?
No entanto, para além destas transformações, há outras que, aos meus olhos de amante da língua portuguesa, doem e ferem, Onde, e o quê, espetarão os espetadores num teatro? O que será tatear no escuro? Como fazer um projeto sem o c? Enfim, tantas alterações que, porque impostas e abru(p)tas, vieram, a meus olhos, adulterar a nossa língua.
Hoje, Dia da Língua Portuguesa, seria um bom dia para ouvir o governo de Portugal reconhecer que o (des)acordo ortográfico falhou e que, por isso, vamos voltar a poder escrever sem erros. Era, acredito, o presente que a Língua Portuguesa mais apreciaria.
Sophia, a minha poeta de eleição, recusava o termo poetisa. Procurava a pureza do significado. Eu, não ouso ir tão longe. Mas não gosto do AO e, por muitos esforços que faça, não consigo compreender um país que diz amar a sua língua e permite que existam dois registos da mesma: - Autores que recusam o AO, e declaram, mesmo publicando obras, que escrevem em desrespeito pelo mesmo; autores que o adoptam. 
Vale tudo, neste Dia da Língua Portuguesa!

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Eu sou uma mulher de fé. Se o não fosse, como teria sobrevivido a tantas tropelias com que o destino me presenteou? No entanto, nem eu sabia a força dessa mesma fé...
Há uns dias, apareceram dois enormes rafeiros alentejanos, durante as minhas caminhadas solitárias pelo meio da Serra, e eu apanhei um valente susto. Já fui mordida por um cão, rafeiro alentejano também, e os 27 pontos que, na altura, levei na barriga da perna não me deixaram saudades. 
Ora, quando vi os dois rafeiros a correr para mim, fiz-me forte, levantei o meu apoio de caminhada e, com voz (relativamente) firme gritei - Vão já para casa!. - Dei meia volta, e, com o coração aos pulos, vim eu para casa. A eles, o dono, pastor, assobiou fazendo-os regressar.
Ao contar este episódio a uma senhora que mora aqui perto, mulher de campo e decisões, ela disse-me_ Quando isso acontecer, a senhora não tenha medo e não fuja. Olhe para eles e diga bem alto "entre eu e o cão esteja sempre S. Romão". Achei graça, mas, sinceramente, duvidei da eficácia da afirmação.
Hoje, ainda há pouco, já no regresso, sairam-me ao caminho outros dois cães, sem raça, de dentes bem arreganhados para o meu Zorba. Eu parei e gritei: - Entre nós e o cão esteja sempre São Romão!.- E não é que eles recuaram e nos deixaram em paz?
Agora, vou tentar pesquisar uma oração para manter afastados alguns bípedes que, sem arreganharem os dentes, me atacam mais ainda.

domingo, 3 de maio de 2020

DIA DA MÃE


Poema à Mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade ANDRADE, E., Os Amantes sem Dinheiro, 1950.


sábado, 2 de maio de 2020

SEM MISTÉRIO

Está esclarecido o mistério que, afinal, não tem  uma história fantástica, intensa, por detrás. Muitas vezes, ou quase sempre, a imaginação transcende a realidade e, mais uma vez, foi o que aconteceu. O barco azul foi instalado, abandonado, ali, no meio da Serra, longe das ondas e do fascínio das viagens, porque o dono, que é de Leiria, comprou o terreno para fazer uma casa e, porque o preço do cais era alto, trouxe o barco pensando usá-lo nas barragens. Ora, o Parque Natural não autorizou (por enquanto) a construção da dita casa e, por isso, o dono do terreno raramente aparece. O barco ficou, a marcar território.
No entanto, garantiram-me, há um jovem portalegrense, que tem um terreno perto, que tem vontade de comprar o barco azul. Será que, um dia, o barquinho de que eu já gosto tanto vai voltar a navegar? Eu gostava de poder comprar o barco azul. Há uma empatia entre nós os dois e, quero crer, havíamos de nos dar muito bem os dois.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Dia do Trabalhador

Este é um dia que me diz pouco. Ao contrário do 25 de Abril, que sempre me cheira a liberdade e sabe a novos temperos existenciais, o 1º de Maio nada me diz. Gostava mais que, como acontece em muitos países europeus, se festejasse o 8 de Maio, final da Segunda Guerra Mundial, com flores e ternura.
Obviamente, não interessa a ninguém o que eu acho, penso ou desejo, e, por isso mesmo, eu tento aprender a guardar para mim os meus pensares. Mas não é fácil...
Indiferente ao feriado, vou para o campo. Vou caminhar, hoje sem chuva, vou olhar a imensidão de vazio que é tão meu, vou enganar as dolorosas e dilacerantes saudades que sinto por não poder abraçar os meus netos e as minhas filhas!