Encontraram-se numa festa de amigos de amigos comuns, os dois um pouco perdidos, nenhum directamente convidado. Ela vinha de um divórcio longínquo, dois filhos crescidos com pouco tempo para a sua solidão. Aceitara os argumentos de uma amiga, era uma festa de Verão, ia imensa gente, não iria com certeza aborrecer-se. Ela cedera. Ele viera com outra amiga, para ocupar o tempo de estadia pois vivia no ar, comandante da TAP, com longos períodos fora do país. Carregava dois divórcios na bagagem mas, talvez por ter malas Sansonite com rodinhas, não lhes sentira nunca o peso. À volta da piscina, iluminada por modernos archotes plastificados, os dois acharam-se sozinhos e a conversa fluiu. Ele falou do ar, da vida feita de idas e vindas, de aeroportos e hotéis. Ela, jurista, falou do país, da crise, das dificuldades.
Ele propôs uma fuga, a festa nada lhes dizia, e acabaram a noite comendo ostras junto ao mar. Com as férias judiciais a começarem, ela aceitou o convite para uma viagem a dois. Eram adultos, que tinha o mundo a ver com a vida que escolhiam?
Juntos viajaram por Bruxelas, Bruges, Praga. Ao lado corria o Tempo, sempre apressado, mas eles nem davam por isso. Passou o Verão, voltou a rotina, e ela habituou-se às despedidas no aeroporto, aos sms de chego às 23,50h, sempre apressados. Foi aos poucos que a nova solidão dela começou a doer demais. Ela precisava dele, ele garantia amá-la. Casaram. Continuaram viajando, devorando a vida, devorando-se também, aproveitando momentos, agora já falando de amor, de entrega, de cumplicidade, de unidade, de futuro.
Um dia, a amiga que a arrastara para a festa à volta da piscina, telefonou. Acabava de chegar de Sidney, uma Conferência, e, por acaso, encontrara-o a ele, ao marido da sua amiga, saindo do hotel com outra mulher. Uma americana, parecera-lhe. Tinham-se cumprimentado e a mulher, desembaraçada, falara dele como seu marido. Ele, atrapalhado, confirmara assumindo a traição, por acaso a bigamia.
Ela desligou o telefone agora sem mundo. Doía-lhe a raiva, a revolta, o orgulho. Feriam-na as pontas de um amor feito, de repente, em cacos. Fez a mala e partiu. O sms habitual de chego às 23,40h não obteve resposta. Ao chegar a casa, ele viu que a fechadura, por acaso, tinha sido mudada.
Ela reencontrou a companhia da solidão, essa não trai, e reaprendeu a tomar café bem cedo, olhando o mar, na esplanada onde habitualmente, por acaso, davam as mãos.
Ele, felizmente, por acaso, ainda conservava a mala Sansonite onde mais uma traição, mais um divórcio, mais um fim, não fariam peso nenhum.
Eu fico espantada, colada às palavras!
ResponderEliminarObrigada.
Teresa
Obrigada, Teresa.
EliminarLuísa
E cada vez mais a vida parece caber em malas, mesmo que não sansonite.
ResponderEliminarFernando
Cada vez mais a vida dói. Obrigada Fernando.
EliminarLuísa
Adorei este texto. Posso roubar-lho?
ResponderEliminarAna
Claro Ana! Rouba o que quiseres.
ResponderEliminarBeijinhos
Também gostei, como a tua amiga Ana!
ResponderEliminarQuando é que escreves outro livro? Sabes, penso que estás na altura e que escreves muito bem! Escrever é uma forma de lembrar mais suavemente...
Beijinhos
Um dia... Mas obrigada pela força, sempre!
ResponderEliminarBeijinhos