domingo, 2 de novembro de 2014

Os Santinhos

Com o Halloween a invadir o país, nesta consequência directa de sermos um povo permeável e colonizável, desapareceu o hábito dos santinhos. Morreu, ou agonizou, o tradicional pão por Deus. 
Eu nunca pedi os santinhos. Fui sempre um bicho estranho, cosida no meu silêncio, incapaz de bater a portas desconhecidas, ou mesmo conhecidas, para pedir fosse o que fosse. Mas lembro-me de ver pedir os santinhos, lembro-me de os dar, lembro-me de deixar as minhas filhas irem pedir à casa dos vizinhos de onde voltavam, invariavelmente, com uma flor feita de pão pela tia Zélia, ou com um livrinho por ela oferecido. Gostava dos santinhos. A Serra enchia-se de miúdos, à porta era um não parar de gente, e ainda sinto vivo o cheiro dos sacos de serapilheira que todos tentavam carregar. Já adulta, gostava de me preparar para dar santinhos. Ia aos rebuçados, fazia broas de mel, comprava chocolates e chamava as minhas filhas para que aprendessem, também, a dar a quem nos batia à porta. 
Este ano, ninguém me pediu os santinhos e eu não fiz broas. Este ano, vi as bruxas e os zombies, os fantasmas e os vampiros, e comi uma empada, num instante, numa área de serviço sem identidade. Quero fugir ao saudosismo, afinal a vida faz-se de mudança, mas não resisto a achar que estamos a perder, depressa demais, aquilo que nos faz pessoas: - a nossa identidade! Hoje, estamos todos excessivamente iguais, num mundo excessivamente plastificado, com modelos excessivamente vazios. Acho eu...

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