Olhava, incrédula, a pauta. 16. E agora? Sentia o sonho desfazer-se e a angústia crescer. Medicina era o seu sonho. Sempre o fora. em criança adorava as pastas de médico, e lembrava-se de a mãe se indignar ao encontrar as bonecas cheias de tintura e pensos rápidos. Para entrar em medicina, estudara sempre e deixara para trás muitas coisas. Ouvia no coração as palavras da profesora de português de 12º ano, "o difícil da escolha é sempre o que se rejeita!", e ela rejeitara saídas, passeios, idas à praia com amigos, para poder estudar, para estar segura da matéria, para poder, um dia, ser a médica que ambicionava. Lembrava-se do fim do namoro, a incompreensão dele, a incapacidade de compreender que, para ela, a entrada em medicina era a primeira das prioridades! Concluira com média de 19 o ensino secundário, integrara sempre o quadro de excel^ncia da sua escola e, agora, tudo ruía. 16 a português e 14 a matemática faziam-na pensar que teria, talvez, a sorte de ingressar no curso de farmácia. Mas ela queria tanto ser médica... O ruído no hall da escola era intenso. Colegas protestavam, choravam, outros festejavam o dez que lhes permitia, diziam, ingressar directamente no desemprego... Ela calava-se. O sentimento de impotência era avassalador. Doze anos de escola, doze anos de trabalho e esforço e, agora, a desilusão. Sentindo-a triste, a professora colocou-lhe o braço sobre os ombros e, numa cumplicidade efectiva, lembrou a hipótese de Espanha. Tão perto, com acesso possível à desejada medicina... Mas ela só via problemas e dificuldades. Sim, os exames eram importantes, ela também os defendia, mas a injustiça prevalecia. Errara onde? Não adivinhara os critérios de correcção?! Uma prova só podia deitar por terra doze anos, escaqueirar sonhos e esfrangalhar futuros? Em Portugal, podia.
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