sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Desempregada

Apagou a luz, poupar era palavra de ordem, e ficou, no silêncio, pensando a vida. Desempregada. A empresa, pequena e familiar, onde há dez anos trabalhava, encerrara. Mais uma, numa sequência incontrolada, trágica, dorida, de encerramentos de pequenas empresas, de pequenos comércios, na sua cidade pequena. Tinha 54 anos. Idade difícil, tinham-lhe dito, com indiferença, no Centro de Emprego: - Velha demais para empregar, nova demais para ter direito à reforma. Trabalhava desde dos 12 anos. Começara, menina ainda, indo aos recados, ajudando a mãe (empregada doméstica na linguagem moderna, criada quando trabalhando). Depois, fora mulher a dias, tomara conta de crianças, cuidara de uma senhora velhota até a ver morrer. Nunca baixara os braços e, com orgulho, conseguira educar os dois filhos. Agora, sozinha, filhos emigrados - sorte a deles! - via-se sem nada. Lembrava, enroscada na manta quentinha que herdara da senhora velhota, a euforia com que tinha vivido a Revolução de Abril. Era jovem, cheia de sonhos, acreditara de verdade que chegara a oportunidade de mudança no seu país, que o seu esforço seria reconhecido, que Portugal lhe permitiria uma vivência humana.
Hoje, com um sorriso descrente olhava esse passado. Descrera das promessas de diferentes políticos e, agora, descria do país que era o seu. Ouvia os poderosos falarem em justiça social e duvidava dos seus ouvidos. Não veriam, aqueles senhores bem falantes, o crescente aumento de mãos mendicantes?! Não saberiam de mais uma empresa a, diariamente, encerrar?! Não conheceriam a fome dorida de cada vez mais portugueses?! Enroscou-se bem na manta, tentando afastar o arrepio que a atravessava. Tinha 54 anos. E agora?

1 comentário:

  1. Eu que estou desempregado, com 47 anos, sem perspectivas de futuro, acreditei que iria conseguir um emprego.
    Agora não acredito, vejo tudo muito negro. Vejo um futuro sem além.
    Natal triste.

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