quinta-feira, 30 de abril de 2020

MOLHAS

Há pouco, chovia muito na Serra. Vesti  o meu fantástico impermeável, óptimo companheiro de muitas viagens, e fiz-me ao passeio. Caminhei pela lama, sentindo a chuva, olhando o mundo embrulhado em nevoeiro e o céu chorando. Reparei no brilho, espantoso, de um enorme campo de fetos (dizem que são das plantas mais antigas do planeta) e reparei que as ovelhas não corriam. Quietas, encostavam-se umas às outras no meio do campo. Fui desfiando pensares. Medo desta pandemia sem fim, saudades, sonhos ainda por cumprir, dúvidas sobre algumas decisões que tenho de tomar. Cheguei a casa ensopada mas de alma lavada. Um duche, roupa seca, uma belíssima caneca de café e mais três horas de Zoom que me amarfanharam a alma. Fui deitar-mecedo, cedendo ao cansaço físico, mas a estafa mental não me deixa adormecer.




quarta-feira, 29 de abril de 2020

O PRIMEIRO DIA

Cheguei ao final do romance o primeiro dia, de Marc Levy. Um romance diferente, assente numa teia científica entre a descoberta do Universo e a do primeiro homem. Cruza visitas a Greenwich, com escavações na Etiópia, acasos com perseguições. O amor surge como acessório, o que achei curioso e tristemente real, e percorrem-se as páginas com crescente interesse. 
Como sempre me acontece, criei laços com algumas personagens e, agora, está-me a custar deixar partir a Keira e fechar a porta da casa de solteiro, naquela Londres que adoro, do professor Adrian. 
Com Levy andei por Amesterdão, onde fui imensamente feliz, pela Londres dos meus afectos, por Paris da minha juventude. Tive medo da tempestade de areia na Etiópia e surpreendi-me com as montanhas do Chile, bem altas, quase a fazer cócegas às estrelas.
Marc Levy, escritor francês um ano mais novo do que eu, nascido em 1961, teceu um romance épico que, sem dúvida, me provocou diferentes e intensas reacções. 
Aprendi que as marcas dos amores mortos nunca se apagam. E compreendi,assim, um pouco melhor a minha dor.

terça-feira, 28 de abril de 2020

PRIVILÉGIO

Apesar de os dias estarem a transbordar de vazios, não posso deixar de achar que sou uma privilegiada por poder caminhar nestes cenários. Caminho com o Zorba, dou dez mil passos (às vezes um bocadinho mais, outras vezes um bocadinho menos) e carrego baterias. Aqui, no meio da Serra, encontro-me comigo mesma, às vezes, também, com alguns fantasmas, mas chego a casa, sempre, com o corpo amassado e a alma fresca. 
Depois, vem a tarde. E ligo o computador, trabalho em torno da avaliação pedagógica, sofro desilusões e gozo momentos de esperança e confiança. 
Afinal, viver sem pessoas, confinada a um espaço natural assim, até sabe bem!




MALDITA DOENÇA

Continuam as mortes causadas pelo Covid-19. Os números são sempre assustadores e, quando oiço dizer que a maioria eram idosos, ou pessoas com outras patologias associadas, a minha alma treme. 
Talvez inconscientemente, o que dizem é que há vidas de primeira, e de segunda; que morrerem idosos não tem grande importância... Arrepia-me ouvir isto! Porque, para mim, a vida é significativa em qualquer idade e já sofri, e sofro, com a morte de algumas pessoas idosas que continuam a fazer-me falta. Ouvir estas afirmações faz-me pensar que estamos, se calhar, a olhar a vida como uma sucessão de dias para gastar, e não como a realização de algo essencial.
Max Webber dizia que "os homens já não morrem saciados de vida, mas simplesmente cansados" e, penso, talvez por olharmos a vida assim, aceitamos a morte dos mais velhos como um facto de somenos importância.
Tenho mais medo desta maneira de ver a vida, do que do Covid-19. Tenho medo do descuidado do outro, do desinteresse, do afastamento dos mais velhos. 
E eu já sou, também, dos mais velhos. Não tarda, terei desconto nos transportes e, temo, isso significará entrar à borla no último comboio de vida.
Não quero uma sociedade que banaliza a morte. Como dizia a avó Josefa, de José Saramago, a vida é tão bonita, e eu tenho tanta pena de morrer!

segunda-feira, 27 de abril de 2020

ORIGINAL


Não sabia qual era a finalidade desta forma de ornamentar uma vedação, mas achei piada à imaginação e perguntei. De facto, tudo se pode aproveitar... Esta garrafa de cerveja, presa com arames no ato do muro de vedação, afasta, garantiu a dona da casa, uma velhinha simpática, as moscas e as vespas, para que não cheguem às uvas. Se resulta? Fiquei com dúvidas mas, com um sorriso desdentado por entre um fundo de mil risquinhas de vida dura, a senhora jurou que sim.


Mais adiante, as giestas enchem tudo de branco, parece que choveu pureza. Aqui, não há ninguém, só eu, o Zorba e alguns cães vadios nada ameaçadores. Bem mais assustadoras são, penso eu, as pessoas que, sem ladrar, nos mordem os sonhos e destroem a esperança.

domingo, 26 de abril de 2020

ESCURO

É noite, está escuro e chuvisca. O sono não vem e, seguindo um conselho médico antigo, saio da cama, desisto de brigar com o sono escondido, ligo a janela do mundo e escrevo. Olho as fotografias dos últimos dias, feitos de muito silêncio, muita solidão física, excessiva virtualidade. É curioso como, na Natureza, no meio da Serra, tantos motivos, pretextos?, me desafiam para novos e diferentes pensares. 
É a árvore despenteada, a sugerir-me a minha própria desordem interior, é o perfeito buraco feito pelo pica-pau que gosto de ouvir, a lembrar-me que, muitas vezes, o que parece perfeito está cheio de vazio, é a velha nora a olhar com desconfiança as placas de energia solar, para que não me esqueça que a vida se faz de sucessões e não de perdas e abandonos. 
Talvez. Talvez  a natureza tenha razão. Mas eu sinto a dor de muitos vazios, de muitas mágoas, de ferimentos fundos provocados por pessoas que, algumas,  nunca sequer conheci. Podem herdar-se mágoas? Pode sofrer-se por causas indirectas?
Vou buscar água, e reparo que deixei a janela aberta e não há estrelas. Lá fora, só a noite escura, sufocante e húmida.
Quantas noites terei passado assim, desperta, tentando esquecer o que insiste em ser lembrado? Não gosto da noite.
E sei que ela existe sempre cheia de garantias, carregando novos possíveis, invariavelmente um diferente amanhecer. Não gosto já de surpresas. Desejo, ah como desejo, a segurança da rotina tranquila, a certeza de um adormecer profundo que raramente acontece...


sábado, 25 de abril de 2020

25 de ABRIL

O dia, hoje, acordou embrulhado num edredão de nuvens. Há muita humidade, a visibilidade é reduzida e algum frio voltou. Continua o estado de relativa emergência. Relativa porque, talvez por cansaço, ou porque estamos mesmo habituados a que tudo seja passageiro, as pessoas já circulam muito mais.
É, hoje, dia de memórias. A revolução faz 46 anos e as comemorações acontecem. 
Quando aconteceu  o 25 de Abril de 1974, eu era uma miúda. Não conheci a ditadura, em minha casa a política não era assunto e eu, penso agora, sempre vivi no culto da Liberdade.
Hoje, já velhota, tento colar os pedaços da Revolução. Sim, foi fundamental. Sim, não se pode viver em ditadura e a Liberdade deve/tem de ser cantada e vivida sempre. Mas, penso eu, os ideais do 25 de Abril ainda não estão conseguidos. Eu mesma vivi, há dois anos, uma situação a lembrar a PIDE, e, à minha volta, vejo ainda muitas arbitrariedades e injustiças que, curiosamente, surgem provando que o poder e o podre se escrevem com as mesmas letras.
25 de Abril não pode ser só uma data para agitar bandeiras, ainda que se possam agitar bandeiras. O 25 de Abril deve ser um dia para pensar e agir, para construir e não apenas recordar. 
 O 25 de Abril não tem donos, não pode ter caciques. Porque é de todos aqueles que defendem a Liberdade! 

quinta-feira, 23 de abril de 2020

DIA MUNDIAL DO LIVRO

Hoje, assinala-se o Dia do Livro. Eu sou suspeita, metade de mim, ou mais, são leituras e livros, mas defendo sempre que dentro de um livro é o lugar mais perfeito para se viver.
Nas Cantigas d' Amigo e de Amor, nas narrativas de Fernão Lopes, nos sentimentos e força épica de Camões, na sabedoria de Vieira, na intensidade romântica de Garrett, na força de Camilo, na ironia de Eça, nos sentidos coloridos de Cesário, na filosofia poética de Pessoa, na Beleza de Sophia, na intensidade de Vergílio, no telurismo de Torga, no sarcasmo de Saramago, no patriotismo de Alegre, faço-me eu pessoa.
Mas não só. 
Não seria quem sou, de certeza, sem Dostoievski, sem Yourcenar, sem Tomasi de Lampedusa, sem Régio, sem Isabel Allende, sem Luís Sepúlveda (Ah, o Velho que lia romances de amor!) sem Hemingway, sem tantos, tantos escritores e textos que sempre lembro e que, muitas e  muitas vezes, ora de forma violenta, incómoda até, ora com ternura e carinho, ocupam a minha cabeça e embalam os meus sentires.
Sophia dizia que "metade da minha alma é maresia" Eu, que não sou poeta, não resisto a dizer que metade da minha alma é literatura!

quarta-feira, 22 de abril de 2020

ESPIGAS

Nada a fazer. Sou um caso perdido, assumo. Eu sei, racionalmente, que mesmo não concordando há, no quotidiano, situações com as quais tenho de lidar. E aceitar. Mas não consigo ficar indiferente, respirar fundo, seguir em frente. 
Fico irritada e, às vezes, apetecia-me ser rã, saltar para um lago fundo e ficar lá em baixo sem ver o mundo cá fora.


Têm sido, nestes dias de confinamento, muitas chatices e desilusões! O on-line não me protege dos absurdos. Fujo como posso. Tranco-me no campo, recupero memórias
E lembro-me de ser miúda e, nesta mesma Serra apanhar estas ervas, utilizando o dedo polegar e o indicador, para as atirar às costas de amigas para saber quantos namorados seriam. Seriam o número de espigas que ficassem agarrados depois de sete saltos. 
Às vezes, tenho muitas saudades do tempo em que acreditava no poder das espigas.

terça-feira, 21 de abril de 2020

PODA(S)

Sempre que faço as minhas caminhadas, na constante companhia do Zorba, encontro motivos que provocam, desafiam, os meus sentires. 
Hoje, reparei nas oliveiras, excessivamente podadas, chorando seiva. Olhei-as com dó. Mais perto, reparei que, apesar dos golpes, elas começam a reinventar-se e, no topo, há já uns raminhos incipientes a gritar sobrevivência.


Fiquei a pensar que na vida da gente, nesta desorganização a que se chama humanidade, também, às vezes, acontecem agressões violentas, que fazem chorar e sofrer. Tal como as oliveiras, fazemos um esforço e, aos poucos, novos possíveis vão surgindo na espuma de cada dia.
Só que, acho eu, as oliveiras têm a sorte de não ter consciência, de não ter memória e, por isso, cada novidade é mesmo isso: - Algo inédito, a estrear. Na vida das gentes, às vezes, já falta o direito ao inédito, o direito ao espanto também.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

O QUE É NOSSO

Sou, assumidamente, adepta do pequeno comércio, dos produtos que vêm da Serra e de lugares que conheço. Não compro carne a não ser no Talho do Sr. Paulino e, sempre que a vida não me impõe supermercados (como acontece quando não estou em Portalegre), gosto de comprar fruta e vegetais no Mercado Municipal. 
Há um ou dois anos, já nem sem precisar porque o Tempo é traiçoeiro, abriu"A loja da Paula", mesmo ao lado do Mercado, e fiquei cliente habitual. De lá trago fisalis, morangos, cebolas ainda com terra, brócolos deliciosos, fantásticas tangerinas e uvas muito doces. De lá trago, também, o bolo finto do meu pequeno almoço.Lá tomo, às vezes, a bica rotineira.
Hoje, a Paula, sem tom de lamento, disse-me que as coisas (e eu entendi vida) estão muito complicadas. Tentei animá-la. 
Mas eu também sinto que a vida está a ficar difícil em excesso...Por isso, e a juntar a muitas outras razões, cada vez mais acho que devemos impôr-nos o hábito de comprar produtos locais e nacionais.

domingo, 19 de abril de 2020

O Barco AZUL

Sempre que o tempo permite, neste longo período de confinamento, gosto de ir caminhar. Normalmente, encontro um ou dois agricultores, muitas vezes ninguém. No meio da Serra, entre campos floridos, tanques de água fresca e árvores bem podadas, está um barco, coberto por uma lona, com ervas que, de repente, parecem as raízes do mesmo. 
Olho sempre o barco com estranheza. Porque é que aqui, a alguns quilómetros de praias e
barragens, há um barco? Quem será que desistiu de navegar? Quem, e porquê, trouxe o barco azul para o meio das flores amarelas? Tudo perguntas que, por não terem resposta, me permitem inventar histórias e razões.
Às vezes, penso que aquele barco levou um casal apaixonado, que foi o resultado de um sonho a dois e que, porque o amor se desfez, o dono o trouxe e quis esquecê-lo. Tinha de ser um homem, porque uma mulher não abandona algo onde foi feliz.
Outras vezes, como ontem, imagino que o barco ficou ali porque houve uma falência e faltou o dinheiro para voltar ao mar. Trouxeram-no para não pagar o cais, poderão um dia transformá-lo em canteiro.
Dias há, ainda, que sinto a tristeza profunda do barco azul. Ele não pertence ao campo, está infeliz e sofre por não sentir o afago das ondas no casco. Então, olho-o com especial cumplicidade e, baixinho, confesso-lhe que há desajustes que não acontecem só aos barcos azuis. Digo-lhe, nesses momentos, que o sal das lágrimas também salga e que há muitas ondas e tempestades que não vêm dos oceanos. Depois, volto para casa devagarinho. Ele, o barco azul, fica lá. Sempre. Imóvel e triste, desajustado e infeliz.

sábado, 18 de abril de 2020

SABEDORIA E MALDADE

Penso, muitas vezes, que a ignorância, o desconhecimento, o pouco acesso à informação e à leitura, desculpam, e justificam, algumas barbaridades que leio e escuto. Compreendo que quem não teve o privilégio da Escola, quem não lê (por opção ou circunstância) tem limitações na argumentação e fundamentação de algumas ideias. 
O inverso, também é verdadeiro.
Ou seja, quem lê, conhece, aprende, não tem desculpa, a não ser a maldade, para alguns juízos e opiniões. 
Vem esta minha reflexão, agora, a propósito do Dr. Francisco Louçã. Não gosto da figura, penso de forma bem diferente da dele mas, no entanto, tenho-o na conta de um homem culto, inteligente e conhecedor. Por isso mesmo, não consigo entender senão como maldade perigosa e violenta, a sua afirmação de que o CDS não quer nem ouvir falar de 25 de Abril de 1974. 
Gostava de dizer ao senhor dr. Louçã que a democracia assenta, entre outros pilares, no direito à diferença de opinião, e que o 25 de Abril, bem como a democracia, não são propriedade dele, nem de nenhuma área política. 
Para o CDS a Democracia, a Liberdade, o direito ao livre arbítrio, a propriedade privada, a família, são Valores fundamentais, e o 25 de Abril é uma data de referência, essencial e relevante, tal como o 1º de Dezembro, entre outras.
O dr. Louçã sabe muito bem que está a dizer mentiras e fá-lo com um descaramento que me incomoda. Porque o dr. Louçã tem palco  e, consciente e maldosamente, tenta manipular a opinião pública.
O CDS é um partido democrático, ao contrário de outros de esquerda, e direita, extremistas e limitadores da Liberdade  e da individualidade.
O dr. Louçã, na minha opinião de democrata convicta e amante da liberdade, é um ser perigoso porque, ao invés de usar o que sabe a favor do Bem, pratica a maldade e a calúnia intencionais. É pena, acho eu, que exista um dr. Louçã em Portugal. 
BASTA PUM BASTA! 
UMA GERAÇÃO, QUE CONSENTE DEIXAR-SE REPRESENTAR POR UM LOUÇÃ É UMA GERAÇÃO QUE NUNCA O FOI! 

É UM COIO D'INDIGENTES, D'INDIGNOS E DE CEGOS!
É UMA RESMA DE CHARLATÃES E DE VENDIDOS, E SÓ PODE PARIR ABAIXO DE ZERO!
Com uma vénia, e pedido de autorização, adapto de Almada Negreiros!

25 de ABRIL 2020

Tinha pensado passar ao lado da polémica dos festejos do 25 de Abril. Ando um bocado farta de polémicas, num período em que os problemas como a doença, a falta de dinheiro, a violência e o desemprego se agigantam, mas, não resisto!
Em causa não está a importância, o significado, o Valor da Revolução de Abril. Para mim, tudo isso são verdades sem discussão.
O 25 de Abril de 1974 foi um dia inesquecível na conquista da democracia e da Liberdade. Claro que não temos a democracia perfeita, a liberdade ideal. Mas, sem dúvida, vivemos hoje incomparavelmente melhor do que a 24 de Abril de 1974. Posto isto, e deixando de lado as reflexões e polémicas sobre o PREC, o 25 de Novembro, etc., creio que o que hoje se discute não é a essência da Revolução mas, sim, a oportunidade de a assinalar, e festejar!, contrariando as regras de isolamento social que tanto têm custado à maioria de nós.
Defendo que, este ano, em tudo excepcional, os festejos deveriam acontecer pelas televisões, com programas alusivos ao dia, com os discursos habituais, etc. Vejo a festa na AR como quase provocatória para o português comum. Vão estar menos pessoas, dizem. Mas, ainda assim, vão estar muitas pessoas juntas e, a não ser que se comprometam a não respirar (??!!) salvo se com máscara, é uma situação de risco. Num momento tão difícil como o que vivemos, não compreendo estes festejos. Como não compreendo as manifestações e desfiles agendados para dia 2 de Maio.
Ser livre, liberdade que o 25 de Abril nos permite, implica responsabilidade e sentido de cidadania. Acho eu que, há mais de um mês, estou em casa.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

INSÓNIA

Possíveis que nunca o foram desafiam os sonhos passados. Enfrentam-se. Provocam-se num tango alucinante ao ritmo de cada dia. A orquestra não pára, as voltas sucedem-se, passos quadrados e a geometria da razão a falhar os ângulos. Não chega o sono. Morfeu não abraça e o tango segue inglório.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

AFOGAMENTO

Estou sempre a defender a necessidade de nos adaptarmos a novas circunstâncias, de responder, com energia e confiança, a desafios. Mas não é fácil... A formação à distância carece dos olhares que comunicam, dos sorrisos cúmplices, da proximidade. Sim, claro que é possível, com qualidade e eficácia, fazer formação à distância. Mas não é a mesma coisa e, para mim que não sou grande especialista nas tecnologias, é muito mais cansativo. 
Hoje, apetecia-me poder ignorar o Covid-19, mandar às urtigas as limitações, meter-me no meu carro, escolher música boa e ir ver o mar. Tenho dolorosas saudades do mar, talvez, também, por ter uma imensa vontade de afogar algumas situações...

quarta-feira, 15 de abril de 2020

AVALIAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO

Tenho lido, e ouvido, muita coisa sobre avaliação pedagógica. Sendo, para mim, absolutamente claro que avaliar e classificar são processos distintos, não tenho nenhuma dúvida em afirmar, e defender, que a avaliação pedagógica deve estar ao serviço das aprendizagens dos alunos, deve andaimar (como refere Bruner) o sucesso de cada aluno. Por isso, sei que o feedback, sempre individualizado e de qualidade, é fundamental, que os alunos devem ser participantes activos no processo. Em relação à classificação, as coisas são, para mim, muito mais complexas... 
Classificar é discriminar. Sem dúvida. Mas tem de traduzir, o melhor possível, o nível de aprendizagem de cada aluno. Assim, não cabe na minha consciência profissional que se possa classificar alunos com ponderações em processos de recolha de informação! 
Defendo que devem existir, e estar na posse de alunos, pais e professores, descritores claros para cada disciplina e que os alunos devem saber onde se situam. Na minha opinião de profissional com alguma experiência, ainda há muito trabalho para fazer no que respeita à avaliação pedagógica... E, sobretudo, há muito que pensar. E pensar dá muito trabalho!!

terça-feira, 14 de abril de 2020

JÁ PASSOU

Já passou a Páscoa. Diferente, estranha, mas passou. Agora, o tempo impõe e desafia, provoca e exige. Os professores (como quase todos os profissionais) têm de se adaptar a um novo tempo, a novas formas de agir, a diferentes processos de trabalho. É o tempo do online, da distância, do virtual, do afastamento. É o possível.
Eu não gosto do virtual. Não sou adepta das novas tecnologias, provavelmente porque não sou suficientemente competente na utilização das mesmas, e sinto falta da presença física, dos cheiros, dos olhares. Mas não adianta chorar sobre o leite derramado. A vida cumpre-se em mil fazeres e responder às circunstâncias e aos desafios é existir. Quero existir. E imagino a formação online, penso estratégias, reformulo materiais. Tem de dar certo! Porque acredito que os professores, como sempre acontece em momentos de crise, vão responder com vontade.
E, quem sabe?, talvez um dia até achemos que é melhor assim. 

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Sexta-Feira Santa

Dia triste, este. Quando eu era miúda, enquanto tive quem pensasse na minha felicidade, este dia fazia-se de muitos rituais: - Almoço de bacalhau, jantar de polvo, e, ás três da tarde, a família junta no quintal para ouvir a sirene que marca a morte de Cristo. Lembro-me que, criança, ficava muito angustiada com a sirene, invariavelmente acompanhada pelo ladrar dos cães e, em vez de rezar, pedia para que a normalidade voltasse ao quintal.
Este ano, ouvi a sirene com os meus dois netos mais novos, pensando nos que me faltam, rezando para que sejam, todos, muito felizes.
Sei que este é tempo de renovação, a natureza não se cansa de mo lembrar, mas quero que seja, para as minhas filhas e netos, só mais um tempo de ser feliz.Eu, que tenho fé, acredito que Cristo morreu para que nós vivêssemos e, penso, viver não é sofrer sempre. 
Amanhã, será sábado de aleluia. Depois, comeremos a fantástica sopa e o cabrito assado, tradição de Domingo de Páscoa. E assim, repetindo tradições, quero acreditar que dou aos meus netos vivências para envelhecerem mais tranquilos. 

quarta-feira, 8 de abril de 2020

EXPERIÊNCIA OU VÍCIO?

O Tempo, que na Antiguidade era deus, é algo complexo, dúbio e, simultaneamente, honesto. Sabemos todos qual o fim. Como dizia Pessoa " (...) somos o cadáver adiado que procria", (ou não, acrescento eu).
O Tempo dá sabedoria, dizem alguns, mas implica degradação , sem dúvida.
O Tempo é usado, por vezes, para valorizar conhecimento - faço isto há 14 anos, ou há 30 - como se a simples passagem dos dias, o continuado desempenho de tarefas, por si só, significasse competência. Não acredito nisso!
Sem dúvida que a prática, a continuidade, nos pode dar mais competência mecânica (será que isso existe?), mas se levarmos 14 anos, ou 30, a fazer erros, de que adianta prolongá-los? Se, perante as transformações da vida, continuarmos as mesmas práticas, de que servirá a experiência? Acho mesmo, e a sério, que é exactamente a capacidade de resposta a novas situações, a forma como lidamos com o que nos convoca por diferente, que nos ajuda a ser melhores profissionais. Melhores pessoas também. A capacidade de adaptação inteligente, a selecção do que urge mudar e conservar, a disponibilidade para transformar formas de pensar, são essenciais para que o mundo, evoluindo, mantenha os Valores que o fazem humano. Não acredito em quem certifica o seu trabalho com a resistência à mudança, hasteando a bandeira do "é assim que eu penso, é assim que eu faço, e não vou mudar nunca!".
É por isso que não me convencem os argumentos de "faço isto há anos"... Enfim. Coisas que eu penso. Porque eu penso há 60 anos, só para que conste!

terça-feira, 7 de abril de 2020

JÁ ESTÁ!

Apareceram os primeiros casos de Covid-19 em Portalegre. Já se sabia, esperava-se que acontecesse, era uma questão de dias. A cidade entrou em pânico e as redes sociais não param de perguntar, e de inventar, sobre os três infectados.
Tenho para mim que o pânico, a ansiedade, o medo, são os piores dos conselheiros e, muitas vezes, os causadores de maiores desgraças. Claro que a situação que vivemos é muito grave, é estranha, é exigente, obriga-nos a formas de vida que muitos de nós nunca imaginámos. No entanto, é necessário preservar a sanidade mental e não entrarmos em loucuras e desvarios.
Sabemos que muitos de nós vamos morrer, devemos evitar que esse número cresça. Mas não podemos, defendo eu, aumentar riscos com opções absurdas e perigosas. Tenhamos cuidado, fiquemos em casa o mais possível, respeitemos todos os conselhos que nos dão os profissionais de saúde, mas não queiramos ser heróis nem heroínas. Tranquilidade, bom-senso e muito desinfectante são muito necessários nestes meses!

segunda-feira, 6 de abril de 2020

FRACASSANDO

Está a ser muito difícil. Compreensivelmente, cada dia mais difícil. Os mortos continuam a somar números aterradores, não parece haver fim para esta pandemia terrível. As pessoas, na sua maioria com uma imensa capacidade de adaptação e resistência, inventam e reinventam-se. Observo-as e admiro-as. Sinto que não tenho a força de muitos. 
Está a ser muito difícil este isolamento, esta solidão absoluta, a ausência dos que me são mais queridos e necessários. 
À noite, passo no quarto dos meus netos, olho os brinquedos, os livros de histórias e não tenho resposta para tantos porquês! Talvez o maldito vírus tenha sido intencionalmente criado na China para atacar a economia mundial; talvez seja uma resposta da natureza à violência dos ataques que tem sofrido; talvez seja um azar; talvez seja, como muitas outras que a história nos lembra, uma doença que terá cura. Não sei, creio que, com absoluta verdade, ninguém sabe. Mas sei que está a deixar o mundo de pernas para o ar. Sei que nunca mais a vida vai ser igual. Hoje, mais do que ontem (e temo que menos do que amanhã) tenho medo, estou infeliz, preocupada e profundamente triste.

domingo, 5 de abril de 2020

ESPERA MARIDOS

Hoje, 5 de Abril, faz anos o meu querido sobrinho António. Incrível como os meus sobrinhos fazem parte de  mim, mesmo que cresçam, mesmo que partam, mesmo que esqueçam.  
Acredito que temos a sorte de ninguém nos poder roubar afectos e memórias. Podem levar as presenças, podem até tentar encher-nos de afastamento e dor, mas as memórias boas, os gostares que cada um experimenta e vive na primeira pessoa, ninguém rouba.
A mim, como a muita gente, já  roubaram muitas esperanças, já rasgaram muitos possíveis. Mas eu guardei para mim os momentos bons, muitos, e não abro mão deles.
Hoje, dia de anos do meu António, recuperei, bem vivas, as memórias de outros aniversários, na Casa Amarela, com o meu Pai a dirigir alegremente os preparativos. O meu Pai gostava de me pedir que fizesse o espera-maridos. Era, e é, um doce rápido, com ovos açúcar e canela, que a minha avó Leonor ensinara. 
Há muitos anos que eu não fazia espera-maridos. 
Hoje, domingo solitário e chuvoso, com a alma a escorrer vazios e mágoas, resolvi fazer. Está apetitoso. E a canela sempre me traz memórias fantasiadas. Até Camões, há pouco, estava na minha cozinha provocando sentires! 

sábado, 4 de abril de 2020

RECLUSÃO

Caminhada. Sabe bem. Olho os campos, as velhas noras, as modernas antenas ao longe, as videiras e as árvores a prometerem frutos. Não há ninguém. Hoje, nem o pastor me acenou, nem as vacas estavam na rua. Gosto destes espaços, vazios de gente, plenos de promessas de que tudo há-de ficar bem. 





Caminho, sempre com o Zorba por companhia, e desfio pensares e sentires.
Afinal, e apesar de muitos pesares, sendo que o maior é não ter filhas e netos comigo, esta reclusão imposta até me está a saber bem...

sexta-feira, 3 de abril de 2020

O MONTE

Há lugares que nos/me fazem sentir bem. É o sentimento telúrico, tão marcante na obra de Miguel Torga, é a certeza de que há uma essência que nos influencia (se não nos determina). O Alentejo é o meu chão. 
Hoje, a caminho do Monte, onde fui buscar borrego para a minha Páscoa solitária, enchi o olhar, a alma também, da essência deste chão. 
Os campos estão lindos, salpicados de flores de muitas cores, o verde lavado brilha ao sol e as aves cantam incansáveis. Ir ao Monte é sempre muito bom. O poial na rua, as almofadas coloridas, a conversa com as pernas esticadas ao sol, ajudaram a quebrar esta reclusão imposta pelo maldito vírus. 
Hoje, o dia há-de custar menos a passar!

quinta-feira, 2 de abril de 2020

ESPANTO

É claro que o vírus, a Covid-19, não tem cor política. Não é de esquerda, não é de direita, não se confina às águas moles do centro. O Vírus não distingue os ricos dos pobres, os governantes dos governados, os inteligentes dos burros. O vírus é, penso, a coisa mais democrática que existe. Ataca todos por igual. E exige, por isso, respostas concertadas pelo mundo, questionando a organização social, centrada no egoísmo absurdo, da sociedade de hoje. 
Eu não acredito que tudo passe, que tudo fique bem. Não ficará bem para os que morreram, e morrerão, não ficará bem para os que perderam alguém, não ficará bem para os que perderam e trabalho, não ficará bem para ninguém. 
Este vírus horrível vem exigir da humanidade uma nova forma de vida. Talvez aprendamos a dar mais valor ao essencial, talvez olhemos cada amanhecer como um privilégio. Ou talvez, pelo contrário, a miséria aumente, a tristeza cresça e as injustiças proliferem. Ninguém sabe. E o facto de não sabermos oferece-nos, acho eu, um novo direito que há muito parecia perdido: - O direito ao espanto! O direito a optar por caminhos por fazer.
Este tempo horrível, poderá, quero acreditar, levar-nos a compreender como todos dependemos de todos, como somos essencialmente sociais, como sozinhos não vivemos, vegetamos. Este vírus assassino, este mostro invisível a olho nu, pode ser a metáfora da vida que há muito levamos. Seremos capazes de nos reinventar? A minha emoção grita que sim. A minha razão cala-se. 

quarta-feira, 1 de abril de 2020

ESPERANÇA

Que neura! Esgotei o dia de ontem,  terça-feira, numa neura imensa. As mensagens de vai passar, os arco-íris nas janelas garantindo que tudo vai ficar bem, exasperaram-me. Hoje, felizmente, estou muito mais razoável e enérgica. Vou começar a trabalhar! Decidi que a adaptação a novas situações, a resposta inteligente e rápida a alteração de circunstâncias, é um sinal de humanidade e eu sou (acho) humana . Levantei-me cedo e, desde as sete da amanhã, um pouco antes, aqui tenho estado, entre o zoom.pt e o Moodle, a transformar as minhas formações em sessões síncronas, assíncronas e virtualmente presenciais (parece um paradoxo, mas não é) . A vida tem de retomar a sua parte activa e eu vou contribuir.
Afinal, pensando bem, quantas vezes não fui eu já capaz de me adaptar, me transformar,  me refazer das cinzas e destroços em que a vida me deixou? Vai resultar. Não vai passar, porque o dano está cá, na pele, nos cabelos mais brancos, mas vai resultar numa nova forma de trabalhar. Talvez, quero acreditar, até seja melhor assim.