Sem calma nenhuma, incapaz mesmo de ordenar pensamentos e coordenar acções, vestiu o vestido preto, cavado, que usava para ocasiões especiais. Esta era uma ocasião especial! As lágrimas não paravam de cair, e ela, ignorando o rímel que lhe sulcava o rosto, escolheu as sandálias altas, colocou os óculos escuros, os mesmos que usava quando se deliciava, sentindo-se então feliz, esquiando nas montanhas, e saíu de casa. O cão estranhou-lhe o silêncio, as festas caladas, e ficou ganindo vendo-a partir. Entrou na igreja quente, o cheiro intenso de velas incomodando-a, o choro colectivo surgindo em ondas, oceano concertado, os rostos tristes, e sentou-se. As lágrimas continuavam a correr e, por isso, manteve os óculos no rosto. Os automóveis, na rua, seguiam buzinando vida, pressa. De vez em quando, a sirene louca de alguma ambulância rasgava o ar e as pessoas faziam um movimento sincronizado, indiferente e curioso, na direcção da janela. Ela continuava ali, chorando. Chorava a saudade antecipada, os não ditos, a certeza da impossibilidade do retorno, a revolta face à ausência eterna. Chorava ainda os erros que nunca tinham conseguido corrigir, os lapsos comuns, as ausências, os adiamentos que, agora, eram eternos e definitivos. Da carteira FURLA, gasta e velha, tirou um lenço de papel e, da confusão que sempre era aquele espaço, saíu um gasto bilhete de cinema.
Gostavam de cinema, os dois. Às vezes entravam mesmo sem saber bem para ver o quê e saiam a meio, ele amparando-a no escuro como não soubera ampará-la na vida. Onde estaria ele, agora, no momento que ela escolhera para enterrar as fotografias, as cartas, os sonhos?.. Onde estaria ele, agora que ela fazia o funeral de um amor que, se calhar, fora apenas dela? Ah, a morte dói sempre muito e, por isso, ela decidira cumprir o ritual, procurar um velório e enterrar as memórias de um amor morto. Assassinado.
Gostavam de cinema, os dois. Às vezes entravam mesmo sem saber bem para ver o quê e saiam a meio, ele amparando-a no escuro como não soubera ampará-la na vida. Onde estaria ele, agora, no momento que ela escolhera para enterrar as fotografias, as cartas, os sonhos?.. Onde estaria ele, agora que ela fazia o funeral de um amor que, se calhar, fora apenas dela? Ah, a morte dói sempre muito e, por isso, ela decidira cumprir o ritual, procurar um velório e enterrar as memórias de um amor morto. Assassinado.
Há criminosos que não deviam NUNCA ter perdão.
ResponderEliminarAna
Arrepia. A dor, o sofrimento. Talvez os crimes assim sejam os mais violentos.
ResponderEliminarFernando
Como já lhe têm dito, acho que tem mesmo de escrever um livro!
ResponderEliminarAntónio
Pronto... , já eram horas...
ResponderEliminarA vida está a meio e à espera!! 'bora lá...
Bote , se faz favor, o vestido cavado, preto, e sapatos altos, a mala Furla, mesmo gasta é bonita, e - viver..., seja o caminho para a realização, a felicidade!
Beijinho.
Finalmente enterrou o defunto !
ResponderEliminarAgora é que vai ser bom... - VIVER !
Vou esperar, e ver essa felicidade!
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