Não morava ali ninguém. Era um espaço lindo, o revivalismo romântico, agora feito zona pública, constantemente invadido pelos passos pesados e olhares famintos de milhares de turistas. Ela, vizinha daquele lugar, criara com a passagem dos anos laços estreitos com o Palácio Mágico. Deixavam-na entrar sem bilhete, e caminhava nos caminhos ornamentados, molhava as mãos na água viva e corrente e subia às muitas torres vendo, lá longe, a Vila de Sintra. Não gostava dos túneis, dos corredores escuros e húmidos, mas esquecia-se horas perdidas conversando com Deus na pequena capela. Nos dias menos húmidos, soalheiros, levava um livro, sempre autores portugueses, e ficava lendo, por ali, saboreando o correr das palavras no tecer das histórias. Às vezes, via grupos de jovens, apressados e alegres, e apetecia-lhe gritar-lhes calma e sofreguidão na vida. Uma antítese. Ou um paradoxo? Para ela, apenas uma verdade aprendida...
Naquela manhã, como em muitas, subiu à Regaleira e, sentindo o coração cansado, entrou no velho palacete. Olhou a sala e ouviu a valsa que tantas vezes dançara. Acompanhando a valsa, com passos certos, surgiam os pares que davam cor ao salão. Levantou-se e ensaiou o ritmo nunca esquecido. Com a cabeça pendendo, rodou, segura, nos braços da paixão que antes dela partira.
Encontraram-na fria, no chão, sorrindo ainda. Fora a sua última valsa.
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