A terra vermelha, o céu plúmbeo, a humidade intensa receberam-na com violência. Pegou no saco pesado no hangar do aeroporto, colocou os óculos bem escuros e enrolou o casaco caqui. África! Ali estava, longe, numa procura de sentidos, de experiências, no cumprimento, talvez, do tal fado a que se não pode fugir. Ao longe, via o mar.
Um mar escuro, estranho, bem diferente do azul do atlântico onde gostava de nadar, escandalosamente distante do mediterrâneo mole onde, há quanto tempo?, fora feliz em cruzeiro de sonho. Respirou fundo. A decisão estava tomada, seria um ano de alheamento, de trabalho num outro mundo. O saco pesava, começava a lamentar o vício de viajar arrastando livros, e não descobria a cartolina com o seu nome. Alguém deveria ter vindo esperá-la. Ouvia, na memória, as recomendações do chefe - calma, o Tempo, em África, tem outra velocidade, as urgências outros ritmos. Comprou água e sentou-se esperando.
África emocionava-a. Não pelas imagens que construíra, decerto conduzida por África Minha, mas pelo excesso. Excesso de humidade, excesso de luz, excesso de cor, excesso de miséria também.
Com a máquina a tiracolo, foi caminhando. Disparava sem grande cuidado, tentando apenas captar instantâneos, imortalizar aquela chegada, aquele início de aventura. Sentia na alma as saudades picarem, morderem em dentadinhas dolorosas, mas resistia. O que deixara? Destroços de uma existência dorida? Desilusões acumuladas? O conforto de uma rotina de doer? E continuava disparando, fotografando, caminhando como se fugisse, ou como se fosse possível fugir, de si mesma, das memórias, dos fantasmas de ontem que temia se eternizassem.
Quase à noite, deixou o Hotel Fez e voltou à caminhada. Uma esplanada vermelha acolheu-a. Pediu um capuccino, (que saudades de Roma), pousou a máquina e ficou olhando. Pena que os romances não se escrevessem com o alfabeto real, pena que não fosse possível, simplesmente, mudar de pele como de lugar.
Dia 1 de novembro. Em Portugal dia de romaria aos cemitérios, dia de pedir santinhos também. Ela não gostava das rotinas, trazia com ela, sempre, os mortos amados, e eram mesmo a sua melhor companhia. Hoje, não teria de fingir-se enquadrada. Hoje, ali estava ela, numa África desconhecida, cumprindo um desafio profissional e tentando, com desespero, encontrar-se. Ou perder-se de vez. A seu lado instalaram-se as ausências. Ali estavam os juízos alheios, as certezas dos outros, os conselhos que não queria. Olhou-os de frente. Não os mandaria embora, sabia que partiriam quando quisessem, mas desprezou-os ao abrigo da força daquela África intensa que a acolhera assim, só, sem perguntas nem sentenças. Começava a sentir-se bem.
Esta é uma mulher decidida!
ResponderEliminarMil beijos..
Mas por onde andas minha querida? É a sério? Gostei muito do texto! UM beijo grande
ResponderEliminarAproveite bem Setôra.
ResponderEliminarLindo texto. E fugiu à rotina ...
Lindo texto!!
OH eu queria mais. Porque não escreve um romance a partir daqui?
ResponderEliminarBeijinhos
Ana