segunda-feira, 27 de junho de 2011

Anteu (sem Mito)

Pôs os pés na sua terra, na cidade de muralhas gastas, no empedrado que intercalava preto, branco, e buracos, e sentiu-se viva. Conhecia as conversas silenciosas da Quina das Beatas, descodificava os olhares longos dos velhos, eternamente encostados às paredes, e ria com gosto dos visitantes que esmurravam as modernas pinturas metálicas nas esquinas da sua cidade.
Devia ser a prova que Anteu, o Mito, era mais do que isso. Ou era isso mesmo, o Mito, o tal "que é o nada que é tudo", como o outro, o que "foi por não ser existindo". Mito.
Sentia-se revigorada, como que redescobrindo o equilibrio perdido nas curvas de uma existência que, muitas vezes, o não é de facto, ao pisar a terra a que chamava sua.
Se não tivesse terra, se fosse gente sem chão, se o telurismo não a fizesse pessoa, como poderia (sobre)viver?

Os Santos

Não pedia milagres, há quanto tempo descreditara neles?, mas gostava de montar o altar, de regar o manjerico e de ficar, à noite, olhando as estrelas no manto do céu. Pareciam mais brilhantes, talvez purificadas por olhares mais livres, e faziam quentes as noites do Junho longo. De tarde, ainda vindo da escola, as crianças eternas olhavam, riam, mas não pediam já um tostãozinho p'ró Santo. Se pedissem, seriam cinco euros, a unidade que parecia mínima na moeda importada, e decerto não seria para o Santo, mas para uma cerveja talvez. Estranhava a mania exagerada do alcool, incomodavam-na os andares cambaleantes de gente excessivamente jovem - porque há tempo excessivamente jovem para poder ser destruído -, as barraqunhas vendendo a jorros os inebriantes liquídos. Até os manjericos nas janelas, parecia-lhe, lamentavam aquela bebedeira tristemente colectiva e, por isso, insistiam em murchar antes do tempo...
Afastou pensamentos incómodos, sorrindo ao facto do social se tornar cada vez mais doloroso, e preparou o balão colorido. Havia de ser capaz de o lançar, tarde na noite, da sua janela. E lá dentro, bem preso com fita cola, iria o pedido secreto. O seu. Se o Santo recebesse, talvez a ajudasse. Ou não.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Lisboa. Encostada ao rio, testemunha de muitas partidas e chegadas, observadora, por certo, de mil ilusões e desilusões. Vejo-a ao longe, da outra margem, no Restaurante sereno, com a alma a acostar na eterna certeza e incerteza que é viver. Chegam-me os meus poetas, ausências sempre presentes, e deixo correr o sonho, qual veleiro, ao sabor dos ventos dos impossíveis de ser.
É Lisboa. Mulher, dizem os poetas.

sábado, 18 de junho de 2011

Sufocando

Queria conseguir ficar calada. Por muitas razões, por medo de represálias sobretudo, por querer acreditar que em breve tudo vai mudar, sem dúvida. Mas sufoco! E a escrita é o meu espaço de liberdade (às vezes). Quero acreditar, quero mesmo, que o novo Ministro da Educação vai acabar com estas aberrações, mas preciso manifestar a minha tristeza, sofrida, perante o que fui obrigada a viver na 5ª e 6ª feira.
Fui convocada para fazer formação para classificadora de exames. Ninguém me perguntou se queria fazer esta formação, mas eu até aceito que os funcionários devem cumprir o superiormente determinado (embora ache discutível que isso possa implicar tempo de trabalho acrescido) e, por isso, lá fui. O que me revolta não é a obrigatoriedade desta formação mas, sim, a inutilidade e falta de qualidade da mesma.
Pretende-se conferir rigor à classificação de exames, e eu apoio, mas o processo está radicalmente errado! Separa-se o conteúdo da estrutura, a estrutura da correcção linguística, como se se tratasse de puzzles e não de textos que, na sua essência, devem construir sentidos! Espartilha-se tudo, pretendendo, hélas aberração!, obter classificações iguais, atribuidas por professores diferentes. Os critérios, em si mesmo absurdos, impedem a liberdade da escrita e ouvi, com surpresa, dizer que tenho de esquecer a totalidade do texto, a intencionalidade comunicativa, para espartilhar a correcção em aspectos diferentes. De repente, parece pretender-se que a expressão da língua, a competência da escrita, se torne numa soma aritmética!
Claro que defendo que tem de haver rigor na correcção das provas. Como tem de haver rigor no ensino, na aprendizagem, na vida!! Mas esse rigor não pode ser obsessivo ao ponto de se tornar castrador da liberdade da escrita e da interpretação. Sempre haverá classificações diferentes, sempre houve. Mas são, habitualmente, diferenças mínimas, sem expressão significativa no final da prova, e eu acho isso natural, porque são diferentes olhares! Se há erros, e é natural que os haja, existe a possibilidade de pedido de reapreciação da prova!!
Corrijo exames há mais de 20 anos, provavelmente mal, mas temo passar a corrigi-los agora, depois de dois dias de uma formação que até um teste individual implicou!!!,  muito pior...

Sangue Novo

Está aí o novo governo. Duplamente novo, porque feito de gente ainda jovem, aparentemente sem cargas pesadas a reboque. Pessoalmente, estou confiante e cheia de esperança. Conheço, bem, alguns dos novos ministros; conheço, da escrita, outros tantos. E gosto deles! Confio na vontade de fazer diferente, de fazer melhor. Penso que terão coragem para combater os lobbies, lutar contra o clientelismo instalado e atacar  a corrupção. Quero crer que serão capazes de cortar a direito, extinguindo muita da carga obesa que tem tornado pesado e inerte o estado Português.
É gente de uma geração nova, com gostos muito para além da posse de um bom automóvel ou de uma grande casa. Não vejo, nos novos ministros, os toques de novo riquismo piroso habitual e, também por isso, até já trabalho com mais vontade.... É que tenho esperança que o fim das enormidades no ensino esteja para breve.
Desejo, sinceramente, que esta nova equipa aguente as dificuldades, as guerrilhas de terrorismo político e mediático, e seja capaz de nos ajudar a sair desta crise sufocante. Hoje, sinto o meu Portugal a alegrar-se!!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

chapéu de palha

Era numa cadeira velha, gasta, baixinha, com as flores alentejanas numa pintura esborratada, que ela se sentava. Ia cedo, gostava de se levantar ao primeiro cacarejar do galo, e levava a fruta fresca. Sentava-se, punha na cabeça o chapéu de palha menineiro, colocava os cartazes e ficava esperando: - "Vendem-se cereijas; Melâncias; Nêspras" -, escrevera no cartão da caixa dos ovos. Muitas vezes, os carros passavam como o vento, nada dizendo, sem sequer a olharem. Mas, outras vezes, havia quem parasse. Havia, até, quem quisesse conversa, quem fizesse perguntas: - Então a senhora é viúva? Veste-se de preto... - Sim, era viúva. Mas não sabia desde quando. Às vezes, pensava que fora sempre viúva, se o negro significava viuvez, porque se esquecera de ser menina e sempre vivera com o negro na alma. - Então as suas cerejas são doces? - E ela sorria um desdentado de certeza que convencia os mais bem dispostos.
Naquela tarde, parara um janota, um figurão, que perguntara com um tom azedo: - Então vossemecê não tem um neto que lhe corrija o cartaz? Já viu que está aqui com isto tudo mal escrito? Não sabe que as cerejas não têm "i"?! - Não senhor, não sabia. Sabia que a trovoada seca estragava a uva, que o pedrisco deitava as cerejas ao chão, que a chuva de Maio afogava o melão, que os pardais se riam do espantalho, que o pôr-do-sol vermelho anunciava calor, que as galinhas velhas não punham ovos, que o gato dava conta dos ratos. Mas não sabia que as cerejas não tinham "is". Nem sabia das outras palavras que o figurão garantia serem uma vergonha de erros. Olhou-o pelas frestas das rugas e, vendo escorrer o suor no pescoço engravatado, perguntou: - O senhor não me leve a mal, mas com tanto saber, o senhor não sabe que quando se anda ao sol se deve usar chapéu? Olhe, fique sabendo que eu nunca me esqueço do meu... Sabe, é que a gente, com os anos, aprende a conhecer o que é mesmo-mesmo importante! E, se fossem só os iis a incomodar a gente...

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O Ensino do Português - Hoje



Aproximam-se os exames e, compreensivelmente, as minhas angústias docentes exacerbam-se. Já muitas vezes, talvez vezes demais, defendi a importância dos exames como, de alguma forma, garantes de uma exigência que, como professora, considero imprescindível para o sucesso do processo de ensino e aprendizagem. Não é por isso de exames que me apetece falar.
Apetece-me, antes, pensar, na sombra da blogosfera, o que antecede os exames, no ensino do Português (e suspeito que no ensino da maioria das disciplinas) no meu país.
Parece-me impossível não reconhecer que o mundo mudou. Mudou radicalmente, sobretudo nos últimos 20/30 anos, prolongando a adolescência, provocando respostas céleres, invadindo (e bem!) a Escola, com indivíduos de variadas origens sociais e pessoais. Hoje, tudo, ou quase, é imediato, visível, de acesso fácil. O conhecimento, na mera aquisição da informação, está à distância de um clique e, por isso mesmo, quem está nas escolas vive o que considero histerismo hilariante do telemóvel. Ou seja, o pânico de que os alunos “copiem” via telemóvel, porque enviam sms com os aparelhos no bolso, porque têm os blackberries de última geração para, mesmo sem olharem, enviarem e receberem mails com perguntas e respostas. Creio que, por si só, este facto (ridículo) serviria para provar o desfasamento da Escola actual…
Parece-me muito fácil, de verdade, combater o copianço electrónico: - Mudem-se os instrumentos de avaliação! Torne-se a avaliação um processo, gradual, pessoal, individualizado, e termine-se com mera medição, e sequente classificação, da quantidade de conteúdos/informação adquirida! Trabalhe-se por competências e não por aquisições que, muitas vezes, se revelam inócuas e dolorosamente efémeras!

Mas eu queria falar do ensino do Português…

Eu queria escrever, numa tentativa de imortalização de opinião?, que me dói a alma, que se me encolhe a consciência social, que se me engelha a minha dimensão profissional, sempre que vejo os alunos de 12º ano carregando livros com colecções de exames para as explicações onde treinam perguntas! Desespera-me ter de ensinar português, fingindo que só há uma interpretação possível para cada peça literária, impingindo leituras, tornando os jovens mentalmente obesos, porque só comem comida plastificada…
Defendo um ensino centrado na descoberta do saber, nas aprendizagens activas, obviamente orientadas, capazes de desenvolver espíritos críticos, abertos à inovação, capazes de fazer escolhas. Ensinar português, hoje, deveria ser desenvolver competências de leitura, desenvolver sentido estético, divulgar referências capazes de orientar escolhas! Hoje, não faz sentido, para mim, que um aluno saia da escola, ao fim de 12 anos!!, sem ser capaz de apresentar publicamente uma ideia, de interpretar e se posicionar face a um qualquer texto, literário ou não. Hoje, ver jovens de 16 e 17 anos, até mais, incapazes de se expressarem na sua língua materna, incapazes de opinar sobre um qualquer assunto do quotidiano, desespera-me.
Costumo dizer que esta escola fica-me curta, mas, hoje, acho mesmo é que esta escola não me serve. Aperta-me o sonho, atropela-me a esperança, desfaz-me a bainha da fé na mudança que o Mundo me impõe!!

Por favor, agora que os ventos sopram alguma mudança, alguém olhe a Escola portuguesa para a colocar na rota do sucesso!!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Até ver...

Houve eleições, houve mudança, e eu sinto, de alguma forma, a esperança renovada. Ninguém faz milagres, já não há quem caminhe sobre as águas..., mas quero crer que haverá quem consiga encontrar de novo um rumo para o meu País! Estou confiante, optimista e, até ver..., com vontade de participar e agir.
Até ver. Porque: "When the facts change, I change my mind. What do you do, sir?"

(J.M. Keynes)