quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

OS BARQUINHOS

 Se o fim do dia traz a paz da noite, ele carrega também, vezes demais, o reflexo de dias fazendo-se, a cada amanhecer,  de maiores estreitezas e mágoas. Ela sabia isso de cor. Um saber de experiência feito que, ao contrário do que acontecera com o Velho do Restelo, apenas lhe dava a angústia da razão sem solução. Ainda assim, era a hora que preferia e, sob chuva ou sol, sempre privilegiando a primeira, gostava de sair de casa, de caminhar e de se abrigar, com a cumplicidade de uma chávena de chá negro, no restaurante dos barquinhos. 
Quando tinha filhos pequenos, jogavam com os barquinhos, inventando-lhes destinos, imaginando-lhes aventuras, protegendo-os de monstros e sereias traiçoeiras. Agora, as crianças tinham partido, os monstros eram outros, e ela ficara só com os barquinhos...
Hoje, sob chuva ventada e embrulhada em nuvens negras, olhava os barquinhos e desejava tornar-se num deles ficando, para sempre, na tranquila segurança de uma parede onde se apoiasse.

1 comentário:

  1. Mas os barquinhos de lindas histórias inventadas fazem boa companhia! Porque tu não mudaste, tu podes continuar a acreditar nessas histórias! Bom sábado!

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