sexta-feira, 27 de abril de 2012

O velho escritor

Estavam reunidos os ingredientes para redigir a história. Ia criar uma história de amor! Claro que sabia que as histórias de amor são vulgares, obviamente lera (sabia de cor) as ridículas Cartas de Amor de Pessoa e, infelizmente ou não, também vivera histórias de amor. Mas, mesmo assim, tinha decidido escrever uma história de amor. Começou por criar o cenário. Afinal, uma história merece um cenário! Pegou na caneta de tinta permanente, a azul e dourada, limpou o aparo e carregou-a com a tinta castanha de que tanto gostava. Na mesa junto à janela, com o mar revolto em frente, colocou as folhas grossas onde sempre gostava de fazer deslizar o aparo. Acendeu o candeeiro, fez rodar o cd de Mozart, bem baixinho, e sentou-se. Agora, era hora de chamar as personagens. Queria-as bem fictícias, vazias de humanidade, tecidas de possíveis e alegrias. Queria-as sinceras, verdadeiras, cúmplices, comunicando com o olhar, conhecedoras de palavras eficazes e construtivas. Aos poucos, viu-as surgir, enlaçadas, e as folhas foram ficando repletas de letras e sinais. Quando levantou o olhar húmido do papel, o cd tinha chegado ao fim, a lua enchia o céu e a maré enchera completamente. Limpou os óculos, encheu um cálice de Porto e, no seu silêncio, brindou ao amor. Ao daqueles dois,  ao dos outros também.

2 comentários:

  1. Uma linda história de amor e não necessariamente ridícula como as Cartas de Amor do Pessoa.

    Lindo, o silêncio e o brinde... quantos amores não são fortificados no silêncio?

    Cumprimentos.

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  2. Muito bonito! Gostei do velho escritor à procura das suas personagens. Talvez só à espera...
    Beijinhos

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