Era numa cadeira velha, gasta, baixinha, com as flores alentejanas numa pintura esborratada, que ela se sentava. Ia cedo, gostava de se levantar ao primeiro cacarejar do galo, e levava a fruta fresca. Sentava-se, punha na cabeça o chapéu de palha menineiro, colocava os cartazes e ficava esperando: - "Vendem-se cereijas; Melâncias; Nêspras" -, escrevera no cartão da caixa dos ovos. Muitas vezes, os carros passavam como o vento, nada dizendo, sem sequer a olharem. Mas, outras vezes, havia quem parasse. Havia, até, quem quisesse conversa, quem fizesse perguntas: - Então a senhora é viúva? Veste-se de preto... - Sim, era viúva. Mas não sabia desde quando. Às vezes, pensava que fora sempre viúva, se o negro significava viuvez, porque se esquecera de ser menina e sempre vivera com o negro na alma. - Então as suas cerejas são doces? - E ela sorria um desdentado de certeza que convencia os mais bem dispostos.
Naquela tarde, parara um janota, um figurão, que perguntara com um tom azedo: - Então vossemecê não tem um neto que lhe corrija o cartaz? Já viu que está aqui com isto tudo mal escrito? Não sabe que as cerejas não têm "i"?! - Não senhor, não sabia. Sabia que a trovoada seca estragava a uva, que o pedrisco deitava as cerejas ao chão, que a chuva de Maio afogava o melão, que os pardais se riam do espantalho, que o pôr-do-sol vermelho anunciava calor, que as galinhas velhas não punham ovos, que o gato dava conta dos ratos. Mas não sabia que as cerejas não tinham "is". Nem sabia das outras palavras que o figurão garantia serem uma vergonha de erros. Olhou-o pelas frestas das rugas e, vendo escorrer o suor no pescoço engravatado, perguntou: - O senhor não me leve a mal, mas com tanto saber, o senhor não sabe que quando se anda ao sol se deve usar chapéu? Olhe, fique sabendo que eu nunca me esqueço do meu... Sabe, é que a gente, com os anos, aprende a conhecer o que é mesmo-mesmo importante! E, se fossem só os iis a incomodar a gente...
Naquela tarde, parara um janota, um figurão, que perguntara com um tom azedo: - Então vossemecê não tem um neto que lhe corrija o cartaz? Já viu que está aqui com isto tudo mal escrito? Não sabe que as cerejas não têm "i"?! - Não senhor, não sabia. Sabia que a trovoada seca estragava a uva, que o pedrisco deitava as cerejas ao chão, que a chuva de Maio afogava o melão, que os pardais se riam do espantalho, que o pôr-do-sol vermelho anunciava calor, que as galinhas velhas não punham ovos, que o gato dava conta dos ratos. Mas não sabia que as cerejas não tinham "is". Nem sabia das outras palavras que o figurão garantia serem uma vergonha de erros. Olhou-o pelas frestas das rugas e, vendo escorrer o suor no pescoço engravatado, perguntou: - O senhor não me leve a mal, mas com tanto saber, o senhor não sabe que quando se anda ao sol se deve usar chapéu? Olhe, fique sabendo que eu nunca me esqueço do meu... Sabe, é que a gente, com os anos, aprende a conhecer o que é mesmo-mesmo importante! E, se fossem só os iis a incomodar a gente...
Se fossem, mesmo, só os iis, tudo ia bem... o mal é tudo o resto, a má educação, o mau ensino, a má prática de medicina, os tribunais que não funcionam, quer mais?
ResponderEliminarCumprimentos.