sábado, 28 de novembro de 2020

Tempo com Tempo

Nem tudo é sempre mau, nem tudo é completamente bom, nem sempre a alegria impera, nem sempre as lágrimas correm. Às vezes, talvez à medida que as rugas crescem na minha alma, penso que as maldades da vida, das gentes e do mundo, podem encerrar oportunidades. Esta pandemia, terrível sem dúvida, este isolamento imposto, a mágoa e o vazio, têm-me oferecido tempo de muita qualidade. Não me lembro, por exemplo, de ficar na cama até às 9,00h, de andar de camisa de dormir beberricando sucessivos cafés, de dançar sozinha abraçada à voz quente do Zambujo e da Ana Moura. Nem tudo é sempre, afinal!

E agradeço a Deus, ao meu Deus feito Cristo a quem confesso os meus temores, a segurança de ter casa, a paz de poder proteger-me, o privilégio de ainda poder sorrir. Apesar de.




quinta-feira, 26 de novembro de 2020

A MEU VER

 Como todo o mundo racional, sem dúvida que olho com apreensão a pandemia. Não acredito na frase gasta do "Vai ficar tudo bem", porque vejo que muita coisa já não pode ficar bem, que muitas mortes aconteceram e que a miséria cresce, diariamente, de forma escandalosamente absurda. 

Leio, oiço, penso e tenho medo. Não confio nos decisores portugueses, como não confio na maioria dos decisores que dominam o mundo, receio a pouca eficácia das anunciadas vacinas, tremo a cada amanhecer.

Mas, sei bem, é preciso viver. Resistir e, claro, prevenir. 

Não consigo por isso compreender que haja instituições que continuam a pensar que é tudo uma brincadeira, que abrindo janelas e arejando salas todas as infeções se evitam.  Como é possível? Como posso aceitar, e obedecer, a ordens que convocam professores para reuniões presenciais quando, penso eu e dizem os cientistas, quanto mais isolados todos nos mantivermos, com maior eficácia poderemos evitar contágios? 

Dizem-me, argumento oco de razão e longe de inteligência, que as salas são grandes, que se arejam. Eu rir-me-ia se não tivesse uma incrível vontade de chorar! Não percebo! Às vezes, penso cá para mim, parece haver decisões que têm como único propósito e sustentação mostrar serviço, afirmar o tal pequeno poder que tanto me irrita!

E eu hoje estou assim. Irritada. Revoltada. Triste. Sem forças para alinhar, calada,  na estupidez vigente.

sábado, 21 de novembro de 2020

COBRAS

 

Fui caminhar, pisar a suavidade do chão de outono, brincar com os cães, olhar o mundo sem gente de que tanto gosto. Comigo levei os sonhos, as saudades intensas que me fazem sofrer - TANTO! -, as preocupações pessoais, sociais, profissionais também. No tanque senti o cheiro forte do tufo de hortelã. Recordei Cesário, o Bairro Moderno, a miúda desgrenhada e feia com a meia azul rota, a hortelã que cheira. Perto, a cobra que, acho eu, vive no tanque. Pensei que, na Natureza como na vadia, nem sempre o chão é macio e, sem que demos por isso, surgem cobras perigosas e ameaçadoras, por vezes. esta cobra era preta e verde, cobra de escada dizem-me os vizinhos, sábios de toda a natureza. Não fazem mal mas, ainda assim, é melhor a senhora não se aproximar para não a irritar, recomendam. e eu lamento não ter, na vida com gente, quem me avise dos perigos, quem e recomende a distância...



sexta-feira, 20 de novembro de 2020

PENSAR

Infelizmente, cada vez mais pensar é uma actividade de risco. Tenho, sinceramente, muita dificuldade, cada vez mais, em aceitar só porque sim! Porque alguém disse, porque sempre foi assim, porque é chato para um ou para outro, são justificações que me ficam excessivamente curtas. Além disso, para que serviria a democracia, a liberdade de expressão, as aprendizagens constantes, se não pudéssemos esgrimir argumentos, confrontar ideias, discutir opiniões? 

Decididamente, eu não tenho jeito para ovelha e não me encaixo em rabanho algum!

E vem tudo isto, outra vez, a propósito do meu quotidiano profissional. Porque é que discirdar, fazer uma sugestão, ter uma opinião contrária (mesmoq eu contrária à da maioria) tem de ser encarado como uma agressão, uma forma de criar problemas? Sinceramente, para mim, criar problemas é abanar a cabeça e não pensar, cumprir disparates porque disseram para fazermos assim, ou assado. 

Se os professores são, ou devem ser, cosmopolitas, seres pensantes, leitores da realidade, inteligentes, porque não pode a Escola ser um lugar de diferenças e troca de opiniões?

Não! 

Contam comigo para muita coisa, gosto muito do que faço, mas ingressar no rebanho do quero lá saber, não é para mim. Mesmo!

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

TRANSFORMAÇÃO

 Este 2020, ano bissexto dos meus 60 anos, tem-se revelado o pior possível! Somam-se perdas, crescem vazios, aumentam as dificuldades, tornam-se rotina os absurdos. 

Voltando à Escola, e de novo com uma turma à minha frente, sinto, e penso, no enorme desafio que se me coloca. Como educar para o desconhecido, para o imprevisto? E concluo que, com certeza, não conseguirei cumprir os desafios mantendo as rotinas de um tempo que, porque é passado, perdeu o sentido. A Escola de 2018 não serve em 2020, como poderá servir a de 2000, ou de 1974??

Desafio os miúdos para o desenvolvimento do espírito crítico, para o sentido estético,  para a urgência de encontrar novas respostas, para o fascínio de construir sentidos com palavras. Sinto que têm dificuldade, querem regras e segurança, e eu tento o equilíbrio neste voluntário desequilíbrio no qual quero que desenvolvam competências. 

Tento desenvolver neles a autonomia, o sentido de responsabilidade, o gosto pela ousadia consciente. Tento... 

Olho, de novo com tristeza e susto, a Escola de hoje. Há tanto por e para fazer. E não, agora, o que não acontece não tem como justificação os documentos legais, as orientações da tutela. não! Bem pelo contrário...

Este não tem de ser "o tempo dos chacais". Este tem de ser o Tempo da Verdade e da transformação do mundo, logo, da Educação!

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

ANIVERSÁRIOS

 Na vida a gente cruza-se com muitos olhares, muitas pessoas e muitas formas de agir e pensar. Muitos destes encontros não significam nada, não deixam marca, não deixam rasto sequer. 

Se eu fosse adepta das matemáticas, o que obviamente não acontece, creio que poderia garantir que mais de noventa por cento das pessoas com quem me cruzo nada me deixaram, nada levaram de mim. 

No entanto, há pessoas, mesmo que numa percentagem mínima, que nos marcam e que, mesmo partindo e deixando-nos, nunca nos abandonam completamente. Pelo menos, a mim acontece assim.

Há muitas pessoas que me marcaram e que, ainda que afastadas, continuam, e continuarão, sempre comigo. Algumas, morreram. Fizeram correr muitas lágrimas, deixaram um vazio imenso eterno na minha existência. Outras, vivas, optaram por partir também. São ausências por opção, racionais, resultantes de escolhas que  eu aceito e compreendo. Mas, ainda assim, são vazios que ficam, são opções que doem.

Felizmente, eu posso guardar para sempre comigo aqueles que me são importantes, trancados nas minhas memórias, presos à minha emoção.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

SEM DÚVIDAS

 Há uma apaziguante sensação de conforto, de estar em casa e calçar pantufas, quando se regressa aos clássicos. Camilo é, muitas vezes, quem me recebe; mas Eça também, Sophia quase diariamente. 

Hoje, sufocada por angústias que, tendo origem no exterior, parecem criar raízes no meu interior, escolhi Vergílio. Abracei-o com força, saboreei-lhe cada palavra e, se não me secou as lágrimas, sem dúvida amaciou o meu anoitecer.

Não tenho dúvidas, nenhumas mesmo, de que o melhor lugar para sobreviver à pandemia é dentro de um livro!