domingo, 10 de outubro de 2010
O Farol
Batia forte, revoltoso, zangado talvez, nas rochas próximas. Os barcos, frágeis, pareciam de papel sobre aquela fúria, subindo e descendo, perigosamente, como se quisessem fugir, escapar, à raiva súbita da águas.
Do velho farol, perto da lâmpada apagada, ele olhava o cenário. Dantesco, quase. E, simultaneamente, arrebatador. Há quanto tempo estava ali? Olhou o relógio sem ver a hora sequer. Que importância tinha o tempo, o Chronos preso no pulso, quando a vida se fazia de sentires?!
Gostava do velho farol, enorme e firme, lugar onde sempre se refugiava quando a vida, ou a existência?, se tornava difícil demais. Procurava a solidão, o silêncio, a segurança de se saber a muitos metros do solo com, apenas, o oceano por testemunha. Naquele velho farol guardava um casaco gasto, cotovelos rotos, borboto, e a quentura que só ganham as coisas que se fundem em nós com a passagem do tempo. Sentava-se na cadeira de verga, há quanto tempo a trouxera?, enchia de café forte a caneca de barro e ficava olhando. Ali, misturavam-se imagens e memórias, afogavam-se angústias e recuperavam-se saudades. Ali, com os pés em cima de um abandonado caixote de sardinhas, podia ressonar sem incomodar ninguém, chorar sem que fossem vistos o lago que as lágrimas, salgadas como o oceano que amava, faziam no rosto sulcado. Ali, ele era mais ele. Olhou de novo os barquinhos frágeis, sorriu aos nomes curiosos que muitos tinham - "Estrela do Futuro", "Maria da Conceição", "Bom futuro", denunciando a necessidade de, sempre, os homens criarem laços, lançarem ferro na essência humana. Também ele, várias vezes, lançara o ferro. Fizera-o em momentos de tempestade, sim, mas em tempos de acalmia também. Agora, ali, pensava como lhe fazia falta, tanta falta!, o coração onde ´largara o ferro´...
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Era tão bom, pelo menos ,termos um farol como este...só para nós, tantas e quantas vezes necessitássemos!
ResponderEliminarÀs vezes, na vida,não se consegue encontrar o farol ...
Ainda bem que ele tinha o seu lugar no farol ainda que apagado, e o seu casaco roto com borbotos, mas que se fundia nele...
Saboroso , especial e eloquente este conto!