Gosto de chegar a casa, ao fim da tarde, e de ficar sem fazer nada. Um nada que encho de pequenos afazeres, de muitas memórias e reflexões. Hoje, com o céu carregado de negro parecendo decidido a não deixar rebentar a trovoada, penso noutras trovoadas.
O meu Pai tinha pavor de trovoadas. Ficava doente, metia-se na cama e mandava logo buscar o "cobertor de papa" que, dizia, protegia dos relâmpagos. Eu, miúda, sentia um certo fascínio pelo céu a rasgar-se, pelos estrondos dos trovões, e gostava de ficar na varanda, ou perto da janela, a ver as cores que vestiam o céu nas tardes de trovoada. (Obviamente, era sempre obrigada a sair de perto da janela se o meu Pai estivesse em casa...)
Um dia, já não sei bem porquê, a minha tia Maria Luísa (a única tia que o foi de facto), ficou a tomar conta de mim e dos meus irmãos e aconteceu uma terrível trovoada. A minha irmã, então miúda, chorava com medo e a minha tia, cheia de boa vontade, explicava que não havia nada a temer, que era tudo natural. De repente, um relâmpago caiu perto de casa, e a caixa do telefone, então ainda telefone fixo, saltou para o meio da sala. A minha tia correu da sala e só parou na cozinha...
Agora, esperando que a trovoada aconteça, recordo este episódio e não consigo deixar de sorrir. Ao mesmo tempo, penso que estes medos, medos dos quais podemos fugir, não são nada se comparados com outros que nos limitam.
Eu não tenho medo de trovoadas. Mas tenho tanto medo da vida! Eu não fujo dos relâmpagos, mas gostava muito de poder fugir dos raios de ódio que me lançam vezes demais!
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