Sentou-se na areia, olhando o mar. Gostava do vai-vem das ondas, do cheiro forte, do vento que lhe chegava húmido. Olhava o mar como se ele lhe pudesse devolver oportunidades perdidas, escolhas mal feitas. Olhava-o e via desfilar o passado. Tanta vida gasta! Lembrava-se do Velho Harpagón, o avarento de Molière, e pensava em si mesmo. Sim, talvez tivesse sido avarento de afectos, talvez tivesse querido preservar as suas conquistas materiais, talvez não se tivesse apercebido da voracidade do tempo. Se voltasse atrás, daria, (jurava), prioridade aos afectos, à ternura, à cumplicidade.
Mas voltar atrás era impossível. A vida, sabia agora, era como o mar que trazia ondas irrepetíveis. Sentiu o fresco no rosto e reparou nos habituais companheiros de caminhadas matinais. Acenou-lhes mecanicamente, como sempre, numa familiaridade inexistente. O que sabia deles? A cor dos bonés, a marca dos automóveis e, no entanto, eram os seu companheiros mais constantes. Voltou o Harpagón. Lembrava-se do filme, vira-o muitas vezes, mas incomodava-o, agora, a lembrança insistente. Estava sozinho, conhecendo tanta gente, perdido por ter abandonado as âncoras possíveis.
Levantou-se, esticou o olhar até à linha do horizonte e abriu o jornal. Ali estava a crise apregoada, ali estava a miséria estampada. Como ele, o país parecia ter errado as prioridades. Como ele, o país parecia pouco capaz de refazer processos. Com passada rápida, voltou ao carro. Era tempo de um duche, de um café forte e de um sacudir de passados feitos presentes dolorosos. De que servia recordar ausências, lamentar erros e olhar perdas se, efectivamente, tudo era irrecuperável?! Olhou o mar uma vez mais. Lá estava o vai-vem das ondas. Igual na diferença constante, esbanjando ondas sem pensar no futuro, sem medo de que viessem a faltar-lhe.
Só mesmo o Mar.
Só mesmo o Mar.
Um texto lindo, contra o egoismo que impera no nosso mundo!
ResponderEliminarLena
Querida amiga, que texto de arrepiar! É que é mesmo assim, ligamos mais às coisas materiais, descuramos as pequenas coisas que fazem o amor e, de repente, é tarde demais. Lendo isto, apetece meter travões a fundo!
ResponderEliminarBjs
São
Bolas setôra, este é dos difíceis. A gente gosta, mas fica assim com ocoração um bocado amachucado.
ResponderEliminarJoão