A melodia da chuva quebra o silêncio escuro de uma noite em branco. Enche uma caneca de café, assim como assim a noite está perdida, e percorre a vida, a dela. Todo o mundo é composto de mudança, e ouve os alunos de 10º ano protestarem incompreensão. A mudança faz a vida, só ela é permanente, defende, mas os miúdos não entendem o paradoxo aparente. Continua a chuva. Falam então do Renascimento, do Humanismo, da Arte, da verosimilhança. Alguns fazem perguntas e, agora, no escuro ritmado da noite, pensa nas respostas.
Não é bom ter respostas sempre, conclui. Ter respostas, às vezes, é como chegar ao fim de uma viagem, como arrumar a um canto a mala da esperança. Ela quer ter esperança, ainda. O café arrefece aos poucos e levanta-se para lhe juntar leite a ferver. Ouve a avó recomendar leite morno para dormir, tem saudades desse tempo. Será nostálgica? Crê que não. Não deseja voltar atrás, apenas gosta de olhar o passado, de o lembrar, deixando-o lá, no lugar onde é sempre, sem necessidade de o recuperar. Mudam-se os Tempos, mudam-se as vontades, e Camões insiste em permanecer. Oferece-lhe um café, que ele aceita, e riem-se os dois do absurdo da noite partilhada. É preciso acreditar. Acreditar que o mundo vai tomando sempre novas qualidades. Ela ri-se, brinca com o robe quente e diz que queria ter meios para conquistar os alunos para a Poesia dele. Ele diz que é um vício português, esse dos meios. Nunca há meios mas, curiosamente, há sempre muitos fins e poucos princípios. Ela surpreende-se com o jogo voluntário das palavras e pede-lhe que fique. Que diga só para ela um poema de amor. Ele despede-se beijando-lhe a mão e garantindo, entre páginas muito gastas, que do mal ficam as mágoas na lembrança, e do bem, se algum houve, as saudades. Ela vê-o partir e, com alívio, vê que o sol começa a chegar.
... as memórias, as recordações, as vivências, os momentos, as saudades (as boas!).
ResponderEliminarLembranças, que lembrais meu bem passado,
ResponderEliminarPera que sinta mais o mal presente,
Deixai-me, se quereis, viver contente,
Não me deixeis morrer em tal estado.
Mas se também de tudo é ordenado
Viver, como se vê, tão descontente,
Venha, se vier, o bem por acidente,
E dê a morte fim ao meu cuidado.
Que muito melhor é perder a vida,
Perdendo-se as lembranças da memória,
Pois fazem tanto dano ao pensamento.
Assi que nada perde quem perdida
A sua esperança traz de sua glória
Se esta vida há-de ser sempre em tormento
Mil beijos..
Sem comentários!
ResponderEliminarQue lindo!- "VOLTOU"...,estava a ver que não era este ano, que "voltava"...
Parabéns Setôra! Bom ano.
Abraço.
Absolutamente extraordinario. Adorei
ResponderEliminarMil beijos grande mae
Filipa
Único,como só tu sabes.
ResponderEliminarBeijos Mãe querida