Sou uma leitora compulsiva, assumo. Leio tudo, desde as bulas dos medicamentos aos romances repetidos, e, ainda assim, encontro prazer nas leituras, nos lugares revisitados, nas frases ritmadas (ou não), nas capas e cores que gosto de olhar. Quando as noites são demasiadamente longas, lá vou eu procurar um velho livro. Às vezes, escolho romances onde passeiam personagens já íntimas, outras vezes busco pensamentos que me ajudem a compreender (ou a aceitar) um pouco melhor o mundo que integro. Sempre me surpreendem os textos humanistas de facto, a escrita de Margeurite Yourcenar, os elogios à liberdade, como gosto de quimeras!, e o respeito pela individualidade. Nos dias de hoje, com o Natal à porta e a crise por todo o lado, sinto que faz ainda mais sentido pensar para além das frases feitas, das afirmações ocas, das parangonas sem rumo. Olho o mundo entre as linhas dos meus livros e aprendo que tem de ser possível construir-se uma sociedade mais razoável, mais verdadeira, mais solidária, mais justa também. Sinto, hoje, excessivamente vivo o Calisto Elói de Camilo, tenho saudades intensas do Marcos de o Último Cais, encontro diariamente o Dâmaso Salcede de Os Maias, troco impressões com a Gulia da Sveva e, na minha escola, tento que, por favor, Não Matem a Cotovia...
Irritada mesmo, fico quando me dizem que esqueça os livros e as literaturas, que descomplique e assuma, simplesmente, o egoísmo em vez da ternura. É nestes momentos que agradeço ter as estantes atafulhadas de palavras com sentido eterno!
A leitura leva-nos a estas intimidades com os personagens dos livros.
ResponderEliminarJá imaginou, nas noites longas deste outono, os personagens dos livros da sua estante a aquecerem-se à lareira, que ainda não se apagou, e a conversarem animadamente uns com os outros?
Cumprimentos.
Epílogo
ResponderEliminarquando já não houver livros
se alguma vez não houver livros
que vou fazer dos meus?
queimá-los como coisas
velhas obsoletas?
não, porque mesmo velhos obsoletos
os livros guardam dentro
matérias explosivas
seria perigoso
deitá-los ao mar
num dia nevoento?
também não, que têm dentro
pássaros e flores e gente
seria uma catástrofe
quando já não houver livros
se alguma vez não houver livros
que vou fazer de mim?
vou fechar-me no sótão
a gastar as mãos em afagos
e os olhos em banquetes
envelhecer como um vidente
que sabe onde moram os tesouros
Cláudio Lima In Itinerarium II