Ocupava toda a mesa da cozinha e, achava eu, cheirava a verde. A lodo, esclareceu o meu Pai. A curiosidade infantil colava o olhar no peixe grande, seria aquilo um tubarão?, e o meu Pai explicou que era um lúcio. Lembro-me de ter calado a minha surpresa, escapando aos risos trocistas dos meus irmãos, por achar que Lúcio devia ser o marido da Lúcia, a senhora que ia lá a casa, uma vez por semana, coser bainhas e pôr joelheiras nas calças rasgadas. Era um lúcio, então, aquele peixão que tinham oferecido ao meu Pai e que chegara na Sexta-Feira Santa, dia mesmo de só se comer peixe. Pensei que tinha sido uma bela ideia a de substituir o bacalhau, que não apreciava...., por um peixe com nome de gente.
Vieram, então, as mulheres para tratar do bicho. As crianças foram empurradas para o quintal e, munidas de facas e dois enormes alguidares, elas começaram a fazer que eu chamava desmontar o animal. Tinha espinhas grossas e eu, que ainda hoje não sei muito bem comer peixe, antecipava com horror o que uma daquelas espinhas poderia fazer se se espetasse na minha garganta...
Às três horas, o meu Pai chamou-nos. Era sempre assim, na Páscoa. Sexta-feira Santa, às três da tarde, tocava a sirene e nós ficávamos juntos, normalmente no quintal, pensando em Cristo. Eu, nesse ano, pensava no lúcio. Coitado, ia ser comido, não ía mais nadar no rio, não ía mais passear com a Lúcia. Porque seria que não se podia comer carne?, pensava eu lembrando-me dos cabritos que berravam atados por uma perna junto aos galinheiros. Talvez Jesus quisesse proteger os cabritos, afinal era menos mau matar peixes, concluía eu no momento da oração familiar. Era tudo tão rápido que eu nunca tinha tempo para rezar.
Calava-se a sirene e eu via sempre lágrimas nos olhos do meu Pai!
Hoje, na mesa da minha cozinha não há lúcios, o almoço foram rissóis. Hoje, as lágrimas estão nos meus olhos e, se bem que nunca mais comi lúcio, mantive a dificuldade terrível em rezar enquanto a sirene toca...
Hoje, na mesa da minha cozinha não há lúcios, o almoço foram rissóis. Hoje, as lágrimas estão nos meus olhos e, se bem que nunca mais comi lúcio, mantive a dificuldade terrível em rezar enquanto a sirene toca...
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