É noite, está escuro e chuvisca. O sono não vem e, seguindo um conselho médico antigo, saio da cama, desisto de brigar com o sono escondido, ligo a janela do mundo e escrevo. Olho as fotografias dos últimos dias, feitos de muito silêncio, muita solidão física, excessiva virtualidade. É curioso como, na Natureza, no meio da Serra, tantos motivos, pretextos?, me desafiam para novos e diferentes pensares.
É a árvore despenteada, a sugerir-me a minha própria desordem interior, é o perfeito buraco feito pelo pica-pau que gosto de ouvir, a lembrar-me que, muitas vezes, o que parece perfeito está cheio de vazio, é a velha nora a olhar com desconfiança as placas de energia solar, para que não me esqueça que a vida se faz de sucessões e não de perdas e abandonos.
Talvez. Talvez a natureza tenha razão. Mas eu sinto a dor de muitos vazios, de muitas mágoas, de ferimentos fundos provocados por pessoas que, algumas, nunca sequer conheci. Podem herdar-se mágoas? Pode sofrer-se por causas indirectas?
Vou buscar água, e reparo que deixei a janela aberta e não há estrelas. Lá fora, só a noite escura, sufocante e húmida.Quantas noites terei passado assim, desperta, tentando esquecer o que insiste em ser lembrado? Não gosto da noite.
E sei que ela existe sempre cheia de garantias, carregando novos possíveis, invariavelmente um diferente amanhecer. Não gosto já de surpresas. Desejo, ah como desejo, a segurança da rotina tranquila, a certeza de um adormecer profundo que raramente acontece...
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