Sopa de miúdos, com rodelas de laranja, folha de louro obrigatória, gostosa mesmo. Borrego assado, lourinho, tomates estaladiços e a casa a cheirar-me à Páscoa que desejo ignorar.
É Quinta-feira Santa, dia de tristeza, prepara-se a morte do Senhor e eu recordo, porque é outra vez dia 9, o desaparecimento do meu Pai. Ele gostava da Páscoa, da casa cheia, do homem que ia buscar para matar os borregos, de entrar na cozinha para sugerir temperos que desconhecia, de contar histórias de quando, então criança, participava na Procissão batendo com a vela grande nas cabeças dos amigos. Tenho saudades dessas histórias, das memórias que herdei, dos tempos em que, na Quinta-feira Santa, entrava na Sé para assistir à cerimónia do lava pés. Lembro-me, agora, de contestar tudo, de achar completamente sem sentido tanto ritual, tanta cerimónia, em torno de uma figura que pregava a igualdade e a ternura. Lembro-me de desesperar com o argumento "quando fores mais velha, vais compreender" e, agora, espanto-me por ser já mais velha. E por compreender. Compreender, desejar, amar até, os rituais complexos, as tradições, os momentos de tristeza interior, a essência desse Senhor Jesus que, um dia, morreu por nós. Por mim, também. E talvez não valesse a pena.
Um dia, em breve porque o tempo voa, vou contar à minha neta das Procissões com velas longas, com pendões, com amêndoas trincadas nos tempos de espera. Vou falar-lhe dos folares, das amêndoas de Portalegre que para azar de todos a ASAE proibiu... Vou falar-lhe da ternura de ser bom e da força de se estar com. À minha neta, em histórias longas e ensinando-lhe a magia da nossa Serra, vou legar o fascínio pela essência das coisas simples. Tão simples como GOSTAR...
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