segunda-feira, 30 de setembro de 2019

TRANSFORMAÇÃO DE PRÁTICAS

Dormi agitada, receio, sempre, que o telemóvel falhe e o despertador não toque. Tocou. Saí de casa antes das sete da manhã, envolta em nevoeiro e desejando não ser D. Sebastião . Depois de mais de duzentos quilómetros, obrigada à modernidade do meu GPS, cheguei ao mar. Era o destino para dois dias de trabalho sobre a formação e a avaliação das aprendizagens.
 O mar, forte, está lá fora mas, ainda assim, sinto a sua intensidade dentro de mim. Queria poder beber-lhe a energia. Porque,
 embora eu saiba que "Deus ao mar o perigo e o abismo deu//mas nele é que espelhou o céu", às vezes fraquejo...

sábado, 28 de setembro de 2019

CONTRASTES EM PORTUGAL

Há muitos anos que não ia ao Bussaco. Ao Palace Hotel do Bussaco, a esse lugar onde o rei D. Carlos tanto caçou, onde houve batalhas, invasões e muitos romances. Este fim de semana, a propósito de uma exposição para mim imperdível, na praia da Vagueira, fiz caminho e dormi no Bussaco. Que desilusão! Encontrei um hotel degradado, alcatifas rotas, torneiras sem funcionar, mata cheia de árvores caídas. Que tristeza! Parece ser sina deste povo a que orgulhosamente pertenço:- nunca manter, nunca conservar! Somos povo de grandes ideais e pouca manutenção dos mesmos... Dá dó andar no Bussaco, pesadelos dormir naquele palácio lindíssimo!
Do Bussaco, rumei a Vagos, Costa Nova, Aveiro, Vista Alegre. Que maravilha de lugares! Que bem preservado o ambiente, que encantadora a Igreja de Nossa Senhora da Penha de França, hoje de privados.
Pois é, o estado português não merece o património que tem a cargo. É pena...







quinta-feira, 26 de setembro de 2019

A MATILHA

Na minha opinião, que vale muitas vezes só para consolo próprio, o ser humano é único, exclusivo, e, por isso mesmo, com singularidades. Eu vejo-me assim.
No entanto, a Pessoa só se realiza, plenamente, em relação com o outro - com os outros. 
Há assim uma espécie de sentimento de matilha, de grupo, que nos ajuda a sermos mais completos e realizados. Deve ser por isso, acho eu, que nós vivemos do avesso, virados para fora e não para dentro, olhando o exterior mais do que o interior. E é nesta relação do eu com o sentimento de matilha, que a existência se complica. Quando o eu se desmatilha, sofre. Quando a matilha o não reconhece, sofre. Se calhar, por isso, às vezes surgem dentadas no alheio.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

VERGONHA

Bem cedo, e tão tarde para a ida que é já segunda-feira, entra um pip e surge, no ecran do meu telemóvel, mais um email. É o Ministério da Educação a dizer-me que precisa dos meus serviços, a chamar-me para dois dias de formação no Vimieiro, a impor-me regime de internato, e a esclarecer que não paga as deslocações. Afinal, são só duzentos e muitos quilómetros... A falta de respeito que o sistema tem pelos professores, parece-me grave. 
Eu acredito na necessidade de mudar práticas, defendo, às vezes aguerridamente, o trabalho colaborativo, mas, sinceramente, não acho justo ter de pagar do meu magro bolso as sessões de formação.
Às vezes, este país envergonha-me!

terça-feira, 24 de setembro de 2019

DEPOIS

E depois, fechou a porta e ficou olhando o vazio. Porque tinha de existir um depois? Porque não podia tudo, ou pelo menos as coisas boas, só terem durante? Escorregou e ficou, aninhada em si mesma, trancada no abraço ao seu eu, sentindo os estilhaços do mundo, do seu mundo, a ferirem fundo o seu pensar. 
Devia ter desistido antes da desilusão. Devia ter travado antes de ganhar velocidade nas asas do sonho. Devia. Mas ela nunca acertava o fazer com o dever e, uma vez mais, tinha acreditado que seria possível, que ia, de facto, transformar a Escola, a sua escola, num lugar de construção de felicidade e aprendizagens de sucesso. E o sal secava-lhe a pele, magoava-lhe a garganta. Estava cansada de tanta desilusão. Não tinha, já, capacidade para o depois.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

ILHA da MADEIRA

Na ilha da Madeira, naquele espaço fantástico abraçado pelo mar azul, as pessoas foram a votos. Correram com a extrema esquerda, e para mim fizeram muito bem, e dividiram-se entre o PS e o PSD. Infelizmente, a abstenção voltou a aproximar-se dos 45% o que eu acho absolutamente absurdo.
Não consigo compreender que as pessoas não votem. Reconheço a desilusão colectiva, os maus exemplos de alguns políticos, o aumento da corrupção, mas, ainda assim, continuo a pensar que o voto é a única forma de manifestar a nossa indignação. Enfim...
Na Madeira, a aproximação entre PSD e PS também me entristece. Claro que as práticas são semelhantes (infelizmente) mas, ainda assim, há fundamentações ideológicas que me impedem de confundir os dois partidos. Nunca votarei PS e nunca votei PSD... (Mas penso que poderei fazê-lo). 
Agora, recordo o carismático  Dr. Alberto João Jardim. Um dia, há aí uns trinta anos, fui ao Funchal com o meu Pai, num Congresso de Cardiologia. Num dos dias, houve um jantar oferecido pelo então presidente do Governo Regional e, ao cimo das escadas da Quinta da Vigia, o Sr. Dr. Alberto João recebia os convidados. 
Ao iniciarmos a subida, ele disse de lá, em voz de sonora simpatia . - Ora bem-vindo, Dr. Emílio Moreira, lá de Portalegre! 
O meu Pai nunca tinha estado com o Dr. Alberto João, ele também não o conhecia, mas teve a simpatia de se informar sobre as pessoas que recebia e de as acolher como amigos. Nunca mais esqueci este momento...
Não tenho a mesma simpatia pelo Dr. Albuquerque mas, confesso, fico satisfeita por saber que o PS não ganhou as eleições!
Às vezes, muitas vezes..., fico em pânico com a vivência da Democracia.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

19 de SETEMBRO

Nunca mais vou esquecer esta data! Ontem, Portalegre, uma vez mais, não me desiludiu. Foi uma tarde mágica a que acolheu o lançamento do meu terceiro livro, Prateleiras de Insignificâncias. Um momento de ousadias, com diferentes opções políticas a provar que a democracia é possível. Mas, muito mais do que a política, foi a amizade que esteve presente, que encheu o espaço e o meu coração. 
A escrita, como muitas vezes digo, é uma exposição da alma, e a minha está exposta com emoção. 
Sinto necessidade, neste espaço que é muito meu, de agradecer a algumas pessoas: - ao Raul; sempre presente. Ao João Matela; amigo de cada hora. À Piedade Murta; ombro onde tantas vezes choro. À Paula e à Carla; o que seria de mim sem o carinho irreverente destas duas amigas?. Aos meus sobrinhos Bernardo, João, António; os sobrinhos são um bocadão nossos. Meus. Ao meu primo André; que veio de Lisboa para me ouvir. Aos meus pequeninos, a Francisca, o Bernardo, a Maria, a Madalena, o Manel, o João pequenino; são as crianças do meu coração, são quem ilude e anestesia um pouco a falta que os meus netos me fazem. Aos meus queridos amigos da Universidade Sénior; todos sorrindo ternura para mim!
Há, de certeza, mais nomes que estão no meu coração. MUITOS! mas não é possível registar, aqui, todos. Registei-os nos meus sentires.
Às vezes, acho que tudo me corre mal e que eu nada valho. Ontem, rodeada de tanta gente e de tanto carinho, cheguei a ousar pensar que, se calhar, valho alguma coisa! OBRIGADA!

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

AMANHÃ

Amanhã, para mim, é um dia especial. Escrever um livro é difícil, mas é libertador também. Publicá-lo é mais doloroso, é dar a alma à palmatória, é deixar que o olhar alheio nos invada livremente.
Amanhã, vou revisitar o meu avô, também ele publicou Prateleira de Insignificâncias, em 1941.
Amanhã, é já daqui a um bocadinho, e eu antecipo sentires exacerbados.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

JÁ NÃO HÁ CHEIROS

O céu fez-se de chumbo e ela, junto à janela, desfiava sonhos, memórias também. Setembro costumava ser o tempo dos cheiros, na velha casa. A marmelada enchia a varanda, papel vegetal por cima, para secar, as pevides de abóbora sujando o chão enquanto o doce, lume fraquinho, se fazia no fogão de seis bocas. De repente, vinham os miúdos da escola recém recomeçada, cheios de histórias para contar, de novidades, de dúvidas para esclarecer. Num instante as taças de marmelada marcadas por dedos gulosos, as pevides pisadas por pés descuidados. Depois, os banhos, as brigas infantis, e o jantar à mesa grande, conversas simultâneas e cruzadas. Com as crianças na cama, era o tempo dela e dele. Os dois olhavam o Alentejo ignorando que ali na esquina, bem perto, estava o futuro agora presente. Falavam dos filhos pequenos, das urgências que, hoje, lhe pareciam tão pouco significativas.
Esses eram outros Setembros.
Hoje, já não há cheiros e a solidão escorre nas paredes. 

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

CORRECÇÕES

Um dos meus defeitos, e eu tenho imensos, é envolver-me profundamente na tentativa de tornar reais os meus sonhos. Quando eu acredito nalguma coisa, e quando estudo e me informo, quando a causa é , para mim, relevante, luto por ela o mais que posso. Devo confessar que, na maior parte das vezes, sofro grandes desilusões… Mas não desisto. Acontece-me ficar vencida, mas não convencida!
Ora, na sequência do horário escandalosamente absurdo da minha neta, voltei ao Decreto-lei nº 55, que sei quase de cor. E lá está, claramente, a necessidade de articular aprendizagens, de desenvolver competências de forma activa e relacional. Assim, já não tenho nenhuma dúvida, nenhuma mesmo, que fazer horários para o primeiro ciclo de acordo com o modelo dos outros ciclos é, mais do que um absurdo, um violento erro pedagógico. 
Defendo, é um dos meus lemas de vida, que os erros, sendo parte da vida, se corrigem. Sei que não estamos condenados à manutenção do erro. Assim, vou tentar vencer esta batalha e levar as Escolas, pelo menos algumas, a alterar esta prática absurda!

domingo, 15 de setembro de 2019

ESPARTILHO ESCOLAR

O Tempo passa, veloz, e a minha terceira neta, a mais velha dos portugueses, entra amanhã para o 1º ano, 1º ciclo. O nervoso da miúda parece-me natural, muda de escola, muda de professora, dizem-lhe que não pode falar e que tem de trabalhar muito. Ansiosa, pergunta como fará se tiver dúvidas, e se precisar de ir à casa de banho, e se precisar MESMO de dizer coisa - ela gosta muito de dizer "coisas". Eu desdramatizo. Garanto que vai ser muito divertido, que vai fazer muitas coisas interessantes, que vai aprender a ler e a escrever-me mensagens, que pode sempre falar desde que não interrompa. Enfim, sábios (ou não) conselhos de avó.
Este fim-de-semana fui vê-la. Atravesso sempre meio país, e sempre tenho a sensação de estar no estrangeiro! Desta vez, pior... Pensei que tinha aterrado no quarto mundo, lá para trás do sol posto.
A minha filha veio da reunião de apresentação, com pais e crianças, numa manhã de muito calor, com uma lista de material para comprar e, pasmei!, com um horário!
À minha neta, de seis anos e muita curiosidade, foi dado um horário onde se diz, explicitamente, que terá português às 8,30h, duas horas, depois intervalo, depois matemática, de tarde estudo do meio, e ao fim do dia as AECs . Na segunda-feira é assim, e no resto da semana trocam-se as horas mantendo, sempre, as áreas de expressões para o fim da tarde.
O meu desgosto revoltado faz-se de incompreensão e discordância. Como é possível? Se se sabe, se andamos há pelo menos três anos, a tentar que os professores articulem conteúdos, que coloquem diversos saberes ao serviço da promoção das mesmas competências, se tentamos que, nos segundo, terceiro ciclos e secundário, se desenvolvam práticas pedagógicas activas, se dizemos que um DAC (exactamente porque estabelece relações) pode ser uma estratégia de sucesso, porque é que, no 1º Ciclo, quando o ambiente é naturalmente propício a novas metodologias, a aprendizagens activas e colaborativas, se tenta espartilhar a aprendizagem?
Eu sei que não é o Ministério da Educação que obriga a distribuir horários para o 1º ciclo, e sei que é possível fazer diferente. Ainda por cima, eu tenho a certeza absoluta que aprender de outro modo, articular aprendizagens, faz a diferença no sucesso das crianças e, por isso, não consigo calar hoje a minha indignação!
A minha Constança, como todas as Constanças, todas as meninas e meninos que amanhã vão para o 1º ano, merecem uma Escola com sentido e não com espartilhos.
Estou mesmo triste! Tão triste que, neste momento, só desejo que a minha neta se revele uma daquelas crianças resistentes ao professor. Daquelas que, independentemente do método e do professor, sempre aprendem e sempre são felizes!

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

ÓDIO

Destrói por dentro, fere, rasga até a ordem lógica do pensamento, tolda a capacidade de compreender, essa coisa terrível que é o ódio. Diria que é desumano mas, infelizmente, é sobretudo humano. 
Surge de pequenas coisas, às vezes de deficientes interpretações, de opções e escolhas diferentes. Surge também, inexplicavelmente, por Amor... 
Hoje, 11 de Setembro, é dia de lembrar o ódio. De lembrar aquilo que eu desejaria poder esquecer... 
Há 18 anos, numa prática vergonhosa de ódio, morreram milhares de pessoas. Algumas, muitas, nem puderam ser sepultadas. Morreu quem viajava tranquilamente, quem estava a trabalhar, quem tinha família, quem carregava sonhos, quem defendia  a paz, quem nem sabia quem era Alá.  
Morreu também muito da civilização ocidental. Morreu a ideia de que há lugares seguros, morreu a ilusão de que a guerra está localizada nos países que a fazem. Cresceu o medo, a insegurança, a desconfiança, o desassossego.
Há 18 anos, pelas mãos de loucos e fanáticos, toda a civilização ficou ferida.
Hoje, tenho medo, eu.
Tenho medo por mim, pelas minhas filhas, pelos meus netos sobretudo, e pelas pessoas de boa-vontade que predominam no mundo.
Tenho medo de integrar uma humanidade que penso ser comandada por loucos. 
Meia dúzia de muito doidos, em simultâneo, em lugares chave do mundo: - Trump, Bolsonaro, Chávez, Kim Jong-un, Boris Johnson, Putin, Xi Jinping. Haverá mais, muitos por África onde, diariamente, o terror acontece; muitos pelas arábias, de onde o Aladino fugiu para o mundo do sonho. É impossível nomear todos! São demais...
18 anos e o terror continua. De nada serviu a morte de Saddam ou de Osama Bin-Laden, porque o crime continua a vencer, o ódio continua a liderar.
Como mudar o Mundo? Apetecia-me dizer que praticando o Amor. Mas, hoje e agora, a minha mágoa-dorida é tanta que não tenho paciência para utopias...

terça-feira, 10 de setembro de 2019

TALVEZ


Sei de cor os teus silêncios, traço os mapas das tuas ausências, conheço o gosto das tuas partidas. Para mim, as tuas palavras são excessivas porque balofas. Gordurosas. Não digas mais nada. Fica aí, na tua opção distante, trancado no casulo da razão singular. De que servem a certezas, se só a nós se aplicam?
Falta-me o teu beijo intenso, o abraço forte, o sorriso matreiro. Sobra a água gelada no frigorífico e o pão, de centeio, endureceu. O meu apetite cresce na saudade, mas continuo a fazer dieta de afectos. Talvez seja para sempre assim. Talvez, um dia, consiga alimentar-me apenas da memória de muitos ontens.


As Pessoas Importantes

As pessoas importantes não são capazes
de atender telefones
Porém são capazes
de fazer telefonemas

O outro é um incómodo.
É vulgar, faz parte de um todo que suporta o importante 
mas não é importante
O outro deve prestar vassalagem
Ouvir e concordar
Discordar não convém.

As Pessoas importantes são muito ocupadas

Não têm tempo para servir o outro
Servem-se e não servem
Aproveitam-se e não cedem

Ó gente cheia de ar
Ó gente que oscila com o vento
Ó gente palavrosa e vazia.

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem!

 Maria Luísa Moreira sob a inspiração de Sophia!

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

DIA GRANDE

Há dias grandes, dias rotineiros e dias insignificantes. Predominam  na minha vida os dias rotineiros mas, quando surge um dia grande, eu fico mesmo feliz e cheia de vontade de acreditar e agir!
Hoje, foi um dia grande!
Hoje, ouvi o Professor Domingos Fernandes a explicar, a provar cientificamente, aquilo que, no que respeita a avaliação para as aprendizagens, eu venho defendendo há muito tempo. Fez-me bem à consciência profissional mas, sem dúvida, fez-me também bem aos afectos e às emoções.
Talvez, nalgumas Escolas portuguesas, a transformação de práticas e a alteração do processo de  avaliação nunca aconteça. Mas, de certeza, na maioria das Escolas está a acontecer a ousadia de pensar, o incómodo de questionar. 

sábado, 7 de setembro de 2019

PRECISO DIZER


Talvez a escrita seja o respirar da alma, o travar do sangue que corre desvairado, freio nos dentes, impossível de controlar. É preciso dizer, falar ou escrever, o que nos sufoca, ou morreremos de angústia e excesso de silêncio. Sim, o silêncio é importante, sim, ele fala também. Mas há palavras que precisam ser ditas, mastigadas, às vezes até cuspidas com violência. Sento-me em frente da enorme janela, vejo a figueira que se agita, os cedros imponentes que me isolam e preciso dizer. Dizer da minha alegria por acordar num sábado, dizer do meu entusiasmo por ter para mim 48 horas quase inteirinhas. Preciso dizer que tenho saudades intensas, que carrego desilusões profundas, que experimento a mágoa do não acreditar, que queria a ternura que está excessivamente ausente. Preciso dizer. 
Preciso escrever os pensamentos que suportam a minha vontade de fazer uma Escola diferente. 
Preciso dizer.
Preciso de cortar com a lâmina da palavra a solidão que, daqui a pouquinho, vou tentar afogar na piscina azul.
Preciso dizer. 
Ainda que ninguém oiça, que ninguém leia, que ninguém responda. Porque a palavra é mais de quem a usa, do que de quem a recebe.
Preciso dizer.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

ESQUECER QUEM SE AMA

"Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está? 

As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar. 

É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução. 

Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha. 

Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado. 

O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'"

Há muito tempo, talvez desde o início do INDEPENDENTE, que leio e admiro o Miguel Esteves Cardoso. Embora, ultimamente, ele escreva mais sobre sabores, petiscos, o convívio em torno da mesa, continuo a lê-lo com interesse e gosto. É por isso que o transcrevo. Porque o admiro, porque acho que este pequeno excerto me assenta que nem uma luva.

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

INÍCIO DE ANO LECTIVO

Mais um ano lectivo está a iniciar-se. Mais um ano de desafios, de exigências, de muitas dúvidas e tentativas. Ainda bem que é assim! Ao contráro do que, muitas vezes, alguns colegas defendem, não sou nada adepta de tempos parados, de repetição de rotinas, da chamada "manutenção da normalidade" que, muitas vezes, mais não é do que o cumprimento de uma rotina de vícios e práticas pouco correctas.
Gosto de transformação porque, como tenho a sorte de ser professora e de trabalhar com PESSOAS, sei que elas também se transformam ao longo do tempo. 
Sei, mas sei seguramente, que os alunos de hoje não aprendem como os de há dez anos e, menos ainda, como eu aprendi há 50! Sei, também, que o que se ensina não pode (ou não devia poder) ser o que se ensinava. E sei que há muita coisa que se ensina (ou tenta ensinar) nas escolas que não serve rigorosamente para nada...Não vou dar o meu exemplo preferido - nunca na minha vida me pediram para fazer uma raíz quadrada - mas não hesito em afirmar que se perde muito tempo a tentar que so alunos aprendam coisas absolutamente inúteis!
Iniciei a minha vida de professora praticando a pedagogia do ensino, dava aulas, aprendi a fazê-lo com um modelo que era, para mim, perfeito: a Drª Graciete Leitão. Achava as aulas desta Professora brilhantes! 
Depois, sempre a achar que devia fazer mais e melhor pelos meus alunos, aprendendo com muitos formadores de qualidade, seguindo, quase religiosamente, o Professor Joaquim Azevedo, passei a encarar como construtora de sucesso a pedagogia da aprendizagem. Era necessário que os alunos, que cada aluno, aprendessem, aprendesse, muito mais do que o professor ensinava. 
Mas, nos últimos dois anos, a pedagogia da aprendizagem começou a ficar-me curta... E passei a pensar que era mesmo na pedagogia da comunicação que me devia afirmar. 
Este ano, penso que não há uma única teoria a seguir! É necessário, para que os alunos, para que cada aluno, aprendam, aprenda, que o professor conheça as teorias mas que, sobretudo, saiba adequá-las a cada eu. Sim, é preciso individualizar processos de aprendizagem e, sim, é preciso fazê-lo com 30 alunos numa sala. Como? Autonomizando os alunos, tornando-as construtores do seu próprio plano de aprendizagem, não mais ensinando tudo a todos ao mesmo tempo... A Escola de Setembro de 2019 não pode ser a que faz planificações para o dossier, a que marca testes para o ano inteiro, a que se centra nos resultados de exames. A Escola de 2019 tem de ser a Escola que conversa, que individualiza, que inova, que dá voz aos alunos!!
Este ano, inicío Setembro muito triste. Queria estar na Escola com alunos. Queria ajuadar a construir uma Escola sem turmas, mas com gente que aprende. Para o ano, voltarei de certeza!