A preguiça de domingo fá-la encompridar a manhã. Fica mais um pouco, quieta, deixando os melros picarem o vidro da janela e tentanto esquecer as mossas que deixarão nos vidros. Queria poder esquecer tantas mossas... Vira-se um pouco, fecha os olhos, pede ao sonho que a embale e a deixe partir para um mundo diferente. Um mundo transparente, onde as opacidades não existam mesmo. Se pudesse, eliminaria os ses. Está cansada de condicionais, de futuros eternos, de adiamentos constantes. Volta o melro. É gordo, luzidio, alegre e não conhece o condicional. O melro tem a sorte de não saber que há meninos com fisgas, que existem pressões de ar, que o gato gordo é rápido no ataque...A manhã avança e, relutante embora, sai da cama. Liga a música e procura um livro, um poema:
(...)
Deixem ao dia a cama de um domingo
Para deitar um lírio que lhe sobre.
E a tarde cor-de-rosa de um flamingo
Seja o tecto da casa que me cobre
Baste o que o tempo traz na sua anilha
Como uma rosa traz Abril no seio.
E que o mar dê o fruto duma ilha
Onde o Amor por fim tenha recreio.
Para deitar um lírio que lhe sobre.
E a tarde cor-de-rosa de um flamingo
Seja o tecto da casa que me cobre
Baste o que o tempo traz na sua anilha
Como uma rosa traz Abril no seio.
E que o mar dê o fruto duma ilha
Onde o Amor por fim tenha recreio.
Natália Correia
Vestiu-se rapidamente e saíu. Ia comprar lírios. Isso!Lírios de domingo, numa manhã feminina.
Ao domingo apetece, mesmo, espreguiçar; a cama acolhe, os corpos querem... se não forem lírios, serão rosas ou serão mãos formosas a desenhar flores, a acariciar amores, num domingo que sabe bem prolongar-se na manhã.
ResponderEliminarRicardo
Bom domingo!
ResponderEliminar...e que bom um merlo a picar a janela.Nem todos têm essa benesse.
Momento de poesia lindo, à vida!
Fez bem ir procurar lírios.
A felicidade cria-se...