Olha do alto o país que o comemora e surpreende-se. Não o incomodam as porcarias que os pombos doentes lhe deixam em cima, ignora a pressa de quem nem o olha, acolhe com tolerância os cansaços que procuram a sua sombra sem lhe pedir autorização. Nada disso, por muito que seja, é suficiente para lhe perturbar a paz de pedra, a intemporalidade da permanência ou a segurança do lugar.
O que o incomoda, violentamente, é a memória de um povo que já o não é, que esqueceu a Razão, desvalorizou a experiência, menosprezou a essência, manchou a história e faz a realidade de desvalores despidos de sentido. Incomodam-no os discursos gastos, as condecorações abusivas que o fazem gritar do mutismo da pedra: "Mais vale merecê-los sem os ter, que tê-los sem os merecer". É o seu dia! E sorri com tristeza. O seu dia...feito de tudo o que despreza, recheado de factos que o fazem desejar, agora, nunca ter conseguido libertar-se da "lei da Morte". Ele, o Poeta - como lhe chamam, esse mesmo que apavora alunos e ainda encanta os resistentes leitores, relembra os seus versos e interroga-se sobre o efeito dos mesmos. Sim, cantou o Amor "Amor é fogo que arde", mas hoje a chama parece vir de isqueiros eléctricos, sem autenticidade, sem calor sequer. Sim, cantou a saudade da amada "Alma minha gentil que te partiste, tão cedo desta vida descontente", mas hoje os afectos são de reduzida duração. Sim, enalteceu a experiência "Mais vale experimentá-lo que julgá-lo", mas, hoje, todos julgam sem saber de que falam, porque falam ou como falam. Sim, elogiou os portugueses "Eu canto o peito ilustre lusitano", mas, hoje, o lusitano não tem peito, só bolso. Sem fundo, sem limite, bolso apenas!!
Triste, indiferente ao Hino que sabe ser cantado em Santarém, olha o Tejo. Não há ninfas já. Olha melhor, quer sentir que tem de ser possível..., mas apenas vê garrafas de coca-cola vogando, pernas mais ou menos musculadas correndo nas margens e presenças ausentes de sentido luso.
É o seu Dia! Também o de Portugal e o das Comunidades. E a pedra gasta e suja disfarça a vergonha que o faz corar de revolta. Porque será que nem as palavras têm sentido, que tudo lhe parece tão intensamente triste e vazio?
Vendo passar um abraço forte, um olhar lascivo num corpo despido, sente a dor de não poder chorar. Ele, ele mesmo que cantou o sofrimento intenso do Gigante ousado que se fez promontório, revolta-se, agora, face à ligeireza da palavra que tão fortemente lhe ocupa os sentidos. Mas, é o seu Dia! E, com a frieza da pedra que o imortaliza, pede aos Homens a mudança. Que volte a Portugal a Razão, a Verdade, a Nobreza e o Amor. Que este país que o festeja consiga, depressa!!, recuperar algo da sua essência... E volta a olhar Tejo, cantando:"Ó glória de mandar, ó vã cobiça//Desta vaidade, a quem chamamos Fama"
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