Não que tivessem sido grandes amigos. Ele tinha chegado havia pouco tempo, chovia mansinho, de patas atadas no porta bagagem do carro da dona. Ela, com receio, desatara-o e deixara-o ali, no meio das galinhas e a ser vítima do peneiroso do galo branco. A esse sim, haviam de lhe cortar o pescoço! Um convencido, de mais a mais madrugador, sem distinguir sequer o Verão do Inverno, passeando emproado pelo galinheiro como fosse o dono da quinta. Lá porque tinha sete galinhas por conta, não era motivo para tanta antipatia! Mas o peru não. Modesto, humilde, até o glugluglu saía de mansinho para não irritar o galo branco.
Tinha vindo do campo, animal de vistas largas, habituado a largueza e sem lugar para peneiras nem vaidades. Depois, vendo bem, como podia um homem, ainda que peru, ser peneiroso depois de uma chegada de patas atadas?! Coitado, tinha sido simpático. Ele, cão da casa, não lhe dera logo confiança. Não! Isto da confiança ganha-se, não se dá assim às boas. Para essas facilidades bastavam as crianças que, mal chegavam, abusavam dele o mais que podiam... Fizera-se rogado, chegara até a mandar-lhe duas ladradelas de aviso, só para que soubesse quem mandava, mas depois gostara da conversa dele, das histórias que contava da família, garantia que eram mais de cinquenta lá no campo onde vivia, e começara até a ter uma certa amizade pelo animal. E se ele era feio! Bem se emproava, mas a tromba caída, o rosto azulado, não ajudavam mesmo. Tinha-lhe ensinado o rasto das minhocas, falara-lhe do céu gelado da manhã, das aguarelas vermelhas do fim de tarde.
Uma manhã tinham-no levado e, agora, ali estava o esqueleto para ele saborear. Salivava. Afinal, tinham sido quase amigos... Mas ele que lhe perdoasse, um cão é um cão!
Luisa, adorável este seu post!!
ResponderEliminarUm 2015 em que nos possa continuar a maravilhar com esta sua escrita, para além dos vulgares desejos que todos fazemos!
Dalma, um 2015 cheio de bons momentos! Vou sabendo do A pelo facebook (os meus alunos convenceram-me!). Um beijinho amigo
EliminarTeve sorte o Buda! Nada mau o teu peru de Natal...
ResponderEliminarE que história bonita de amizade. Às vezes não dura, mas tem momentos intensos e esses amigos devem-se ter feito companhia...até ao Natal! beijos