sexta-feira, 27 de março de 2015

Modernidade???

Naquele dia, dia de sol e quentura, tudo parecia possível. Ela preparava a casa, o quintal, fazia camas de lavado, cheirava os turcos que queria macios e perfumados, antecipava a alegria da casa cheia, das correrias infantis, da ternura a dizer presente. Andava agitada, apressada, carregando no fundo da alma, lá mesmo naquele lugar longínquo que não queria encontrar, uma mancha cinzenta difícil de explicar. Nos preparativos, ralhando com o cão que insistia em meter-se em casa deixando tudo cheio de pelos, dizia para si mesma que devia aproveitar o momento - Carpe diem - e deixar-se levar pela ansiedade feliz... 
Mas o pontinho negro, teimoso, decidiu alastrar e, de repente, o telemóvel gritou tristeza impondo culpas, trazendo ódios injustos.
Às vezes, a modernidade é incómoda demais e a agressão, gratuita e cruel, vai matando o sol que nasce em cada sonho!

quinta-feira, 19 de março de 2015

DIA DO PAI

Pai, não tivemos tempo para dizer tudo. Há, ainda, muita coisa que queria dizer-lhe, só a si, sabendo que, mesmo nem sempre concordando, estaria ao meu lado... Lembro-me dos passeios na nossa Serra, das idas para espreitar a caça, dos tiros que nos faziam esconder a perdiz clandestina. Lembro-me, sempre, da casa cheia, da amizade constante por todos, do imenso prazer em abrir a porta de casa escancarando o coração. Lembro também, claro, os desgostos grandes. Os silêncios, as madrugadas angustiadas, as solidões iludidas.
Pai, na missa há um cântico que diz "O Senhor é meu pastor, nada me faltará". Não consigo ter a plenitude desta Fé feita confiança, porque o meu Pai faz-me falta sempre. 
Pai, desde que partiu o Natal nunca mais foi o mesmo, a Serra nunca mais brilhou igual, a varanda nunca mais se encheu de alegria e a mesa redonda nunca mais precisou do tampo de aumentar.
Hoje, bem cedo, fui passear no mundo que era nosso. E ouvi o cuco! Lembra-se como, ano após ano, queria ir ouvir o cuco? Dizia sempre que não se morria no ano em que se ouvia o cuco. Ouvi-o hoje. Quero acreditar que foi Deus que o mandou cantar, sabendo que me fazia falta ouvi-lo. Obrigada Pai!

sábado, 14 de março de 2015

BREVE ETERNIDADE

Tínhamos acordado tarde, ou melhor, eu tinha preguiçado até mais tarde e tu, como sempre, saltaras mais cedo da cama em busca das primeiras notícias que sempre acompanhas com o primeiro café. Na cama, pensei uma vez mais que não devias beber café em jejum. Mas enrolei a recomendação na preguiça e deixei-me ficar no silêncio. Lembras-te como chovia lá fora? Tínhamos combinado ir passear, sair para uma volta de domingo mas o tempo,  a chuva, desencorajaram-nos. Agora, quando já não há cheiro a café cedo na minha casa, penso que nunca deveríamos ter cedido ao mau tempo. Talvez, quem sabe, tivéssemos conseguido alguma sabedoria para encarar as tempestades que haviam de chegar...
Naquele dia, eu achava que o cheiro do café, que os teus passos descalços no sobrado, que a mornice da cama seria eterna. Incrível como a eternidade é curta, não achas?
Porque me lembro eu disto, agora, quando o Marques Mendes diz banalidades na televisão? Talvez, apenas, porque naquele dia, naquela manhã, houve um fio qualquer que se quebrou dentro de mim quando, ao entrar na sala, te vi com o olhar perdido numa imagem alheia. Talvez não seja possível, penso, suportar a certeza de um amor sem eco.  

FIM

Muitas vezes os meus amigos me dizem que tudo acaba, que tudo passa, que tudo tem um fim. Muitas vezes também, ecoam em mim as palavras sábias do meu pai "haja o que houver, amanhã o sol nasce outra vez". Mas esta ideia de nova oportunidade, de continuidade também, às vezes desespera-me. Porque me engana! Porque eu acredito que alguma coisa vai mudar, que vai ficar diferente e melhor, que uma nova luz surgirá e, afinal, quando o sol nasce outra vez, a sua luz mostra de novo a realidade velha.
Por isso, eu queria que houvesse um fim. Um ponto final parágrafo, para poder iniciar de vez um novo capítulo numa existência com mais sentido. 

terça-feira, 10 de março de 2015

OS BONS ALUNOS

Sou professora há mais de 30 anos e, hoje, descobri que abomino alguns dos actuais bons alunos... 
Eu explico! Tenho dificuldade em lidar com aquelas criaturas que reproduzem modelos, que vivem para a imagem e para a nota, que colocam os seus interesses pessoais acima dos do grupo que integram, que constantemente perguntam "o que sai para o teste? quando é o teste? quanto tive no teste?" Irrita-me que não percebam, ou que eu não consiga fazê-los perceber, que as aprendizagens decorrem de processos diversos e não, apenas, de memorização e somas aritméticas. Estas criaturazinhas, que cada vez existem em maior número, chegam a irritar-me mais do que os alunos que pouco gostam de trabalhar... 
Se eu for um dia, (sonhar é possível!), ministra da educação, vou propor a adopção de projectos para desenvolvimento da irreverência e ousadia nos alunos arrumadinhos.
Claro que é importante estudar, querer aprender, estar atento. Mas é doentio, acho eu, reduzir a isso a existência... É preciso olhar para a Pessoa que mora em cada aluno, e não reduzir o aluno ao preenchimento da folha excel!!

segunda-feira, 9 de março de 2015

O PARLAMENTO DOS JOVENS

O Parlamento dos Jovens é uma iniciativa conjunta da Assembleia da República e do Ministério da Educação que visa sensibilizar os alunos para práticas de cidadania. No fundo, os alunos debatem um tema, apresentam medidas e escolhem o melhor dos projectos, votando, em seguida, nos alunos que pensam poder defendê-lo com mais eficácia. Em teoria, tudo certo.
Há talvez sete ou oito anos que acompanho os meus alunos do Clube Europeu nesta aventura. Alguns dos que participaram já  concluíram licenciaturas e, creio, lembrar-se-ão ainda destas experiências. 
Este ano, voltei ao Parlamento dos Jovens e penso que terá sido a última vez que o fiz. A minha desilusão não tem tamanho! 
Fará sentido preparar os alunos para imitarem os erros dos adultos? Fará sentido permitir que os miúdos reproduzam aquilo que qualquer cérebro inteligente considera absurdo?!
Tenho muito orgulho nos meus alunos, tenho muito respeito por eles e, por isso mesmo, estou sempre disponível para aderir a iniciativas e projectos que me pareçam poder contribuir para o seu crescimento pleno. O Parlamento dos Jovens não é um desses projectos! E eu tenho pena que os promotores do mesmo não o repensem, não modifiquem as regras porque, repito, teoricamente ele faz sentido!!
Às vezes, muitas vezes, penso que era muito fácil fazer melhor, fazer diferente e que só falta, mesmo de verdade, vontade de pensar...

domingo, 8 de março de 2015

DIA DA MULHER

Bem cedo, mal abri os olhos e liguei o rádio, entrou-me em casa o Dia da Mulher. Eu, que sempre tenho dificuldade em compreender esta febre dos "dias" de tudo (e às vezes de coisa nenhuma), deixei-me ficar na preguiça a pensar na condição, involuntária, de ser Mulher. Não se é, com certeza, melhor ou pior do que os homens mas é-se, sem dúvida, diferente. Pessoalmente, penso que ser Mulher é um privilégio. Gosto de ser Mulher, sempre. Gosto de usar saias e vestidos, gosto de não ter barba, gosto de poder carregar um filho dentro de mim, gosto da magia de olhar a ternura que reveste, tantas vezes, a vida...

Claro que sei que há discriminação, que há mulheres maltratadas e humilhadas, que a igualdade de géneros ainda é, vezes demais, uma quimera. Mas acredito que estamos no caminho para o reconhecimento das diferenças (a palavra igualdade faz-me arrepios) e, hoje, decidi oferecer-me um almoço especial! Fiz um ratatui de vieira e mexilhão, enchi um copo de bom vinho branco, fui colher tangerinas ao quintal e sentei-me na minha varanda de emoções olhando o mundo. Não sei se fiquei mais mulher, se fui mais feliz por um bocadinho, se iludi a solidão. Sei, sim, que o meu almoço me soube muito bem! E apetecia-me que todas as mulheres pudessem, ao menos hoje, gozar um momento de PAZ igual ao meu!!

sábado, 7 de março de 2015

OS FILHOS

Com amor e entrega, normalmente, fazemos os filhos. Carregamo-los na barriga pelo menos 38 semanas. Por eles enjoamos, vomitamos, perdemos a forma (e as formas), vemos inchar os pés, vemos surgirem manchas na pele. 
Depois, suportamos as dores do parto. Rasgam-nos, cosem-nos e mudamos o número da roupa. Deixamos de dormir, amamentamos, andamos na rua com medo de, de repente, termos as blusas manchadas, abandonamos os pequenos prazeres, por eles. Suportamos as febres, os primeiros dentes, as primeiras quedas, sorrimos às primeiras palavras, ganhamos dores nas costas para ajudar nos primeiros passos, seguramos o selim da bicicleta para aprenderem a pedalar, chamamos a fada dos dentes quando caem os primeiros dentinhos, choramos no primeiro dia de escola, ouvimos os desgostos, partilhamos as alegrias, fazemos festas de anos inesquecíveis, passamos as férias de joelhos a construir bichos e castelos na areia. Vêm os primeiros namorados, sofremos as primeiras desilusões, tememos o pior, festejamos os sucessos. Temos insónias nas vésperas dos testes, sofremos a dúvida da entrada na Universidade... 
Depois, um dia, eles partem. A vida é deles, dizem-nos com razão. E exigem-nos o silêncio face ao que sabemos ser enormidades, impõem-nos distância quando sabemos que a proximidade seria importante... De repente, sabem tudo! E nós olhamos, no maior vazio que existe, no desespero feito de impossibilidade de compreensão.
São assim, os filhos. Mas são nossos, eternos e únicos!

sexta-feira, 6 de março de 2015

ANIVERSÁRIO

Fiz anos sem dar por isso. Ou seja, eu não fiz anos-anos, porque não houve 29 de Fevereiro, dia em que nasci. Mas fiz anos porque houve o dia a seguir a 28, por acaso de outro mês. No entanto, para além desta confusão de datas, eu não fiz anos porque não dei por eles! Andava muito preocupada com o nascimento de mais um neto, tinha a existência toda emaranhada e nem parei para pensar na data dos parabéns.
Fiz mais de meio século, passei já mais de metade do meu provável tempo de existência, e só agora, cinco dias depois, me deu para pensar que ao longo da minha vida tenho caminhado de erro em erro, de tentativa em desilusão, de desgosto em mágoa. Tenho 55 anos, carrego comigo uma imensidão de memórias, algumas saudades e, ao contrário de muita gente, se voltasse atrás faria muita coisa de outra forma... Como não posso recuar no tempo, olho o futuro carregando no bolso a experiência da desilusão. 
Fiz anos! Afinal, estou viva e posso ainda - DEVO ainda - fazer muito mais tentativas para acertar o passo com a felicidade...