Por Vinte e Cinco Tostões
No tempo em que havia tostões, e quando o escudo dava para pagar a vida, o meu Pai foi médico da PSP. Como pagamento destas funções, a juntar ao parco vencimento, o Estado permitia aos funcionários comprar gasolina mais barata. Obviamente, e considerando que devíamos estar por volta de 1964, a economia era rigorosa e cada médico só tinha direito, por mês, a cerca de vinte escudos de desconto. Ora o meu Pai, que sempre foi péssimo para fazer contas e dar conta de papelada, um mês excedeu, sem se aperceber, em vinte e cinco tostões, dois escudos e cinquenta centavos, a quantia que lhe era atribuída Tempos depois, recebeu uma carta do General mais importante a passar-lhe uma descompostura violenta e a insinuar que "deliberadamente lesara a Pátria em dois e quinhentos que devia repor, ficando, a partir de então, sem direito a mais nenhum abastecimento.". Sentindo-se ofendido e injustiçado, o meu Pai passou um cheque (à época os cheques usavam-se muito), no valor de vinte e cinco tostões, e enviou ao General dizendo que não fizera nada com espírito de lesa pátria e que, a partir de então, ele mesmo fazia questão de prescindir da facilidade dada pela PSP.
O que ele não se lembrou foi que, na época, todos os homens válidos que tivessem cumprido o serviço militar obrigatório continuavam ao serviço da pátria encontrando-se, apenas, como passados à disponibilidade... Na volta do correio veio a resposta do General que, ofendido, o mobilizava para a Guiné!
O meu Pai tinha quatro filhos pequenos, a vida a começar, e tudo o que menos desejava era ir participar numa guerra que condenava! Foram dias de angústia e lágrimas! Mexeram-se as amizades, os conhecidos dos conhecidos, os contactos dos amigos influentes e ele lá conseguiu ser recebido pessoalmente no Estado Maior para pedir desculpa ao General.
No dia do encontro, lembro-me como se fosse hoje, levamos o meu Pai ao lugar onde seria recebido, ali em São Sebastião, perto da Gulbenkian, pelas 9,30h. Estava convocado para as dez horas da manhã e não ousou atrasar-se. Nós fomos para casa dos meus avós, com a minha avó a rezar sem parar e a minha mãe a impôr calma. O meu Pai foi recebido às seis da tarde. Todo o dia ficou isolado, não havia telemóveis, numa sala vazia, esperando que o chamassem. Finalmente, e com os nervos desfeitos, lá foi levado à presença do General que lhe passou uma grande reprimenda e lhe disse que agradecesse aos amigos militares que o tinham livrado de embarcar para a Guiné na semana seguinte...
O meu Pai continuou médico da PSP, mas nunca mais meteu nem um centavo de gasolina mais barata!!
Que horror e que ridículo foi sempre, o estado do nosso Estado, com os seus exageros e normazinhas e burocracias da "caca"...! E sempre sem olhar para nós, todos, «humanamente», seja em que regime for!
ResponderEliminarQue mau bocado deviam ter passado.
Grandes filhos da "mãe"! Cambada!
E esse filhos da... mãe continuam por aí!
EliminarLuisa, hoje pode haver muitas falcatruas e até arranjinhos para os "amigos" ( escrevo entre " " porque a palavra tens-se vindo a desgastar no seu verdadeiro sentido) mas hoje dificilmente poderia haver dessas prepotências, penso eu!
ResponderEliminarNão tenho tanta certeza, Dalma... Tenho assistido a coisas destas, a abusos, absolutamente incríveis! Como eu sempre digo: - Não deve ser por acaso que poder e podre se escrevem com as mesmas letras!
EliminarLuísa