quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

MEMÓRIAS

Com o final de período a chegar, cheia de avaliações para fazer e, tantas vezes, hesitando entre o 10 e o 9, entre o 13 e o 14, vêm distrair-me memórias de quando a aluna era eu!
Se havia aulas que, no velho Liceu Nacional de Portalegre, sempre achei, como aluna, desnecessárias, eram, sem dúvida, os lavores femininos e o canto coral. Nunca fui prendada, há quem sempre me diga que tenho duas mãos esquerdas, e a minha voz tem tal melodia que, quando há anos tentava adormecer as minhas filhas, elas pediam-me quase chorando que me calasse… Ora, na época, ainda não tinha consciência de que cada pessoa aprende de sua forma, que é preciso, às vezes (quase sempre) descobrir o processo que fará que a aprendizagem aconteça e, como eu, também os meus professores desconheciam, creio, essas variantes. Assim, as aulas de lavores e de canto coral eram, para mim, verdadeiras torturas. As primeiras, leccionadas pela dona Emília, uma senhora paciente de quem muitas vezes me lembro com saudade, eram momentos em que, vá lá saber-se porquê, eu sofria de dores violentas em todas as partes do corpo, variando entre a cabeça e os pés, passando pelas miudezas de que o professor de ciências ensinava os nomes. Cheguei a ter dores no diafragma o que, obviamente, muito preocupava a dona Emília… Mas a mim preocupava-me também a bainha do lençol de berço que deveria fazer ao longo do ano.
Perdi a conta às vezes em que a dona Emília me enviou ao Senhor Reitor, o meu querido e saudoso Dr. Marcão, para mostrar o insucesso do meu trabalho. Subia a escadaria de pedra, batia à porta, e lá vinha o Dr. Marcão, era tão alto!, perguntar-me o que fazia ali. Não me lembro, nunca, de lhe ter ouvido uma palavra azeda. Sorria e falava-me ao coração. Mas, naquela altura (e agora também), o meu coração era surdo a agulhas e dedais. Quando cheguei ao final de ciclo, ainda às voltas com a bainha do lençol de berço, a dona Emília zangou-se e ameaçou dar-me negativa! Salvou-me a minha tia Maria Luísa que, enquanto eu comia uma boleima, fez a bainha na perfeição. Ao entregar o trabalho, a dona Emilia, contente e vencedora, disse-me: - Vês? E sabia que tu eras capaz… Nunca mais cosi na vida.
O canto coral foi mais fácil de resolver. No início do ano o professor Raimundo fazia uma avaliação das vozes e, obviamente, a minha voz de cana rachada foi logo excluída. Assim, levei três anos a, uma vez por semana, ir dizer presente à sala de aula para, depois, ir calmamente namorar nas escadinhas da Praça da República. Devo confessar que aprendi muito. Muito mesmo…

Agora, eu mesma professora, revisito estas memórias e penso se, muitas vezes, não há da parte dos meus alunos alguma (muita) razão quando manifestam a sua aversão a algumas das tarefas, que eu acho brilhantes, que lhes proponho. Ao mesmo tempo, só espero conseguir deixar neles a saudade terna que estes dois professores deixaram, para sempre, no meu coração!

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