quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

CEFALEIA

 Quando alguém se queixa de dor de cabeça, costumo dizer, brincando, que é muito bom que tal aconteça, porque é a prova de que tem cabeça. Hoje, só para não me armar em engraçadinha, acordei eu com uma cefaleia violenta (assim, com nome pomposo, ganha outro estatuto), e mal consigo abrir os olhos. Obviamente, já fiz um cocktail de comprimidos, já andei a cheirar o Zorba, para confirmar que não é COVID, e já agradeci o facto de ter cabeça.

No entanto, a cefaleia aguda, felizmente não grave, não desaparece.

Para complicar as coisas, a vida moderna faz-se de ecrãs, e o brilho do meu computador dispara setas no meu cérebro. Penso que tenho muita sorte por não dar crédito à vida. Se assim não fosse, estaria fechada no quarto, às escuras, maldizendo a incómoda cefaleia.

Era capaz até de lhe chamar dor de cabeça, só para a minimizar!

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

REVOLTA

Fecharam-me em casa, trancaram-me a existência, impuseram-me os ecrãs gelados, envolveram-me em virtualidades. Ignoraram que o Tempo não pára, que o monstro Cronos a cada dia come vinte e quatro irrecuperáveis horas. 

Proíbem-me vivências irrecuperáveis, não há adiamentos para momentos marcantes! Amanhã, a minha neta Constança faz 8 anos e eu estou longe, sem possibilidade de lhe dar um abraço, de a ouvir contar das descobertas da vida que está a fazer, sem poder contar-lhe


mais uma história,  dizer-lhe ao ouvido que está linda com o vestido novo!

Não é justo, não é democrático! 

Não devia ser permitido proibir os afectos, prender cidadãos que não cometeram qualquer crime entre quatro paredes. Eu quero de volta a minha liberdade de circulação! Quero voltar a ser responsável pela minha vida, pelas minhas opções!

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

PARADOXOS E APRENDIZAGEM

 

Li, não há muito tempo, durante a preparação para uma sessão de trabalho, mais uma entrevista à Drª Luísa Tavares Moreira (não, não sou eu, mas tenho pena. Admiro profundamente a minha homónima) onde ela lembrava que enquanto diretora de uma escola, via os rapazes e raparigas saírem e entrarem pelos portões e percebia que aquela não era a Escola de todos. Também eu senti, e pensei, e penso, isso mesmo muitas vezes. Há escolas que são gaiolas, há escolas que dão asas. Ou, talvez com mais propriedade, eu possa afirmar que há professores que ensinam a voar e há outros, felizmente cada vez menos, que trancam gaiolas nem sempre sequer douradas.

Quando eu era menina, frequentando o então ciclo preparatório, tive um professor que me aterrorizava. Sempre fui leitora, leitora quase compulsiva e, à época, aquele professor, alto, nariz adunco, dedos enormes, lembrava-me sempre o conto do barbeiro Mestre Finezas, do Manuel da Fonseca, sendo eu o infeliz Carlinhos de saias. Juro, sem exagero, que tinha pesadelos na véspera das aulas de matemática e que, mesmo que eu tivesse estudado, o que fazia com a mente presa no pavor, mal entrava na aula começava a tremer. Sem grande esforço, oiço ainda a voz nasalada, grave, daquele terrorista de almas que era o meu professor de matemática.

No mesmo ano, tive uma professora de francês que devia ser a personificação do sorriso, ou ter sido feita num dia de sol radioso, pois tinha açúcar na voz e embrulhava em seda as aprendizagens. Aprendi a cantar as conjugações, a1ª a 2ª e a 3ª, sabia dizer frases inteiras e lia os textos com prazer. Quando, à noite, por imposição da minha mãe, preparava os livros para o dia seguinte, era com muita alegre ansiedade que confirmava se teria francês.

O tempo passou, porque o tempo passa sempre ignorando ansiedades juvenis, e fui para o Liceu. Aí a matemática já não era o Mestre Finezas, era mesmo a tesoura do dito. Resolvi arrumar o assunto de vez e, com muito gosto, sempre que possível trocava a aula de números e equações por uma hora de namoro nas escadas do corro, ou uma boleima no Café Alentejano. Obviamente, os meus conhecimentos matemáticos limitam-se à vaga ideia de que havia umas equações com um X de valor duvidoso, e uns números de dois andares que se multiplicavam de forma complexa.

Hoje, professora também, partilhando o desejo de uma Escola efetivamente para todos, e por isso para cada um, procuro uma forma de ensinar a voar. De eliminar os sucedâneos do aterrador Mestre Finezas, de fazer proliferar os professores que deixam crescer os sorrisos.

Sim, recordo muita Escola e parafraseio a Drª Luísa Tavares Moreira: - Temos de ser capazes de fazer uma Escola para cada um!