sábado, 16 de fevereiro de 2013

Qual Anteu

Já se fizeram há muito as vindimas. Ficaram as vinhas nuas, despojadas dos bagos que, durante alguns meses, fizeram as delícias dos pardais. A casa do Monte está lá, no alto, olhando com a tranquilidade possível o campo já vindimado, preservando de olhares estrangeiros as vidas que a habitam. 
Reparo na argola pendurada da rede, serviu decerto para pendurar os cestos da vindima, e deixo que a paz do campo me invada. Conheço de cor estes caminhos e, ainda assim, sempre me encanto com os cheiros, as cores, a autenticidade que, agora, creio só existir na Natureza pois os homens destruíram-se alegre e estupidamente.
Hoje, o céu está azul, polvilhado de nuvens brancas, envolvendo em cobertores gelados os passos que dou na Serra. Não carrego angústias mais do que as de ontem. Não trago medos superiores aos da véspera. Carrego a solidão que cultivo, na certeza de que é no silêncio que a maior verdade acontece. Oiço a poesia viva da vinha vindimada, comovo-me com o ritmo que o vento frio oferece ao meu caminhar. Qual Anteu, sinto-me revigorada neste lugar que é eu. No lugar que, de certeza, não me condenará nunca. No lugar onde "o único sentido das coisas, é não terem sentido nenhum".

4 comentários:

  1. É um texto que dói. E é lindo.Traz-me o seu Torga, oiço-a, de novo na aula, a explicar-nos o Negrilho! Coisas da memória...

    Ana

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  2. Amiga, o teu telurismo fascina-me! Força! És uma mulher fantástica, com M maiúsculo.

    São

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  3. Este texto, estes pensamentos têm todo o sentido do mundo...
    Quem sente assim a Natureza, não tem que ter medos e nem angústias.Quem sente assim a Natureza, é dono e senhor do Mundo...
    Um feliz domingo!

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  4. Fabuloso! Aceite os meus parabéns!

    António

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