sexta-feira, 14 de junho de 2013

Açúcar Amarelo


O vento começou a soprar, intimidando o sol, fazendo a pele arrepiar-se à saída da piscina. Mas a energia infantil não tinha chegado ao fim, o desejo de brincar era imenso, e eu propus uma mudança de actividade: - Vamos fazer boleima! - O Manuel Bernardo entusiasmou-se, é bom meter as mãos na massa, sujar-se, ter farinha na ponta do nariz. 
E a tarefa começou. Primeiro, preparar as maçãs, cortá-las finas, cobri-las de canela e açúcar amarelo. Veio o espanto! Açúcar amarelo?! Oh avó, mas o açúcar é branco! E, num instante, era eu quem tinha três anos e quem se deliciava com as enormes fatias de pão alentejano que a minha avó Carolina, surda à razões dos meus pais, me oferecia barradas de manteiga e açúcar amarelo. A saudade veio inteira, voltou o gato de olhos luzidios, as escadas que eu descia de rabo nos degraus, as rugas da minha avó e o colo onde me lambuzava das gulodices proibidas. Com o Manel sentado na bancada da cozinha, recuei no tempo... Cortei uma fatia de pão, aparei as côdeas, barrei de manteiga e polvilhei de açúcar amarelo. Ele deliciou-se! A seguir, os dois, fomos fazer a boleima. Com calma fui explicando que era preciso aquecer o leite com o azeite, misturar bem a farinha, amassar com as mãos - QUE BOM! - e montar o tabuleiro. Metemos no forno e fomos sentar-nos à porta, com os pés no murete para evitar as formigas, conversando. O Manuel Bernardo gosta de ouvir segredos, de escutar histórias de outros avós e avôs que não conheceu, presta atenção, faz perguntas, e eu acredito que esses passados ajudam a construir identidade. 
Quando a boleima ficou pronta, na sua inocência de três anos, o Manuel Bernardo olhou o céu e disse: - Obrigada avó Carolina, por teres ensinado açúcar amarelo à minha avó Luísa!

Foi a melhor boleima que comi, foi a mais bonita oração que ouvi.

4 comentários:

  1. Oh...!... Fiquei ougada até do Manuel Bernardo!
    Se eu adoro açúcar amarelo, seja à colherada em cru, seja com manteiga no pão, seja nas rabanadas com canela e, até, como faz bolinhas com facilidade, zuca!,mas assim , neste bolo, é que nunca experimentei!A Setôra sabe "da poda".
    E que bem que leva o seu menino !

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    1. Tem de experimentar a boleima lagoia! É uma delícia!!

      Luísa

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  2. Quando era miúdo era assim que a minha avó fazia. Um pão, acabado de sair do forno de lenha, barrado com a pura manteiga feita da nata do leite mungido naquela manhã e açúcar amarelo (não havia ainda o areado) bem espalhado. Depois, dava-lhe um toque de canela!

    Coisa melhor? Não sei se o pão assim, se o carinho e o amor da minha AVÓ...

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    1. Quando os sabores se tecem de recordações, ou ao contrário, valeu a pena a vida.

      Luísa

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