domingo, 31 de julho de 2016

EXEMPLOS

Na missa de hoje, um casal assinalava 50 anos de casamento. 100, dizia o senhor padre, porque cada um viveu 50 com o outro. Mas não foram as contas que me impressionaram. Não foram, sequer, os 50 anos, que também os meus pais felizmente assinalaram. 
O que me tocou, nos sentires e pensares, foi ouvir o senhor Benvindo (que não conheço) dizer, em voz tremida mas sincera, que nem tudo foi fácil. Que houve muitos espinhos, desentendimentos e dificuldades. Mas que, o segredo - que não é segredo - é sempre ser capaz de perdoar, de ouvir e não julgar. Porque, dizia ele, amar é assim - aceitar mesmo sem compreender e estar presente, sempre, para partilhar e ajudar.
Mais do que as leituras ou a homilia, foi o depoimento breve e intenso do senhor Benvindo que marcou o meu domingo. Tenho um pouquinho de inveja, inveja boa, dos casais que conseguem construir cumplicidades efectivas, que conseguem tempo para ouvir, perdoar e compreender. Talvez, no fim da minha vida, a maior mágoa que leve seja mesmo esta - a impossibilidade de ter tecido teias de afectos reais com alguém especial. 
Enfim, é domingo! Vou fazer uma boa salada de tomate, regá-la com orégãos, abrir um bom vinho branco gelado e gastar o tempo com o meu cão e um bom livro.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Vargas Llosa

Acho que era um livro do Vargas Llosa - não, ainda não tinha casado com a Isabel Presley - e eu andava a lê-lo com entusiasmo. Às vezes, comentava contigo passagens - sim, nunca gostaste muito de ler - e manifestava o meu desagrado face a alguma violência verbal. Há quem goste de palavrões - fazem parte da vida, não é? - mas a mim ainda incomodavam. E incomodam. Mas acho mesmo que era um livro do Vargas Llosa. E falava de máfias, de amores clandestinos - os amores não são sempre clandestinos? -  da América a saber a índios. No meio das páginas, mesmo quando a personagem principal - sim, as personagens são todas principais -, ia ser esfaqueada pelos mafiosos, saltou o bilhete. 
Era um bilhete gasto, escrito à mão em letra descuidada, e apenas uma palavra se lia com clareza - deve ser uma das tuas listas de compras -. Não era. A palvra única, legível, era amanhã. E riste-te. Há sempre um amanhã! 
Infelizmente, agora não me rio. Sabes, nem sempre há amanhã. Por vezes, só sobram ontens...

quinta-feira, 7 de julho de 2016

ENCERRADO
FÉRIAS DA VIDA

sábado, 2 de julho de 2016

O Portão Verde

O portão verde, da velha casa amarela, está sempre fechado. O portão verde abria-se de par em par e dava entrada a familiares, amigos, aos filhos e aos donos da casa. No início, era um portão estreito que se impunha, violentamente, riscando os automóveis desconhecidos. Depois, o dono da casa mandou alargar a passagem, ele tinha também um coração largo, e o portão tornou-se, ainda que por imposição, mais receptivo. 
Do portão verde vê-se a velha casa amarela. Na velha casa aconteceram partos, mortes, amores, discussões, festas e desentendimentos.  
A vida revelava-se, a cada dia, nas manifestações de momentos que as muitas memórias haviam de eternizar. A velha casa enchia-se de risos de crianças, as hortênsias guardavam segredos, e os velhos muros não contavam nunca as ousadias que presenciavam. Na velha casa, os passos faziam estalar as madeiras, as vidraças enchiam-se de mosquinhas minúsculas quando o Verão chegava e, às vezes, uma ou outra osga abusadora instalava-se na parede da sala. Na velha casa amarela, tinha havido sonhos infantis, lágrimas muitas e ternuras sem limite.
Agora, o portão verde está sempre fechado. A velha casa está vazia e as madeiras, quando gemem, é de dor pela ausência imposta. No quintal, as ervas assustam as hortênsias, as rosas cruzam-se com cobras e a relva faz inveja às árvores. 
Quem fechou a velha casa chora inda. E a vida impõe silêncio garantindo que são apenas paredes... Paredes. Mas paredes com vida, com presenças que, tendo partido, ficarão para sempre. 
Se eu pudesse, eu havia de abrir de novo, de par em par, o grande portão verde!