Sentou-se na esplanada, com 1,5kg de cão ao colo. Perdão, cadela. O laçarote rosa, o ganchinho cuidadosamente colocado no pelo enrolado, não deixavam margem para dúvida, e a pequena Chihuahua não devia achar graça a confusões de sexo. Pediu um chá gelado, que não havia, e bebeu uma limonada, que havia. Com o telemóvel sofisticado, decerto um Iphone de última geração, fotografou a Torre de Belém com sofreguidão. Como se quisesse guardá-la só para si, ou como se quisesse compreender aquele monumento assente na água, ou como se pretendesses captar um passado que não vivera, ou, apenas, com a fúria moderna que faz telemóveis dispararem furiosamente sobre tudo e todos. A mulher sozinha, ou melhor, as duas figuras cuidadas, prenderam a minha imaginação. Alguma vez, no momento de construção deste monumento incrível, os homens teriam sonhado que pouco mais de um quilo de cão (cadela) pudesse sentar-se à mesa e beber limonada de um pratinho? E imaginaria aquela mulher moderna os sacrifícios por detrás do monumento? De repente, ouvia em mim as Despedidas de Belém, o choro de outras mulheres, a angústia certa de muitos homens.
Veio Camões desafiar as tágides, vieram os frades abençoar as caravelas, vieram os portugueses sonhando alto, sonhando longe, querendo mais e melhor. Era o Tempo de ousar e não, como hoje, o tempo de lamentar e desistir...
Agora, a velha Torre é pedra morta, suja e gasta, como os sonhos mortos dos portugueses perdidos.
No alto, a lua marcava presença, ainda que o sol brilhasse, como que garantindo que a noite existe mesmo quando o dia se enche de luz. A mulher moderna beberricava ainda a limonada, afagava a bichinha e olhava a Torre. Subitamente, um homem chegou, beijou-a friamente e sentou-se. Ela apontou a Torre, ele pediu uma cerveja. Ficaram conversando, ele vendo no telemóvel as fotos que ela tirara, esquecido de que o original e real estava mesmo ali. Lembrei-me de como, tantas vezes, nos perdemos no virtual esquecendo a proximidade do real (ainda) possível.
1,5Kg de cão ao colo, com lacinhos e a beber laranjada- gostei disto...
ResponderEliminarEu não tenho pachorra pra ver estas coisas.
Começo logo a pensar numa estalada na senhora e outra no cãozinho com os laçarotes...
A Torre de Belém, para mim, é sempre espectacular,principalmente à noite iluminada .
A mulherzinha devia estar a estrear um telefone novo de certeza, para se lembrar de fotografar a torre.
E porque será que o homem beijou a mulher friamente? Vai ver, nem viu que era a mulher.Também não olhou para a Torre...
Belo texto!
Luisa, gostei muito deste seu post sobre tudo pela analogia. Merecia um comentário mais sério do anónimo das 22.55!
ResponderEliminarSra.D.Dalma,
ResponderEliminarAdoro, devoro,respeito, idolatro, tudo que escreve a nossa distinta Prof.Luísa Moreira! Ela sabe.
Mas tenho o meu lado crítico para os cães de lacinho e de quem lhos põe na cabeça...
Sei que a nossa escritora tem sentido de humor também e apurado, por isso é que gracejei.
Fez muito bem, fazer o reparo.É assim que funciona este blogue.É isso que o distingue.
Deixo as minhas desculpas à Senhora de algo, e também à prof.Luísa Moreira.
Mas eu amei este texto, claro.
Está esclarecido, anónimo agora das 17.16!
ResponderEliminarConcordo que sou uma pessoa com muita falta de humor...