sábado, 31 de agosto de 2019

ESPALAVRAR

Gosto de espalavrar. Ou seja, gosto de brincar com as palavras, espalhando-as a meu gosto, desarrumando-as e criando com elas momentos de cumplicidades. E hoje, pelo menos agora, apetece-me falar de Amor. Não de amar. Porque amar é verbo e, como tal, exige mais acção, muitas pessoas presentes e/ou ausentes, atenção redobrada aos tempos e modos.
O amor, não. O amor é mais substantivo, é e pronto. Por isso, apetece-me olhá-lo e falar. Ou escrever, que é a forma de falar sem ser interrompida... 
O amor é uma dimensão humana, ética, um potencial de possibilidades. Por amor se sofre, se dão gargalhadas, se ousa, se desiste até. O amor devia ser, mas não é, um dos principais motores da nossa existência porque, se nos movêssemos  a amor, em vez de nos movermos a euros, interesses pessoais, mesquinhez e hipocrisia, tudo seria mais fácil e todos seriamos mais felizes.
Eu acredito que toda a gente já usou amor. Nas coisas mais simples, como olhar um filho a fazer asneiras, nas mais complicadas, como aceitar o que não se compreende (o que custa que se farta!). Hoje, agora, quando o calor é tanto que nem na piscina se pode estar, estico-me no sofá, fecho o livro, e chamo o Amor. Ele vem. 
Vem de mansinho e instala-se. Vem carregado de saudades, de desilusões, de esperança também. Traz água salgada que me enche as bochechas e ocupa o meu  eu inteiro. Inteirinho, mesmo!

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

A ESCRITA


A palavra, escrita e até dita, é em si mesma uma entidade fictícia. Usamo-la para discutir, para pensar, para construir afectos, para desconstruir chatices, para criar também. A Literatura é, exactamente, o trabalho sobre a palavra, a sua utilização, na construção da tal dimensão que, acho eu, nos torna humanos : - a Arte!
Ora, assim sendo, o que lemos nos blogues, no facebook, nos romances, nas histórias, não tem de, obrigatoriamente, ter correspondência com a realidade, não deve ser lido como exposição do autor. O narrador é, ele mesmo, uma ficção do autor!
Alguém sabe se Eça de Queirós amou a irmã? Alguém tem a certeza que Balzac viveu todos os problemas sociais sobre os quais escreveu? 

Pois é, a escrita não pode ser lida, ou compreendida e interpretada, colada ao real!
Aliás, como diz Fernado Pessoa: "Sentir, sinta quem lê!"

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

INCÓMODOS

Gosto muito de crianças, e tenho por elas o maior respeito. Para mim, as crianças são sempre possibilidades de um mundo melhor e eu quero, mas quero muito, um mundo melhor. 
Sei, infelizmente, que há no mundo muitas crianças infelizes, maltratadas, abandonadas e vítimas da maldade dos adultos. Sei tudo isto, e custa-me não poder fazer alguma coisa para as ajudar.
Mas mais perto de mim também me confronto com situações que considero de maus tratos que muito me incomodam... 
Revoltam-me algumas situações! Obviamente, dir-me-ão que os pais é que sabem, que apenas eles podem decidir, mas eu não concordo. Não consigo compreender como se autoriza a presença de crianças a partir dos três anos em espectáculos que têm início à meia-noite! 
E vem tudo isto a propósito das Festas do Crato. 
Ontem, eu fui ao Crato. Cheguei pelas oito da noite e, enquanto jantava, vi por ali muitas crianças, algumas até em carrinhos de bebé. Para mim, no meu silêncio, pensei que aquele ambiente não era para crianças, mas nada disse. Quando os Gipsy Kings começaram a actuar, quando os adultos se abanavam a ritmos latinos, reparei que continuava a haver por ali muitas - MUITAS - crianças. Umas choravam, desesperadas, pedindo para ir para casa, alegando as dores de barriga que oportunamente surgem nestes momentos; outras, desligadas da realidade, sentadas no chão e coladas aos telemóveis, ignoravam o espectáculo. 
Incomodou-me. 
Ser Mãe e Pai, para mim, significa fazer sacrifícios e, sinceramente, deixar de ir a um Concerto por ter crianças pequenas nem me parece dos maiores...
Vejo tanta indignação porque, na Escola, se quer ensinar o respeito pelo outro e, afinal, em algumas casas nem os filhos se respeitam.
Eu sou acérrima defensora da liberdade mas, às vezes, o absurdo é tanto que até acho que o Estado devia impedir alguns comportamentos. 
Em espectáculos a partir das 22,00h só deviam poder  entrar maiores de 16 anos! 



sábado, 24 de agosto de 2019

ANIVERSÁRIO

Estava previsto que nascesse a 15, e a 16 de um Agosto  tórrido, já há 37 anos, começaram os sinais. Nasceria, a minha primeira filha, no dia 24, às 21,15, numa cesariana apressada. Lembro-me desse dia de angústia, e lembro-me, também, da alegria de a olhar, muito magrinha, olhando-me fixamente (achava eu) e segurando o meu dedo com a força com que obrigaria a vida a cumprir-se.
A minha filha mais velha significou uma total viragem nas minhas prioridades. De repente, tudo o que não fosse por ela, ou para ela, passara para segundo plano. Para sempre!
A minha filha cresceu num instante, e eu desfrutei cada descoberta, cada queda também. 
Hoje, a minha filha faz 37 anos longe de mim, no país que escolheu para ser feliz, com a família que construiu. Está longe e eu tenho-a aqui comigo, olho-a nas mil fotografias e converso com ela.
Obrigada vida. Obrigada por ter o privilégio de ser mãe desta Mulher incrível!

PAPEL HIGIÉNICO ??

Nos últimos dias, a par com a calamidade que tem sido o incêndio na Amazónia, em Portugal levantaram-se vozes indignadas em relação ao Despacho nº 7247/2019. 
As redes sociais encheram-se de revoltados e ofendidos e houve até que viesse exigir - acho sempre curiosa a ideia que toda a gente tem de exigir - que o mesmo Despacho fosse anulado. Confesso que nem sempre presto a atenção devida à legislação mas, quando se trata de Educação, leio com muita cuidado. E foi o que fiz.
O Despacho em causa vem operacionalizar a Lei nº 38/2018, onde se consagra o direito à autodeterminação sexual. Reli e li e reli o Despacho. Porquê tanta indignação? 
O que se legisla, e me parece da maior relevância e sentido, é a possibilidade das Escolas tratarem de igual modo todas as crianças e jovens, sem discriminarem aqueles que não encaixam no modelo tido como correcto. 
Há, de facto, pessoas - PESSOAS - que não são o que a anatomia destina. Há rapazes presos em corpos de raparigas, há raparigas trancadas em corpos de rapazes. 
Porque tudo muda e, felizmente, o mundo evolui, é hoje possível corrigir estas alterações e permitir a cada um viver a sua verdadeira essência. Sem dramas, sem culpas, sem dedos apontados!
O que o despacho vem dizer é que as Escolas devem utilizar o nome que cada indivíduo escolhe, deve respeitar a transformação ocorrida e não deve contribuir para aumentar o sofrimento que uma situação destas muitas vezes provoca. Trata-se, apenas, de legislar para as pessoas, para a singularidade e para a diferença, em vez de para uma igualdade que nunca existiu.
(Quando eu era jovem, no meu Liceu havia um caso de um jovem homossexual. As humilhações, as agressões que ele sofreu foram tantas que teve de abandonar o liceu. Parece justo? A mim, não!!)
O mesmo Despacho diz que os professores necessitam de formação para lidar com estas situações. Eu quero fazê-la! Eu quero aprender a ser uma professora mais capaz de ajudar os meus alunos a serem Pessoas. São os professores que têm de acompanhar estas situações? Mas, claro! Os juízes, médicos, os contabilistas, etc. não estão nas Escolas!
Nada no Despacho diz que os rapazes que quiserem vão às casas de banho das raparigas, ou vice-versa. Nada no despacho diz que não é importante e necessário que exista papel higiénico nas casas de banho das Escolas,  outra barbaridade que tenho ouvido...
Tenho muita pena que, em Portugal, quando algo de positivo surge, o debate se centre em torno de questões ridículas e paralelas. Ainda bem que o Despacho nº 7247/2019 está publicado.
Ainda bem que se começou, desde a homologação do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória em  setembro de 2017, a olhar a individualidade de cada aluno.
Como mulher, mãe, avó, professora e cidadã, aplaudo este novo Despacho!

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

DESGOSTAR

Quando as crianças partem, quando as coisas voltam a estar no lugar e o silêncio se instala, a minha casa cresce assustadoramente e a solidão oprime-me. 
Os meus netos, as minhas filhas, enchem o meu Tempo de sentido(s). Quando chegam, cada segundo ganha vida, cada hora, ainda que mais cheia de cozinhados e arrumações, torna-se válida. Depois, quando partem, o silêncio fere-me e eu volto a pensar no que é o meu eu-sem-filhas-nem-netos. 
É pouco. É um Eu de desejos calados, de saudades constantes, de memórias ternas e irrepetíveis. 
Agora, com ainda alguma desarrumação e sem vontade de arrumar, penso nas muitas perdas, nas muitas desistências. Queria poder aprender o desamor. Gostava de ser capaz de desgostar de algumas pessoas para que, talvez, a minha solidão doesse menos.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Conjugações

O meu pai costumava dizer, brincando, que eu era boa a conjugar o verbo ir. Se me visse agora, ia ficar admirado com a minha capacidade de conjugar o verbo ficar. Cada vez gosto mais de ficar, de fugir ao mundo, de me proteger dos outros no meu casulo. Hoje, fiz uma deliciosa caipirinha e, com os cães por companhia, gozei uma verdadeira tarde de férias!

domingo, 11 de agosto de 2019

O Livro do Império

As palavras escritas são, para mim, entidades mágicas. Sempre li muito, em miúda para fugir aos outros, mais crescida para encher muitos vazios. Perco-me nos livros, apaixono-me pelas personagens e converso com elas com frequência.
Hoje, de madrugada, terminei a leitura do Livro do Império, de João Morgado. 
Agora, que cheguei à última página, vou ter saudades de adormecer com Camões, vou ter medo da mulher de negro. 

NORTE-SUL-NORTE-SUL

Vim do sul, da "minha" praia da Rocha, de dias óptimos e noites quentes e rumei ao Norte. Verde Minho, milhares de emigrantes de olhar turvo de saudades cansadas, estradas perigosas e  ternura dos netos. Olhei o mar do Norte, escuro e intenso, pensei os meus pensares, bebi vinho verde - bem gelado!- e rumei de novo ao Sul. Mais netos, os afectos intensos que as saudades tornam mágoas. E sol, mergulhos, gargalhadas. Logo, cedo mesmo, a subida até a capital do reino, a essa cidade que já não é minha, onde predomina o turismo, os ataques a essências, o culto das aparências. E eu a vestir-me de turista também, mascarando a alma, a identidade que me faz calar tanta dor, iludir grande revolta. 
Férias são isto? Sim, são a fuga à realidade, ao quotidiano, às exigências de horas. Férias são, para mim, tempo de fugas. 
Fujo de mim, afinal. 
E sempre me encontro, à noite, seja olhando o Tejo que substituiu as ninfas pelo Hippotrip, seja nas praias que abarrotam de corpos tatuados, seja no Minho que trocou o verde da canção pela cinza e o negro do fogo.

sábado, 10 de agosto de 2019

Siesta ao jantar

A praia de Algés, reza a história, já foi lugar de nobres, de gente endinheirada, praia de ares puros. Hoje, é um rio oleoso e sujo, uma areia negra que mete nojo e a torre de controlo, até essa inclinada, que nos recebem. Felizmente, existe o La Siesta onde, com Margaritas saborosas, se tenta ignorar o cenário exterior. Há pouco, com os meus netos, jantei


lá muito bem. A dificuldade foi, no regresso ao Chiado, explicar ao Manuel Bernardo, verdadeiro inglês, porque razão os portugueses escrevem nas paredes e até nos monumentos!!

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

MULHER

Obviamente a brincar, costumo dizer que o Criador, quando fez o homem, ficou tão desgostoso com a sua obra que decidiu convertê-la em rascunho. Num borrão. Olhou com tristeza a criação, pensou como fora possível que Ele, perfeito, tivesse construído algo tão imperfeito e, para se redimir, focou-se em fazer algo realmente artístico: - A Mulher!
Como qualquer artista que se preza, escolheu com cuidado os materiais, procurou a Harmonia e esmerou-se nos pormenores. Podia, de facto, ter sido uma obra-prima, mas não o foi. Porque, acho eu, o Grande Artista, para compensar as falhas do borrão, abusou das emoções, da sensibilidade, da capacidade de amar. 
E é só assim que eu consigo compreender o que leva uma mulher a suportar o insuportável, a amar para além do razoável, a tentar limpar com lágrimas as nódoas negras que a vida lhe faz na alma.





quinta-feira, 8 de agosto de 2019

HIATO

Penso sempre que férias são hiatos na vida. Abre-se uma espécie de parentesis e, durante algum tempo, a vida real, essa que se faz de desilusões, mágoas, chatices, deixa de ser prioridade. É tempo de desligar a razão (quando possível) e ligar o eucomsentido na potência máxima. Neste tempo, de qualidade, até o corpo ganha nova cor, a gargalhada mais verdade. 
Claro que, só para chatear, nas férias também é preciso dizer adeus, também existem ausências e incompreensões mas, ainda assim, é este um Tempo de razoável desrazão. 
Como se os paradoxos fossem a verdade compreensível. Única.