Ali junto ao Tejo, esquecido no meio da modernidade humana, está um marco do Correio sem uso. Viu crescerem ervas, daninhas?, viu até nascerem algumas flores coloridas. Espreitei lá para dentro, procurando postais antigos, vidas esquecidas, e não é que encontrei uma carta perdida, decerto deixada cair por algum carteiro incauto?! Rezava assim:
"Querida Mulher minha,
Vou passar em Lisboa, sem tempo para abraçar-te, mas com espaço para correr a deixar-te esta carta no marco aqui mesmo junto ao cais. Queria dizer-te tanta coisa... Queria, desde logo, dizer que tenho saudades do teu sorriso, do teu cheiro a lavado honesto, da sopa que fazes e me devolve a fé na humanidade. Tenho saudades de te abraçar, de te colar ao meu corpo sabendo que, assim, o completo. Tenho saudades de me sentar contigo, os dois descalços, agitando os pés na margem do rio. Tenho saudades, mulher, do teu abraço quente quando, gelada, te deitas depois de mim e me pedes calor.
Ah! A vida é assim, tenho de trabalhar, de ver a noite confundir-se com o chão líquido que me embala, de procurar na lua as palavras de boas-noites que prometeste enviar-me sempre pela estrela mais brilhante. Custa saber-te perto e não poder desembarcar. Mas a vida é assim, dizes tu, a gente tem de aprender a não poder e sorrir. Coisa esquisita, essa, de não poder e sorrir. Ah mulher, queria fugir daqui, correr pelas ruas empedradas e húmidas, chegar a casa e ter-te, surpreendida, com a humidade que te inunda o olhar sempre que a felicidade transborda do coração. Queria até, imagina, convidar-te para um naufrágio a dois.
Vou deixar-te esta carta aqui no marco mais próximo, e espero que o carteiro não a perca pelo caminho... Se se perder, terás de te satisfazer com a imaginação e com o brilho das estrelas. Como eu faço. Às vezes, vejo o teu olhar escuro na primeira estrela, sinto o teu cabelo castanho na madeira escura do meu beliche.
Para ti, vai um beijo com a intensidade das ondas, com a energia do vento, com a alegria do sol.
Até um dia. "
Quem conhecer a destinatária, por favor entregue a carta!Não sejamos cúmplices da actual desatenção emocional...