A AMIZADE
Os meus pais começaram a passar férias no Algarve no ano em que eu nasci. Há tempo demais... Conheceram, conhecemos, um Algarve de praias quase desertas, com peixe fresco a chegar à lota aos montes e a bons preços. Todos os anos, no início de Agosto, lá íamos nós um mês de férias.
Com o passar do tempo, e com o crescimento dos filhos, os velhos hábitos foram-se alterando mas, para o meu Pai, ir ao Algarve no Verão era obrigatório. Fui companheira dele em muitas destas viagens, quase todas, e já não ficávamos um mês, mas três ou quatro dias, o tempo suficiente para matar saudades e rever amigos. Numa dessas idas, com as minhas filhas pequenas, aí dez anos, logo de manhã entrámos no quarto do meu Pai e ele, ao telefone, dizia: - "Ó António tu não me digas que não vens ter comigo! Tu não me faças uma desfeita dessas! Dormimos juntos sete anos e agora abandonas-me?!" A curiosidade das minhas filhas não tinha tamanho: - "Ó avô, tu dormiste com um senhor?!" E, então, indiferente ao sol que já inundava a praia lá fora, ele contou:
"Quando fui estudar para Coimbra fiquei numa República. Uma espécie de casa de amigos, com uma senhora que orientava (tentava) as coisas. Eu não tinha dinheiro, os meus pais eram pobres e, para estudar medicina, fui jogar futebol na Académica. Na República onde fiquei tinha como companheiro do quarto este amigo com quem estava a falar. Dividíamos o quarto e os segredos. Um dia, eu fui a Lisboa namorar a vossa avó, cheguei a Coimbra muito tarde, de comboio, muito cansado e cheio de frio. No comboio tirara os sapatos novos (estreados para namorar) e os pés tinham inchado de tal forma que não consegui voltar a calçá-los. Assim, descalço, com frio e com fome, subi desde a Baixa de Coimbra até à Alta, onde tinha o meu quarto. Quando cheguei, desejoso de me enfiar na cama, encontrei-a ocupada por este meu amigo. Furioso, abanei-o e protestei. Ele, muito ensonado, levantou-se e disse-me: - Está aqui um tipo a aquecer-te a cama e é assim que agradeces?!"
Creio que as minhas filhas se lembrarão deste episódio e acredito que, como eu, aprenderam a associar Coimbra à verdade das amizades.
Muito bonita a amizade pura, sem discriminação de sexo, sem preconceitos, sem a preocupação de, o que este vai pensar, ou não, do individuo.
ResponderEliminarAcho que, neste tempo havia amizades mais sãs e puras.
Eu acho que ainda há amizades verdadeiras. Totais, como gosto de dizer. Mas concordo que são poucas...
EliminarLuísa
O pior são os que se fazem de amigos, em nome de grandes amizades, e nos importunam, ameaçam, constrangem e abatem psiquicamente... E cada vez há mais!
ResponderEliminarGostei muito desta história! Tenho seguido por aqui as tuas "estórias". Escreves bem, minha lida! beijinhos
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