quarta-feira, 29 de julho de 2020

DEFINITIVO

Aconteceu. A minha Mãe, aos 92 anos, quase 93, partiu definitivamente. Não era perfeita (alguém é?), brigamos muitas vezes, não tínhamos uma relação muito próxima, mas era a minha Mãe. Acompanhei sozinha os últimos tempos, com muita mágoa e muita dor, vendo-a perder qualidades e conhecimento. Hoje, de madrugada, o telefone tocou e a notícia chegou.
Tenho saudades da minha Mãe. Vejo-a firme, bonita,  professora decidida e sabedora, apaixonada pelo meu Pai que a adorava. Vejo a minha Mãe a proteger os netos, a mimá-los o mais que sabia, e sofro. A minha Mãe viveu a dor que considero maior, a perda de uma filha, mas continuou a lutar, a sorrir e a receber com gosto os muitos amigos que sempre enchiam a casa dos meus Pais. A minha Mãe fez viagens, amou e adorou o meu Pai,  os filhos e os netos, ensinou muitas gerações, chorou e sofreu, riu e brincou. Agora partiu. Definitivamente.
É assim a vida, digo eu repetindo a banalidade das evidências. E é. Mas mesmo acreditando, e eu acredito, que a minha Mãe está num lugar melhor, o meu sofrimento é imenso.

terça-feira, 28 de julho de 2020

NOITE

Nunca fui noctívaga. Gosto (gostava) de me deitar cedo, de acordar com as galinhas e de aproveitar o dia. Muitas vezes, na juventude das minhas filhas, dizia-lhes que se Deus quisesse que estivessem acordadas de noite não apagava o sol. Obviamente, este fraco argumento de pouco serviu...

Hoje, mais velha, gosto da noite. 
Gosto de ficar na espreguiçadeira, olhando a lua, desafiando as estrelas. Gosto do silêncio feito de mil sons naturais, da cigarra à coruja, da água que corre no tanque, das rãs que fazem verdadeiros concertos. À noite, deixo instalaram-se as muitas ausências e fico conversando. 
Há muitos ontens. Muitas perdas, alguns ganhos. Às vezes, dou a mão ao planeta e respiro fundo, bem fundo, para encontrar forças para mais um amanhecer.

quinta-feira, 23 de julho de 2020

NETOS


Ter os netos perto, poder tocar-lhes, abraçá-los, inventar brincadeiras, fingir que ralho por causa  das t-shirts e sapatos largados em todo o lado, é sentir que estou viva. 
Às vezes, penso que a solidão é muito mais do que estar sozinha, do que ter a casa vazia, de somar dias conversando apenas com os cães. É uma sensação de inutilidade de vida, de esgotar de dias sem outro propósito que não seja o chegar ao fim. E esta sensação dói! 


Quando os netos chegam, a solidão desaparece. A alegria deles, a confiança em cada agora, enchem de sentido a minha existência. 
E por isso tiro o relógio, não quero saber a data, esforço-me por ignorar que, em breve, a solidão vai ter todo o espaço para se fazer sentir.





segunda-feira, 20 de julho de 2020

DEPRESSÃO

Neste 2020 absolutamente atípico e violento, muito destaque, e bem, tem sido dado às patologias, às alterações, do foro emocional e psicológico. Faz sentido. Aliás, desde o início do século XX, já há mais de cem anos, que faz sentido olhar a inteligência humana, o cérebro, as emoções. Sabe-se, hoje, que a depressão não é uma mania, uma tristeza passageira, uma forma de dar nas vistas. Não! A depressão é uma doença e, que eu saiba, ninguém escolhe, no pleno uso das suas faculdades, estar doente. 
Penso, eu que não sou médica, que muitas doenças do foro neurológico poderão ser potenciadas por comportamentos sociais, por pressões externas, por desatenções por vezes. 
Vivemos, errada e exageradamente, preocupados com o que queremos mostrar aos outros, com uma imagem que do espelho nos sorria e sofremos quando não conseguimos, mesmo que com esforço desumano, a perfeição desejada. Não olhamos o outro com atenção, não temos tempo para ouvir e acompanhar, não usamos o tempo para estar efectivamente com os outros. Muitos jovens, e agora é-se jovem até quase aos 40 anos, parecem existir com uma febre doentia de sucesso e, aos poucos, esquecem-se de viver de facto, de reparar que até à morte a viagem se faz com companhia... Vivemos todos, penso eu agora, no silêncio da Serra, muito preocupadas com aparências e aplausos, centrado no nosso umbigo,  esquecendo o essencial. 
Às vezes, não gosto de pensar no mundo que integro!

domingo, 19 de julho de 2020

FINAL DE ANO

Está a terminar um ano lectivo que não deixa saudades. Faltaram os jantares com os finalistas, os abraços e promessas de até para o ano, sobrou distância e vazio. Foi o ano possível, violentamente interrompido pela pandemia.
Agora, é tempo de pensar no ano de 2020/21. Como será? Muitas hipóteses, muitas dúvidas. Como professora, e confiando absolutamente no Secretário de Estado Professor João Costa, estou optimista. Vai correr, com certeza, da melhor forma possível. Mais uma vez, muitos professores estarão à altura dos desafios e, acredito, os alunos não sairão defraudados.
Pessoalmente, tenho as minhas sugestões e penso que, concretamente em Portalegre, há decisões urgentes a tomar.
(Há muito tempo que não me ponho a jeito de insultos, é hoje).
Não tenho dúvidas de que a transformação é o que de mais constante vivemos, e não me parece que seja possível manter as mesmas opções quando as circunstâncias se alteram. E, porque nos últimos 20 anos (pelo menos) muita coisa se tem alterado no mundo, e em Portalegre também, defendo que não faz sentido coexistirem um Agrupamento e uma Escola não Agrupada. Se eu mandasse, em Portalegre cidade ficariam, já no próximo ano, dois únicos Agrupamentos: - O TEIP, Agrupamento de Escolas José Régio, e um outro que juntaria o Agrupamento do Bonfim e a Escola de S. Lourenço. Seria, defendo, uma gestão mais racional de recursos e, todos juntos, não chegaríamos a ter a dimensão de um Agrupamento de Lisboa ou Porto. Seria uma forma de acabar com inexplicáveis rivalidades, possibilitaria uma mais inteligente gestão de espaços e  permitiria inovar de facto no que diz respeito a metodologias e projectos. A ESSL fez todo o sentido isolada numa época em que representava uma alternativa, quando formava profissionais de diferentes áreas. Hoje, a realidade é outra e a ESSL luta por alunos de forma que considero até dolorosa.  Por outro lado, 46 anos depois de Abril, já é tempo de esquecermos as características (extintas) do Liceu Nacional de Portalegre.
Defendo que a cidade ficaria a ganhar, os alunos muito mais e os professores, sem dúvida, também. 
E pronto, eu penso assim. Declaro abertas as hostilidades!

sábado, 11 de julho de 2020

TROVOADA E MAGIA

 Contei a história do cavalinho verde. Esse que, de noite, com a menina, voava para um mundo onde os morangos eram brancos e sabiam a chocolate, os melões eram lilases e sabiam a bolo de bolacha. 
Contei, também, a história do Cavaleiro que, com uma enorme lança bem afiada, transformava a maldade em doçura, a guerra em paz e palavras feias em flores. Falei da importância de acreditar nos sonhos e imaginei, com eles, a grande viagem no cisne que voa de piscinas a oceanos, acompanhado por cães fiéis. E o sono, ao fim de um dia cheio de ternura, mergulhos e brincadeiras, chegou enfim.
Veio então, para mim, uma trovoada valente, presente dos céus para me embalarem também. 
Mas a trovoada não levou os meus receios, não iluminou a minha confiança e não mudou o mundo com energia!
Felizmente, amanhã os meus netos hão-de  lembrar-me que é preciso, com muita força, perseguir a magia para, quem sabe?, um dia cores e sabores darem sentido à existência...

quinta-feira, 9 de julho de 2020

BOAS E MÁS PESSOAS

Sim, há más pessoas, há pessoas muito más. Felizmente, também há boas pessoas. As boas pessoas erram, falham, pedem desculpa, tentam melhorar, conversam, trabalham colaborativamente, escutam, reformulam, compreendem, respeitam,  ajudam e perdoam. 
As más pessoas agridem, caluniam, carregam a verdade nos bolsos, insultam, não respeitam os outros, gritam, falham e não pedem desculpa, nunca perdoam.
As pessoas boas compreendem, as más pessoas punem.
Ultimamente, para meu azar, e sem nenhum respeito pelos meus 60 anos, a vida presenteou-me com um grupo de pessoas muito más. Ruins mesmo, daquelas que não reconhecem o outro e, sem nenhuma razão, ofendem e caluniam. As pessoas más chateiam-me. Chateia-me o ar de medíocre superioridade, as afirmações de mal disfarçada estupidez. 
Paciência, dirão. E eu concordo. Porque a vida acontece assim, não a preto e branco, mas com muitas tonalidades de rasquice que se têm de suportar. 

domingo, 5 de julho de 2020

OPÇÕES

Encostou-se à cabeceira da cama, da cama onde crescera e que a mãe insistia em encerar, e enrolou o charro. Fumou sofregamente. A nuvem azulada cresceu e ele fechou os olhos. Quando tinha começado aquilo? Às vezes, pensava que tinha sido uma reacção, como quando, sem pensarmos, fechamos os olhos ao sol, à normalidade que os pais tinham querido impor-lhe. Tudo certo. Férias no Algarve, preocupação com as notas, olhares críticos quando surgia com a t-shirt desbotada do Che, ou com mochilas rasgadas. Os pais eram assim. Previsíveis, preocupados, sempre organizados em excesso, e sempre lamentando a sua diferença do irmão. Deu uma passa mais, confirmou que a janela estava semi-aberta, e esticou as pernas, com as botas sujas, em cima da colcha que a mãe dizia ser valiosa. Não queria saber da colcha, da mania de tapar o necessário, o imprescindível, com o acessório. Mas talvez não tivesse sido só a vontade de contrariar os pais, os professores, o irmão. Afinal, ele fizera as suas escolhas e seria injusto culpar os outros. Lá isso, pensava vendo o charro consumir-se, liberdade de escolha sempre tivera. Dentro do razoável, dizia o pai. E era o razoável que o irritava. 
Enrolou novo charro, erva boa. Devia estar a estudar, os exames começavam no dia seguinte e esperavam muito dele. Ele é que esperava pouco de si. Dos outros também. 
Apetecia-lhe chorar, pedir colo, esquecer o corpo comprido e deixar à solta o coração encolhido. Quando tinha começado a fumar erva? Não sabia, agora, se os olhos picavam de tristeza, saudades do miúdo que fora ou raiva do mundo. Seria tão mais fácil se encontrasse uma causa alheia, um responsável para culpar. Mas, às vezes, a responsabilidade é interna e, aí, é difícil uma pessoa auto-esmurrar-se.
Podia ser o que quisesse, diziam. Mas esse era o problema. O que queria ele? E o exame de manhã, Pessoa, Vieira, Eça, Saramago, Garrett, e a professora de português a insistir para que lesse os jornais, para que conversasse e visse notícias.
Ah, quem disse que a juventude é a melhor fase da vida?

quarta-feira, 1 de julho de 2020

EXPERIÊNCIAS

A minha vida, como a vida de toda a gente, faz-se, constrói-se, de vivências e experiências. A vida não traz livro de instruções, o amanhã é sempre uma incógnita e adivinhar é proibido. Ora, por isso mesmo, uma pessoa erra, aceita desafios que devia negar, acredita em quem não devia, faz escolhas que deviam ser rejeições e sofre desilusões. Nada de novo, ou de raro. À medida que os cabelos vão embranquecendo, que nós vamos ficando mais vividos, acumulam-se as experiências. Óbvio! Tão óbvio como a certeza de que, embora os anos nos tragam experiência, não nos trazem a total sabedoria nem a couraça suficientemente resistente para enfrentar ataques, estupidez, desilusões.
E vem tudo isto a propósito de quê? De um exercício de imaginação. De um pesadelo que tive. 
Imaginei-me  numa reunião, uma Assembleia Geral, onde estava, no meu sonho (pesadelo)  para  ajudar uma Instituição. De repente, havia insultos, chuva de calúnias também. No meu pesadelo, eu pensava: - Como se pode conversar com quem ataca sem dialogar? Como compreender insinuações absurdas? O que pensar de quem, quando alguém intervém, sai da sala? Bom, dizia de mim para comigo,  podemos pensar que quem adopta estes procedimentos é gente reles. Podemos crer que são pessoas movidas por maus fígados. Podemos imaginar que são pessoas doentes. Podemos, até, acreditar que são só pessoas sem educação, que não conhecem a essência da Democracia. Podemos, ainda, classificar estas atitudes como vindas de estupidez natural. Podemos. Mas não deixamos, mesmo com muita experiência em imbecilidades, de nos desiludirmos por haver gente assim. Gente, ou gentinha? E acordei cansada, incomodada, sem resposta para as muitas perguntas do meu pesadelo.