quinta-feira, 31 de julho de 2014

PACIÊNCIA

Já não tenho paciência para muitas coisas. Não que me tenha tornado snob, ou sequer adquirido a mania da superioridade, mas porque acho que, com 54 anos, é tempo de poder assumir que não tenho paciência para muito do que faz o quotidiano. Não tenho paciência para a hipocrisia, que me magoa quando o sorriso morde; não tenho paciência para frases feitas, pessoas vazias, ordens irracionais e comentários maldosos. Já não me apetece perder um minuto com a falta de reconhecimento, com as injustiças vigentes, com a inveja e a estupidez feita chefia. Não estou mais disponível para chorar por quem me rouba a paz, não vou mais fingir que compreendo o que é, para mim, incompreensível! Não estou mais disponível para os falsos amigos, para o egoísmo, para a crítica alheia de quem  não reconheço valor. Não vou mais concordar com o absurdo, não vou assinar de cruz as anormalidades profissionais com que me confronto.
Se a idade me oferece alguma coisa é, com certeza, a possibilidade de não ter paciência para quem não merece a minha paciência!

quarta-feira, 30 de julho de 2014

GEOGRAFIA

Sempre fui uma péssima aluna a geografia. Aliás, ainda hoje tenho pesadelos com as aulas de geografia na sala corredor, a sala do fundo do Convento de São Francisco, onde vivi dos piores momentos como aluna, de pé em frente de um mapa, com um professor aos berros para que eu localizasse Nova Iorque...Hoje, já sei bem localizar Nova Iorque mas, confesso, geografia não é o meu forte. Nunca aprendi os nomes das nuvens, nunca sei se vai chover olhando o céu de véspera, e confiava muito mais na direcção dos fumos da Robinson do que nos meus conhecimentos. Agora, com a Robinson encerrada, oiço os meteorologistas e continuo sem perceber nada das explicações que dão... 
Vem esta confissão de ignorância a propósito do cenário com o qual, nestes últimos dias, me tenho deparado quando me levanto, pelas sete da manhã: - As nuvens estão a meus pés! Cobrem a cidade, deixam de fora o cume da Penha e surgem-me como claras em castelo acabadas de bater. Pego nos meus netos e mostro-lhes o fenómeno: - Estamos acima das nuvens! - Hoje, o Manuel Bernardo concluiu: - Estamos no céu, avó! Vamos chamar o Menino Jesus! . Garanti que o Menino Jesus tinha ido de férias para outro céu, com praia...

domingo, 27 de julho de 2014

INCREDULIDADE


Há uns dias que, voluntariamente, ignoro o mundo. Não tenho visto noticiários, não tenho lido jornais e, quando ligo o computador, mudo num instante de página para não esbarrar nas notícias. Soube do caso BES, das suspeitas sobre Ricardo Salgado, dos três milhões de caução, em viagem, no noticiário breve da M80 que, agora, resolvi escolher como estação preferida. Neste alheamento consciente, tenho aproveitado cada minuto com os meus netos, com o Fluffy, com a minha filha que vive longe. 
Hoje, movida por uma espécie de sentimento de culpa, será correcta esta minha fuga?, decidi-me passar os olhos pela actualidade. Ficou-me uma dúvida: - Vivemos num mundo humano, ou apenas num infinito de estupidez animal (sem ofensa para os bichos)? Muito mais grave do que a história de Salgado, é o crime do Médio Oriente onde, diariamente, morrem e sofrem crianças inocentes. Onde estão as organizações internacionais, onde está a ONU? Como podemos continuar a fingir que somos civilizados enquanto morrem crianças e inocentes?
Olho o mundo que integro e não compreendo. Porque é que não conseguimos dar razão à essência que nos faz considerarmo-nos humanos? Porque fazemos guerras até de coisas pequenas, porque esticamos ausências, porque invertemos prioridades, porque insistimos em praticar o ódio e a agressão?

Acho que vou assumir a minha cobardia e continuar a ignorar o mundo que integro. Prefiro a minha solidão silenciosa, sempre que a alternativa é ódio e raiva!

domingo, 20 de julho de 2014

NÃO

Não me peças palavras
Não me exijas respostas.
Dá-me colo,
Dá-me silêncio quente.
Fica aqui. 
Deixa passar o medo, 
deixa esgotar-se o tempo.
Depois, breve, vai.

sábado, 19 de julho de 2014

A LUA

Há três dias a lua nascia gorda, enorme, sobre o mar das minhas férias. Surgia imensa, obrigava a grande amplitude de marés, permitindo-me  andar pela beira-mar em longas extensões de areia. Hoje, não há lua, não há férias, não há caminhadas. 
Hoje, com mais 46 exames de 2ªfase para corrigir, procuro nas memórias recentes forças para resistir.
Hoje, lembro a lua imensa, a lua que sem luz ilumina, e penso nos contrastes do quotidiano. É estranho viver, às vezes.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O acordar

De manhã, bem cedo, quando o sol ainda nem se espreguiçou, a praia está vazia e pura. Da varanda, ouvindo as gaivotas, vejo o acordar de mais um dia quente. 
Dentro de algumas horas, tudo muda... Pelas onze, quando o sol escalda, na praia há uma Amazónia de pernas. Caminho à beira-mar, olhando as férias, espreitando, ainda que involuntariamente, vidas alheias. Há mulheres de todas as formas, gordas e magras, velhas e novas, grávidas e avós. Há fatos de banho, há muitos biquinis e há quem passeie de maminhas ao léu, absolutamente indiferente ao facto de as ter espetadas e duras, ou caídas e flácidas. Os homens ostentam tatuagens, barrigas, chapéus e olhares mais ou menos gulosos. Nesta selva de corpos quentes, só as crianças parecem, de facto, em férias, correndo e rindo, construindo castelos e escavando piscinas na areia molhada. 
Na praia há, também, sons diversos. (Parece, felizmente, ter passado a moda de carregar um rádio aos berros). Agora, ouvem-se anunciar as bolas do Manel, mais doces que o mel, ou as bolinhas light da Rosa, ou ainda as bolinhas de berlim com recheio de chocolate. Mais baixo, ouve-se anunciar pulseiras, colares, animais de arte africana, paréos e vestidinhos de algodão. São senegaleses os vendedores que, suando, se aproximam das espreguiçadeiras e tentam vender os seus produtos num sorriso desdentado e num francês aportuguesado. Carregam um olhar triste, cheiram a corpos sem água, sorriem como se mordessem a  consciência das gentes.
Hoje, neste Julho de 2014, a praia é um lugar diferente. É o espaço onde a modernidade vai a banhos sem, no entanto, tirar os sapatos de salto alto.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

FÉRIAS

Chegaram! Sem tambores, sem fanfarras, arrastadas e atrasadas, chegaram as minhas férias. Por oito dias vou tentar, tentar..., ignorar que o mundo gira sempre. Vou fazer de conta que sim. Que estar viva é óptimo, que o mar me fascina e que abri uma brecha na existência. Bem cedo, vou caminhar à beira-mar, à tardinha vou partilhar o anoitecer com as gaivotas.
Férias! Da Vida, sobretudo.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

SALVAÇÃO

Na televisão passeiam os reis de Espanha. Dois jovens que carregam uma herança pesada e pelos quais eu tenho alguma simpatia. 
Vejo-os e não consigo deixar de pensar nos contrastes da vida. Numa era de tecnologia, num tempo no qual parece prevalecer a relatividade e a ignorância de Valores humanistas, há um jovem casal que vive preso ao protocolo. Em nome de quê? Até que ponto fará sentido nascer condenado a um destino que não se escolheu? O facto de Dona Letizia conhecer a vida normal (porque ser rainha não é, para mim, normal), faz com que eu a admire mais ainda. Quero acreditar que este jovem casal não precisará de bóia de salvação para se manter à tona da decência e da vida...

IMPORTANTE?

Cada vez mais, talvez culpa da idade, acho menos importantes as coisas importantes. Não tenho espaço emocional para a invejazinha, para os olhares que causam movimento excessivo aos olhos, para o encompridar de ódios mesquinhos. 
Realmente importante é o amor. A confiança, a certeza de que uma gargalhada, um abraço, um olhar apenas, podem mover montanhas. Às vezes, olhando o mundo, apetece-me rir. Rir às gargalhadas da pouca importância que as coisas importantes têm de facto!
Quando aprendermos, todos (eu especialmente) a rir da falta de importância que têm as coisas importantes, seremos, com certeza, muito mais felizes!

sábado, 5 de julho de 2014

A LETRA DO FADO


Uma mala pequenina, com rodinhas, servia-lhe perfeitamente. 
Enrolou dois vestidos, enfiou as coisas da toilette, apertou para que coubesse a toalha e o fato de banho e partiu. Consigo levava ausências muito presentes, companhias mudas, possibilidades impossíveis trancadas no coração. Teria dois dias de oferta a si mesma, de silêncio e mar, de sol e praia. Uma brecha na rotina como gostava de dizer. Talvez, em dois dias, muita coisa mudasse, quem conhece os desígnios do destino que fazem a

letra do Fado?

quinta-feira, 3 de julho de 2014

SOPHIA

"Quando eu morrer voltarei para buscar os instantes que não vivi junto ao mar" - É o poema de Sophia de Mello Breyner que sempre me acompanha. 

Quando eu era miúda, teria doze ou treze anos, conheci Sophia. 
Os Contos Exemplares, uma oferta de aniversário, foi o primeiro contacto. Ainda hoje tenho esse livro, de capa azul e branca bem gasta, guardado na desordem das minhas prateleiras. Desde então, não mais perdi Sophia!
Um dia, já professora, fui ouvi-la numa sessão, no Porto. Fiquei um pouco desiludida, confesso, porque a achei distante, pouco simpática. Hoje, com a clareza que o tempo confere aos factos, sei que há uma distância enorme entre a escrita e o escritor; na altura esperava, inconscientemente, vê-la surgir na espuma das ondas, leve e densa como as palavras que escrevia... 
Sophia é, agora,  minha companheira de insónia. É o lugar de Palavra onde volto sempre com gosto, é a escrita que, inesperadamente, se faz citação dentro de mim "Este é o tempo dos chacais". E é o meu tempo também, feito de muitos tempos plurais e nem sempre significativos.
Sophia é também a escrita aventureira, dando-me o sabor  do prazer da viagem, a magia do Cavaleiro da Dinamarca, a ternura da Menina do Mar, o mistério do Búzio.
Sophia fica bem no Panteão, claro. Mas fica muito melhor na nossa companhia, na dos vivos, feita leituras, feita presença, ganhando a imortalidade que só se consegue continuando Viva. Para mim, leitora habitual, Sophia é sempre Enorme, é sempre Mar, é sempre Verdade, é sempre Razão.
Para mim, professora de português, Sophia é uma leitura obrigatória, é a porta grande para aceder à magia grandiosa da Palavra!